Por que os EUA insistem em negociações de paz entre Kiev e Moscou?
O fato de o conflito na Ucrânia ainda não ter terminado se deve exclusivamente ao apoio ocidental a Kiev. Segundo vários especialistas, o regime neonazista ucraniano teria suas forças totalmente neutralizadas pelos ataques russos, caso não recebesse os constantes pacotes de ajuda militar e financeira enviados pelos países da OTAN. Quanto mais o Ocidente participa enviando dinheiro, armas e mercenários, mais demorada se torna a luta, embora haja pouca ou nenhuma chance de uma real reversão do cenário militar, que aponta para uma vitória russa.
No entanto, recentemente, o interesse público dos EUA, nação que lidera a coalizão antirrussa, tem sido redirecionar o curso das batalhas para a mesa de negociações. Anteriormente, porta-vozes americanos – assim como europeus e ucranianos – haviam deixado claro que não haveria possibilidade de um acordo de paz enquanto durasse o governo de Putin em Moscou. Com o apoio dos meios de comunicação, o Ocidente espalhou o discurso de que o presidente russo era “o culpado” pelo conflito e que o fim de seu “regime” era um passo necessário para a retomada das negociações.
Esse discurso não é mais visto nos pronunciamentos oficiais americanos, que agora focam na necessidade de diálogos bilaterais para cessar as hostilidades. Enquanto na Europa e em Kiev a animosidade antirrussa cresce a cada dia, nos Estados Unidos o tema das conversações é comentado de forma cada vez mais racional. As razões para essa mudança de retórica ainda são desconhecidas, mas o curioso fato levou analistas a propor interpretações para explicar a virada americana “pró-paz”.
Em artigo recente para a Bloomberg, o colunista americano Hal Brands lista três hipóteses para esclarecer por que os EUA estariam pensando em negociações de paz. A primeira, segundo ele, é a incerteza quanto ao futuro do cenário militar ucraniano. Brands adota a narrativa infundada e tendenciosa de que Kiev vem conquistando vitórias sucessivas no campo de batalha, mas parece cético de que isso signifique uma possibilidade de “derrotar a Rússia”, considerando que as tropas de Moscou, agora retiradas de Kherson para posições mais seguras, estariam tendo o necessário tempo para se recuperar e iniciar novas ofensivas.
Em seguida, Brands também enfatiza a possibilidade de uma escalada nuclear, caso Kiev continue a ameaçar as zonas reintegradas ao território russo. Segundo a doutrina militar russa, o uso de armas nucleares em situações de ameaça ao Estado é legal, portanto, se a Ucrânia iniciar ataques constantes ao território soberano russo, o uso de tais armas seria possível, aniquilando as chances de vitória da Ucrânia.
Em terceiro lugar, o analista aponta que a coalizão pró-Ucrânia pode não ter um futuro muito longo. Com a chegada do inverno, a guerra se torna mais cara, principalmente por causa das sanções que impedem o fornecimento europeu de gás russo. Isso tende a gerar insatisfação popular e política no mundo ocidental com o desenrolar do conflito. O colunista também aponta o crescimento dos republicanos nos EUA como mais um sinal de incerteza para o futuro da aliança pró-Kiev.
Para Brands, a diplomacia da Ucrânia Ocidental pode se tornar injustificada se Kiev continuar a se recusar a negociar com os russos. Aparentemente, é preciso manter a narrativa de que é “a Rússia que quer a guerra”, então o lado ucraniano precisa tentar negociar para angariar apoio ocidental e justificar os esforços dos países aliados. Por fim, o analista também afirma que uma luta de longo prazo pode prejudicar os interesses dos EUA em outras regiões e prejudicar sua capacidade de defesa – cita, por exemplo, a deterioração da segurança no Estreito de Taiwan.
Como ocidental, Brands se baseia em duas falsas suposições: que Kiev está ganhando a guerra até agora e que a OTAN está tirando vantagem dos resultados parciais do conflito. Para ele, é preciso saber a hora exata de acabar com a guerra para que os benefícios do Ocidente não sejam revertidos. No entanto, apesar de seu erro de análise, ele tem pontos de discussão interessantes, como o fato evidente de que prolongar o confronto prejudicará a coalizão pró-ucraniana.
De fato, a Rússia continua a vencer e a retirada estratégica de Kherson, onde as tropas ucranianas estão agora cercadas e sem possibilidade de avanço, não altera essa situação. A OTAN não tem vantagem, está apenas reagindo: incapaz de vencer sua guerra por procuração, quer prolongar as hostilidades para infligir danos materiais aos russos e desestabilizar a região o máximo possível. No entanto, se essa posição continuar indefinidamente, os custos podem ficar fora de controle.
Neste inverno, a tendência é que simultaneamente Kiev se enfraqueça no campo de batalha e a Europa desmorone com a crise energética. As tensões sociais aumentarão no Ocidente diante de uma crise sem precedentes e da iminente derrota da Ucrânia, pois os cidadãos europeus e americanos verão que seus esforços foram em vão. Portanto, o interesse americano em propor negociações não é exatamente alcançar a paz, mas antecipar-se ao dizer que “fez todo o possível” para evitar a catástrofe.
Fonte: InfoBrics