Turquia e Egito passarão da inimizade para a amizade
A cooperação entre os dois países pode afetar a região do Norte da África e Oriente Médio.
Em 4 de setembro de 2024, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi visitou Ancara, e se encontrou com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Esta foi a primeira visita de um presidente egípcio nos últimos 12 anos. Embora, o foco estivesse na discussão de Gaza e na necessidade de coordenar ações contra Israel, os ministros dos dois países, também assinaram 18 memorandos de entendimento sobre cooperação em energia, defesa, turismo, saúde, agricultura, finanças, cultura, educação e transporte. Falando em uma coletiva de imprensa conjunta, Erdogan reiterou que a Turquia e o Egito queriam aumentar o comércio anual entre US$ 5 bilhões a US$ 15 bilhões nos próximos cinco anos. De sua parte, Sisi disse que eles também discutiram a situação na Líbia, sobre a qual os dois países há muito tempo estão em desacordo, e apoiaram facções opostas em um conflito não resolvido.
Antes, em fevereiro de 2024, Erdogan estava no Cairo, e então as relações foram formalmente normalizadas. As relações bilaterais entre os dois países, se deterioraram significativamente após a derrubada do presidente Mohamed Mursi, na revolução de 30 de junho de 2013, pois ele era um aliado próximo da Turquia, que apoiava a Irmandade Muçulmana (banida na Rússia). A mídia turca (assim como os "irmãos" locais e visitantes que tiveram acesso a plataformas de informação) começaram a criticar Sisi, e Erdogan mencionou repetidamente seu nome na retórica política, traçando paralelos entre Sisi e algumas figuras da oposição na Turquia para ganhar apoio, especialmente antes das eleições.
A atual mudança crucial nas relações, deriva de vários interesses econômicos e estratégicos, que são influenciados pela conjuntura geopolítica da região.
Se falarmos sobre a economia, a Turquia e o Egito estão interessados em sua recuperação. A Turquia continua a experimentar inflação severa e desvalorização da lira turca, enquanto o Egito, está entre as primeiras fileiras dos principais devedores do FMI.
Ambos os países terão que ajustar sua política externa. Em particular, na Líbia, onde a Turquia apoiou o Governo do Acordo Nacional em Trípoli (por causa de sua proximidade ideológica com a Irmandade Muçulmana), e o Egito apoiou o Exército Nacional Líbio do General Khalifa Haftar. A Rússia também apoiou Haftar para impedir o fortalecimento da influência das forças islâmicas na região. E com isso, os objetivos de Moscou e Cairo coincidiram.
A energia também desempenha um papel importante, pois a Turquia está interessada em se tornar um centro regional, usando as capacidades de países fornecedores vizinhos, do Azerbaijão e Rússia ao Iraque. E a importação de gás natural liquefeito do Egito, pode dar à Turquia oportunidades adicionais, incluindo o transporte de gás para a Europa. Em fevereiro, a Turkish Petroleum Pipeline Corporation (BOTAS) e a Egyptian Natural Gas Holding Company (EGAS) concordaram em aumentar a cooperação no comércio de gás natural e GNL.
A segurança energética está ligada de certa forma aos interesses no Mediterrâneo Meridional, onde a Turquia tem um conflito de interesses de longa data com a Grécia, Chipre e Israel. Não muito tempo atrás, a Turquia também foi excluída do Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental, estabelecido em 2020. Portanto, por meio do Egito, Ancara tentará influenciar essa agenda ou, pelo menos, suavizar as contradições apenas com o Egito.
E como o Egito também é membro do BRICS, pode fazer lobby pelos interesses da Turquia neste clube. Não é por acaso que este ano a Turquia começou a declarar ativamente seu interesse em se tornar membro desta organização.
Os interesses da Turquia em expandir a exportação de seus produtos militares também devem ser observados. Sabe-se que a Turquia havia concordado anteriormente em exportar seus drones armados e outros equipamentos militares para o Egito.
Os dois países têm interesses na região, em particular, no Chifre da África. O Egito está fazendo reivindicações contra a Etiópia (que também é membro do BRICS), que iniciou a construção de uma enorme barragem no Nilo. Os Emirados Árabes Unidos estão investindo ativamente nessa construção. Além disso, em janeiro deste ano, a Etiópia assinou um acordo histórico com a Somalilândia, que, apesar da falta de reconhecimento internacional, concedeu à Etiópia acesso ao Mar Vermelho em troca do reconhecimento da soberania da Somalilândia.
Assim, a Etiópia está tentando diversificar o acesso às comunicações marítimas. Por outro lado, o Egito assinou um acordo militar com a Somália, que a Etiópia vê como um desafio ao seu acordo marítimo com a Somalilândia. Enquanto isso, a Turquia intensificou seus esforços para mediar as negociações entre a Somália e a Etiópia, buscando fortalecer sua influência diplomática como mediadora na região. Significativamente, a Turquia também está vendendo seus drones armados para a Etiópia.
Adicione a isso o conflito militar em andamento no Sudão, que faz fronteira com o Egito. Claro, a vizinha Faixa de Gaza agora ocupa uma posição de maior prioridade e para a entrega de ajuda humanitária (incluindo da Turquia), o território do Egito é o mais ideal.
No geral, combinações bastante interessantes estão sendo criadas, nas quais outros atores da região também participam. Pelo menos, há tentativas de influência da Arábia Saudita, mas também de países ocidentais. A Rússia, sendo parceira do Egito e da Turquia, está mais distanciada dos processos regionais. Ao mesmo tempo, fortalecer as relações, especialmente se elas tiverem um efeito claro no fim do apoio da Turquia à Irmandade Muçulmana, seria benéfico para a segurança regional do ponto de vista da Rússia.
A longo prazo, é claro, qualquer processo de desocidentalização seria bem-vindo por Moscou. Embora os esforços de cooperação entre a Turquia e o Egito, que estão apenas começando a ganhar força, devam resistir ao teste do tempo. No entanto, é necessário levar em conta os fatores da memória histórica, já que o Egito esteve sob o controle do Império Otomano por um longo tempo, e as atuais escolas do islamismo dos dois países continuam a diferir uma da outra. E a competição no setor de turismo, também continua sendo um fator não menos importante, que tem um impacto significativo nas economias dos dois países.