Estado-Civilização
Especialistas competentes em relações internacionais reconhecem unanimemente que o OME (Operação Militar Especial) é o acorde final e decisivo na transição de um mundo unipolar para um mundo multipolar.
A multipolaridade às vezes parece intuitivamente clara, mas assim que tentamos dar definições precisas ou uma descrição teórica correta, as coisas se tornam menos claras. Acredito que meu trabalho "Teoria do mundo multipolar" se torna mais relevante do que nunca. Mas como as pessoas não possuem costume de ler como antes, principalmente textos teóricos longos, vou tentar compartilhar os principais pontos.
O Principal Ator de uma ordem mundial multipol/ar (OMM) não é o Estado-Nação (como na teoria do realismo nas Relações Internacionais), mas também não é um governo mundial unificado (como na teoria do liberalismo nas Relções Internacionais). É o Estado da Civilização. Outros nomes para isso é "Grande Espaço", "Império", "Ecumenismo".
O termo "Estado-Civilização" é mais frequentemente aplicado à China. tanto antigos como modernos. Já na antiguidade, os chineses desenvolveram a teoria de "Tianxia" (天下), "Imp´rio Celestial", segundo a qual a China é o centro do mundo, sendo o ponto de encontro do Céu unificador e da Terra Divisória. O "Império Celestial" pode ser um único estado, ou pode ser desmontado em suas partes componentes e depois remontado. Além disso, Han China propriamente dita também pode servir como um bloco de construção cultural para as nações vizinhas que não fazem parte diretamente da China, especialmente Coréia, Vietnã, os países da Indochina e até mesmo o Japão, que se tornou independente.
O Estado-Nação é umm produto da Nova Era Européia e, em alguns casos, uma construção pós-colonial. A civilização-estatal tem raízes antigas e... fronteiras incertas e instáveis. O Estado-Civilização é às vezes pulsante, às vezes em expansão, às vezes em contração, mas sempre um fenômeno permanente (isto é, acima de tudo, o que precisamos saber sobre nossa OME).
A China moderna se comporta estritamente de acordo com o princípio da "Tianxia" na política internacional. A iniciativa do Cinturão e Rota "The One Belt, One Road Initiative" é um exemplo brilhante de como ela se parece na prática. A internet da China, que desliga todas as redes e recursos que poderiam enfraquecer sua identidade civilizacional, demonstra como os mecanismos de defesa são postos em prática.
O Estado-Civilização pode interagir com o mundo exterior, mas nunca se torna dependente dele e sempre mantém a auto-suficiência, a autonomia e a autarquia.
O Estado-Civilização é sempre mais do que um estado em termos espaciais e temporais (Históricos).
A Rússia está gravitando cada vez mais em direção ao mesmo status. Após o início da OEM, isso não é mais uma mera ilusão, mas uma necessidade urgente. Como no caso da China, a Rússia tem todos os motivos para afirmar ser uma Civilização. Esta teoria foi mais amplamente desenvolvida pelos Eurasianos Russos, que introduziram a noção de um "Mundo-Estado" ou - o que é a mesma coisa - um "Mundo Russo". Na verdade, o conceito de Rússia-Eurásia é uma indicação direta do status civilizacional da Rússia. A Rússia é mais do que um estado-nação (que é a Federação Russa).
A Rússia é um mundo distinto. A Rússia era uma civilização no tempo do Império e assim permaneceu no período Soviético. As Ideologias e regimes mudaram, mas a identidade permaneceu a mesma. A luta pela Ucrânia nada mais é do que a luta pelo Estado-Civilização. O mesmo é o pacífico Estado da União da Rússia e da Bielorrússia e a Integração Econômica do Espaço Eurasiano Pós-Soviético.
Um mundo multipolar consiste em Estados-Civilizações. É uma espécie de mundo de mundos, um megacosmos que inclui galáxias inteiras. E aqui é importante determinar quantos Estados-Civilizações podem existir mesmo teoricamente? Certamente, esse tipo inclui a Índia, um típico Estado-Civilização, que ainda hoje tem potencial suficiente para se tornar um ator de pleno direito na política internacional. Depois, há o mundo islâmico, da Indonésia ao Marrocos. Aqui a fragmentação em estados e diferentes enclaves etnoculturais ainda não nos permite falar de unidade política. A civilização islâmica existe, mas a questão de sua montagem em um Estado-Civilização é bastante problemática. Além disso, a história do Islã conhece vários tipos de Civilização-Estados - desde o Califado (o Primeiro, Omíada, Abássida, etc.) , o Império Safávida Persa, o Grande Estado Mogul e, finalmente, o Império Otomano. As fronteiras outrora traçadas ainda são relevantes hoje em muitos aspectos. Mas o processo de reuni-los em uma única estrutura requer tempo e esforço consideráveis.
A mesma situação vale também para a América Latina e a África, duas macrocivilizações que permanecem bastante divididas. Mas um mundo multipolar de alguma forma impulsionará os processos de integração em todas essas zonas. Agora o mais importante: o que fazer com o Ocidente? A teoria de um mundo multipolar na nomenclatura das teorias das Relações Internacionais no Ocidente moderno está ausente.
Hoje o paradigma dominante é o liberalismo, que nega qualquer soberania e autonomia, abole civilizações e religiões, etnias e culturas, substituindo-as por uma ideologia liberal forçada, o conceito de "direitos humanos", o individualismo (no limite que leva à e política transgênero), materialismo e progresso técnico elevado ao mais alto valor (Inteligência Artificial). O objetivo do liberalismo é abolir os estados-nação e estabelecer um governo mundial baseado em normas e regras ocidentais.
Essa é a linha seguida por Biden e pelo moderno Partido Democrata nos EUA, assim como pela maioria dos governantes europeus. É disso que se trata o globalismo. Rejeita categoricamente o Estado-Civilização e qualquer indício de multipolaridade. É por isso que o Ocidente está pronto para a guerra com a Rússia e a China. De certa forma, essa guerra já está acontecendo na Ucrânia e no Pacífico (o problema de Taiwan), mas até agora com o apoio de atores-proxy.
No Ocidente existe outra escola influente - o realismo nas Relações Internacionais. Aqui o Estado-nação é considerado um elemento necessário da ordem mundial, mas somente aqueles que alcançaram um alto nível de desenvolvimento econômico, militar-estratégico e tecnológico - quase sempre às custas de outros - têm soberania. Enquanto os liberais veem o futuro em um governo mundial, os realistas o veem em uma aliança de grandes potências ocidentais estabelecendo regras globais em seus próprios interesses. Mais uma vez, na teoria e na prática, um Estado-Civilização e um mundo multipolar são categoricamente rejeitados.
Isso cria um conflito fundamental já no nível teórico. E a falta de entendimento mútuo aqui leva às consequências mais radicais no nível de colisão direta.
Aos olhos dos defensores da multipolaridade, o Ocidente é também um Estado-Civilização ou mesmo dois - norte-americano e europeu. Mas os intelectuais ocidentais não concordam com isso: eles não têm estrutura teórica para isso - eles conhecem o liberalismo ou o realismo, e nenhuma multipolaridade.
No entanto, existem exceções entre os teóricos ocidentais, como Samuel Huntington ou Fabio Petito. Eles - ao contrário da grande maioria - reconhecem a multipolaridade e o surgimento de novos atores na forma de civilizações. Isso é gratificante porque através de tais ideias é possível construir uma ponte dos partidários da multipolaridade (Rússia, China etc.) para o Ocidente. Tal ponte pelo menos tornaria as negociações possíveis. Enquanto o Ocidente rejeitar categoricamente a multipolaridade e a própria noção de Estado-Civilização, a conversa será conduzida apenas no nível de um choque de poder bruto – das operações militares ao bloqueio econômico, guerras de informação e sanções, etc.
Este último. Para vencer esta guerra e se defender, a própria Rússia deve primeiro compreender claramente a multipolaridade. Já estamos lutando por isso, mas ainda não entendemos completamente o que é. É necessário dissolver urgentemente os tanques liberais criados durante o período Gorbachev-Yeltsin e estabelecer novos tanques multipolares. Também é necessário reestruturar o próprio paradigma educacional - em primeiro lugar no MGIMO, MGU, PFUR, no Instituto Maurice Thorez, na Academia Diplomática e em outras universidades especializadas. Finalmente, precisamos realmente nos voltar para uma escola de pensamento eurasiana desenvolvida e plenamente desenvolvida, que provou ser altamente relevante, mas contra a qual os atlantistas abertos e encobertos e os agentes estrangeiros que penetram profundamente em nossa sociedade continuam a lutar.