O Heartland se levanta para desafiar o Ocidente
Atente para a cúpula China-Ásia Central na semana passada em Xian, a antiga capital imperial, onde Xi solidificou a expansão da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China Ocidental em Xinjiang para seus vizinhos ocidentais e depois até o Irã, Turquia e Europa Oriental.
Xi em Xian enfatizou particularmente os aspectos complementares entre o BRI e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), mostrando mais uma vez que todos os cinco “stões” da Ásia Central, agindo em conjunto, devem contrariar a proverbial interferência externa através de “terrorismo, separatismo e extremismo”.
A mensagem foi dura: estas estratégias guerra híbrida estão todas integradas com a tentativa do Hegemon de continuar promovendo revoluções coloridas em série. Os provedores da “ordem internacional baseada em regras”, sugeriu Xi, não hesitarão em impedir a integração contínua do Heartland.
Os suspeitos de sempre, de fato, já estão circulando que a Ásia Central está caindo em uma armadilha potencial, totalmente capturada por Pequim. No entanto, isso é algo que a “diplomacia multivetorial” do Cazaquistão, cunhada nos anos de Nazarbayev, nunca permitiria.
O que Pequim está desenvolvendo, em vez disso, é uma abordagem integrada por meio de um C+C5 secretariado com nada menos que 19 canais separados de comunicação. O cerne da questão é turbinar a conectividade Heartland por meio do Corredor do Central do BRI.
[The Geographical Pivot of History foi um artigo publicado por Halford John Mackinder em 1904 para a Royal Geographical Society. Neste artigo, Mackinder desenvolveu a Teoria do Heartland e estendeu o campo da análise geopolítica para a esfera global. Para Mackinder, o Heartland se localizaria no centro da Eurásia, estendendo-se do Volga ao Yangtzé e do Himalaia ao Ártico. Tal região foi controlada principalmente pelo Império Russo, posteriormente pela União Soviética – nota do tradutor]
E isso, crucialmente, inclui a transferência de tecnologia. Tal como está, há dezenas de programas de transferência industrial com o Cazaquistão, uma dúzia no Uzbequistão e vários em discussão com o Quirguistão e o Tadjiquistão. Estes programas são exaltados por Pequim como parte das “Rotas da Seda harmoniosas”.
O próprio Xi, como um peregrino pós-moderno, detalhou a conectividade em seu discurso principal em Xian: “A rodovia China-Quirguistão-Uzbequistão que atravessa as montanhas Tian shan, a via expressa China-Tadjiquistão que desafia o Planalto Pamir e o Oleoduto China-Cazaquistão e o Gasoduto China-Ásia Central que atravessam o vasto deserto – eles são a atual Rota da Seda.”
O renascimento do “cinturão” do Heartland
A China de Xi está mais uma vez espelhando as lições da História. O que está acontecendo agora nos traz de volta à primeira metade do primeiro milênio aC, quando o império persa aquemênida se estabeleceu como o maior até hoje, estendendo-se desde a Índia no leste e a Ásia Central no nordeste até a Grécia no oeste e o Egito no sudoeste.
Pela primeira vez na história, territórios que abrangiam a Ásia, a África e a Europa foram reunidos; e isso levou a um boom no comércio, cultura e interações étnicas (o que o BRI define hoje como “trocas de pessoas para pessoas”).
Foi assim que tivemos o primeiro contato do mundo helenístico com a Índia e a Ásia Central – quando eles estabeleceram os primeiros assentamentos gregos na Báctria (no atual Afeganistão).
No final do primeiro milênio aC até o primeiro milênio dC, uma imensa área do Pacífico ao Atlântico – abrangendo o império chinês Han, o reino Kushan, os partos e o império romano, entre outros – formava “um contínuo cinturão de civilizações, Estados e culturas”, como definiu o Prof. Edvard Rtveladze, da Academia de Ciências do Uzbequistão.
Isso, em poucas palavras, está no cerne do conceito chinês de “cinturão” e “rota”: o “cinturão” refere-se ao Heartland, a “rota” refere-se à Rota Marítima da Seda.
Há pouco menos de 2.000 anos, foi a primeira vez na história da humanidade que as fronteiras de vários Estados e reinos foram imediatamente adjacentes umas às outras ao longo de nada menos que 11.400 km, de leste a oeste. Não é à toa que a lendária Rota da Seda Antiga – na verdade um labirinto de estradas –, a primeira via transcontinental, surgiu na época.
Isso foi consequência direta de uma série de turbilhões políticos, econômicos e culturais envolvendo os povos da Eurásia. A história, no século 21 altamente acelerado, está agora refazendo esses passos.
Geografia, afinal, é destino. A Ásia Central foi atravessada por incontáveis migrações de povos do Oriente Médio, indo-europeus, indo-iranianos e turcos; foi o foco de séria interação intercultural (culturas iranianas, indianas, turcas, chinesas e helenísticas); e cruzou praticamente todas as principais religiões (Budismo, Zoroastrismo, Maniqueísmo, Cristianismo, Islamismo).
A Organização dos Estados Turcos, liderada pela Turquia, está até empenhada em reconstruir os tons de identidade turcos do Heartland – um vetor que se desenvolverá em paralelo à influência da China e da Rússia.
Essa parceria da Grande Eurásia
A Rússia está evoluindo em seu próprio caminho. Um debate importante foi realizado em uma sessão recente do Valdai Club sobre a Parceria da Grande Eurásia quando se trata da interação entre a Rússia e o Heartland e os vizinhos China, Índia e Irã.
Moscou considera o conceito de uma Grande Parceria Eurasiana como a estrutura chave para alcançar a tão desejada “coesão política” no espaço pós-soviético – sob o imperativo da indivisibilidade da segurança regional.
Isso significa, mais uma vez, atenção máxima às tentativas em série de provocar revoluções coloridas em todo o Heartland.
Tanto quanto em Pequim, não há ilusões em Moscou de que o Ocidente coletivo não fará prisioneiros ao arregimentar a Ásia Central ao impulso russofóbico. Há mais de um ano, Washington, para todos os efeitos práticos, já aborda o Heartland com ameaças de sanções secundárias e ultimatos grosseiros.
Portanto, a Ásia Central importa apenas em termos da evolução da guerra híbrida – e de outra forma – contra a parceria estratégica Rússia-China. Nenhuma perspectiva fabulosa de comércio e conectividade nas Novas Rotas da Seda; nenhuma Parceria da Grande Eurásia; nenhum acordo de segurança sob o CSTO; nenhum mecanismo de cooperação econômica como a União Econômica da Eurásia (EAEU).
Ou você é um “parceiro” na demência das sanções e/ou uma frente secundária na guerra contra a Rússia, ou haverá um preço a se pagar.
O “preço”, estabelecido pelos proverbiais psicopatas neoconservadores straussianos atualmente encarregados da política externa dos Estados Unidos, é sempre o mesmo: guerra por procuração via terror, a ser fornecida pelo ISIS-Khorasan*, cujas células negras estão prontas para serem despertadas em sertões selecionados do Afeganistão e do vale de Ferghana.
Moscou está muito ciente dos altos riscos. Por exemplo, há um ano e meio praticamente todos os meses uma delegação russa chega ao Tadjiquistão para implementar, na prática, o “pivô para o leste”, desenvolvendo projetos nas áreas de agricultura, saúde, educação, ciência e turismo.
A Ásia Central deve ter um papel de liderança na expansão do BRICS+ – algo apoiado pelos líderes do BRICS, Rússia e China. A ideia de um BRICS + Ásia Central está sendo levada a sério de Tashkent a Almaty.
Isso implicaria estabelecer um continuum estratégico da Rússia e China à Ásia Central, Sul da Ásia, Ásia Ocidental, África e América Latina – abrangendo a logística de comércio de conectividade, energia, produção manufatureira, investimento, avanços tecnológicos e interação cultural.
Pequim e Moscou, cada uma à sua maneira e com as suas próprias formulações, já estão definindo uma estrutura para que este ambicioso projeto geoeconômico seja viável: o Heartland de volta à ação como protagonista na vanguarda da História, assim como aqueles reinos, mercadores e peregrinos de quase 2.000 anos atrás.
*ISIS-Khorasan é uma afiliada do grupo terrorista Daesh (também conhecido como ISIS/ISIL/IS) ativo no sul da Ásia e na Ásia Central, é banido na Rússia e em muitos outros países.
Tradução de Comunidad Saker Latinoamérica