A Armadilha de Macron

17.06.2024

 A decisão do Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições após o fracasso de sua coligação nas eleições europeias é, obviamente, sinal de fraqueza. Ele não precisaria fazê-lo se estivesse politicamente forte.

Mas é também, potencialmente, um recuo estratégico cujo objetivo é sabotar as chances do RN de conquistar a presidência, o que seria uma derrota infinitamente maior do que entregar a eles o cargo de primeiro-ministro.

É que na França, uma República Parlamentarista com uma série de peculiaridades, o Presidente cuida de todos os assuntos de Estado (especialmente guerra e relações externas) enquanto o Primeiro-Ministro cuida das questões de Governo (ou seja, especialmente temas econômicos, tributários, de segurança, etc).

E o "x" da questão é que os problemas franceses atuais dependeriam, para sua solução, da sincronia perfeita entre Presidente e Primeiro-Ministro - é claro, uma sincronia perfeita sobre uma plataforma popular-patriótica.

O povo francês está claramente cansado do macronismo, do socialismo liberal e do conservadorismo liberal, e parece disposto a dar ao RN um voto de confiança, para colocar Jordan Bardella no cargo de primeiro-ministro. Mas isso não necessariamente representaria um grande incômodo para Macron.

É que é óbvio que Macron seguirá no rumo atlantista-cosmopolita, nas suas pastas, que ele já seguia. E é óbvio que decisões no âmbito das relações externas e defesa afetarão as pastas de Bardella. Não esperem que essas eleições mudem a posição da França em relação aos conflitos planetários, porque o primeiro-minsitro da França não tem esse poder.

Mas decisões estúpidas do Macron afetarão o bem-estar do francês comum. As pastas obviamente se interligam, e sanções contra a Rússia (ou qualquer outro país economicamente relevante), uma decisão de política externa, serão obviamente sentidas no bolso do trabalhador francês - que então marchará e protestará contra a "piora econômica do país".

E isso, é claro, sem nem comentar sobre os poderes do Presidente da França, que são grandes em comparação com a média dos regimes republicanos, que serão naturalmente usados para paralisar o andamento do governo em tudo que for concernente às pastas de Bardella.

O "passivo" dessa coabitação entre projetos opostos seria, naturalmente, colhido por Bardella. Sempre foi assim, historicamente, na França. A República atual viu 3 casos de coabitação desse tipo. Nas 3, o primeiro-ministro tentou se eleger presidente nas eleições seguintes e foi derrotado.

O plano de Macron parece ir por aí. Até porque, o RN até agora não governou a França, diferentemente dos socialistas, dos liberal-conservadores e, agora, dos liberal-libertários. É fácil criticar de fora, difícil é estar no governo e ser fritado por anos.

Agora, os nacionalistas do RN não são, também, arrivistas, nem recebem simplesmente voto de protesto. Eles já possuem presença estável na Assembleia e no Parlamento Europeu há umas poucas décadas, e hoje em dia já governam um punhado de cidades francesas. Então pode ser que o ônus dessa coabitação fique com Bardella, e não com Marine Le Pen e com o partido.

Ademais, é necessário levar em consideração que estamos em tempos caóticos, passando por fenômenos e crises praticamente inéditas, as quais também tem tido repercussões e consequências inéditas em cada país. É possível que no conflito interno entre Macron e Bardella, como Macron já está extremamente desgastado, os nacionalistas consigam manobrar para, ao contrário, transferir todo o ônus das paralisias políticas futuras para Macron e para o establishment.

Macron desenvolveu, de fato, um plano maquiavélico. Mas como os planos de Pinky & Cérebro não duvido que naufrague.