Neo-Otomanismo e Grande Israel
Em pouco tempo, os “heróicos rebeldes sírios” (também seria necessário avaliar quantos deles são realmente sírios) serão novamente definidos como terroristas em nossos meios de comunicação (sem dúvida, quando tiverem cumprido seu papel e não forem mais úteis para Tel Aviv e Washington – este último já está, provavelmente, irritado com a ausência de ameaças às bases russas). Enquanto isso, por precaução, o próprio Israel considerou prudente destruir, através de operações aéreas direcionadas e massivas, depósitos de armas e estruturas logísticas do já extinto exército árabe sírio, a fim de evitar surpresas perigosas e (talvez) que algumas dessas armas cheguem ao Líbano, aproveitando-se do caos.
O objetivo subjacente permanece o de manter a Síria em um estado de “Estado falido” (fragmentado em termos étnicos e sectários), explorando os inúmeros seguidores dos grupos de oposição a Bashar al-Assad, que incluem acrônimos menos inclinados ao confronto aberto com o Irã e o Hezbollah (mais próximos do Catar), além de importantes eruditos sunitas com grande audiência (penso em Muhammad Yaqubi, opositor tanto de Assad quanto do autoproclamado “Estado Islâmico” de Abu Bakr al-Baghdadi). Não é necessário dizer que, de todos esses grupos, os primeiros a chegarem a Damasco (HTS e associados) são, sem dúvida, os piores.
Ainda há muito a ser analisado na história dos últimos meses da Síria baasista (entre o esfriamento das relações com o chamado “eixo da resistência”, a busca por apoio nas monarquias do Golfo que nunca chegou e a recusa de uma solução negociada com a Turquia). Além disso, como mencionamos em outras ocasiões, o neo-otomanismo e o Grande Israel podem ser projetos geopolíticos (e messiânicos-religiosos, no caso do Estado hebraico) potencialmente conflitantes, particularmente no que diz respeito aos corredores de transporte de gás e à relação com os curdos (um recurso de longa data do Ocidente e de Israel, especialmente odiado por Ancara). O confronto aberto entre o Exército Livre da Síria (apoiado por Ancara) e as Forças Democráticas Sírias (de maioria curda e apoiadas pelos Estados Unidos) é iminente.
Não há dúvidas de que Israel usará os combatentes do HTS contra o Hezbollah e, aproveitando-se do caos sírio, tentará expandir seu controle até Damasco (a zona-tampão, além do Golã, planejada por Tsahal, está localizada nos arredores da antiga capital da Síria); mais uma razão para um potencial conflito com Ancara.
No entanto, é bastante inexplicável que alguns membros do Hamas (em particular de sua ala política, que, convém lembrar novamente, é diferente de sua ala militar) possam acreditar que a mudança de regime na Síria beneficiará a causa palestina. De fato, estamos diante de uma tragédia que lembra o “Setembro Negro” para os palestinos. A destruição da Síria é uma vitória estratégica crucial para Israel. Ao mesmo tempo, ela melhora o status do Iraque (que está passando por um rápido crescimento demográfico e econômico), país que construiu parte de sua existência histórica em oposição à Síria desde os tempos das dinastias califais omíadas e abássidas. O Iraque, em particular, poderia rapidamente voltar a ser alvo da fúria destrutiva do Ocidente.
Fonte: Eurasia Rivista
Tradução de Raphael Machado