Três cenários após discurso de Putin
Nós — a Rússia e o mundo — estamos agora em um estado que pode ser reduzido ao seguinte esquema. Estamos falando da situação na Ucrânia, que está se degenerando para o início de uma verdadeira guerra mundial. Como qualquer esquema, ele simplifica a realidade, mas, ao mesmo tempo, a torna significativa e a eleva a uma certa estrutura probabilística. Este esquema tem três vetores objetivos de possíveis desenvolvimentos e quatro versões da posição subjetiva. Assim, uma certa assimetria já é aparente no início, cujo significado se revelará à medida que o esquema for sendo descrito.
O nível objetivo descreve a lógica provável do desdobramento das cadeias causa-efeito, já delineada em um nível concreto de fatos verificáveis.
O nível subjetivo abrange a percepção dos eventos por grupos, entre os quais se destacam aqueles que tomam as decisões-chave que, por sua vez, influenciam os próprios eventos de uma forma ou de outra.
Cenário Catastrófico (Rússia): Ocupação. Desimperialização. Finis Rossiae
Comecemos pelo pior cenário possível. Vamos assumir que o contra-ataque das FAU e da OTAN (de facto) em Carcóvia e o Donbass não é um erro acidental da OME, mas algo mais sinistro. Pessimistas e observadores críticos (assim como os participantes) descrevem as conseqüências e a continuação deste processo de mil maneiras.
Este cenário é descrito em detalhes na propaganda oficial dos ucranianos, que já prevêm a transferência das hostilidades para as regiões da Crimeia, Belgorod, Kursk, Rostov e Voronej e — no limite — um ataque a Moscou. É também o sonho cor-de-rosa dos russófobos ocidentais e dos liberais russos. É essencialmente um cenário para o fim da Rússia, Finis Rossiae.
Significaria não apenas o fim do regime, mas o fim de tudo e de todos. E o importante é que o fim não seria suave e compensado (como em 1991), mas sangrento e violento. Se nosso recuo começar (em certo sentido, continuará), tudo cairá — tanto para causas externas como internas.
Esta é uma tendência objetiva à qual também corresponde uma plataforma política e ideológica subjetiva: é o sonho da Kiev oficial, da liderança russofóbica e globalista e dos partidários de Navalny*, Akhedzhakova e Ekho Moskvy, ou seja, a quinta coluna dentro da Rússia.
Os problemas existentes com o equipamento técnico do exército; com os erros de cálculo estratégico (que já se manifestaram nos estágios iniciais da OME); com a dependência da Rússia à tecnologia estrangeira, cujo acesso foi agora cortado — o que, ao que parece, afeta diretamente nosso armamento —, ou seja, a dependência crítica geral do Ocidente nos estágios iniciais — pode se revelar fatal.
Mas se isso acontecer, a Rússia como entidade simplesmente desaparecerá, e todos — autoridades e sociedade — terão que pagar o preço. Ninguém será capaz de escapar.
Cenário Apocalíptico (Todos): O fim da história. A destruição da humanidade.
O segundo cenário é um apocalipse nuclear. É possível que Moscou, que está começando a perder seriamente (primeiro cenário), decida usar armas nucleares. O que está sendo considerado hoje é óbvio. O argumento “as potências nucleares não perdem guerras” é exatamente sobre este tema. As palavras do Presidente sobre quem “vai morrer e quem vai para o céu” ou que “não haverá paz sem a Rússia” também vêm à mente.
É provável? Sim, provavelmente. Alguém na Rússia está considerando esta possibilidade? Sem dúvida. Então há uma cadeia objetiva de eventos que pode levar a isso, e há forças subjetivas que tomam tal rumo. Eles estão prontos para isso.
Em outras palavras, existem pré-requisitos objetivos para tal mudança, assim como forças que podem decidir de acordo.
Putin disse que seus inimigos não vão esperar por sua rendição voluntária, citando o exemplo de Salvador Allende, que lutou com uma metralhadora até o último homem, mas a diferença é que Allende não tinha um botão nuclear, ele só podia se sacrificar e alguns poucos inimigos.
As coisas poderiam começar agora mesmo. Se o bombardeio da usina nuclear de Zaporíjia pela FAU alcançasse seu objetivo, isto seria equivalente a um ataque nuclear em território russo — afinal, as armas são ocidentais e os instrutores ocidentais estão engajados no reconhecimento e na mira. A resposta não viria mais da Ucrânia, mas do verdadeiro centro de tomada de decisões, que está muito mais a oeste.
Entretanto, a Rússia poderia recorrer a armas nucleares em outras situações, pois para a Rússia — tanto o Estado como o povo — perder uma guerra significaria aniquilação total, e não apenas uma derrota severa, mas ainda tolerável, que poderia ser superada; o cenário nuclear não pode ser descartado. O Ocidente subestima claramente esta probabilidade, considerando-a um blefe.
Cenário patrioticamente vitorioso (Rússia e Multipolaridade): A guerra santa.
O terceiro cenário é o mais importante. E o único que é salvo.
Na Rússia, uma revolução está ocorrendo de cima para baixo. Putin, que já rompeu com o Ocidente, transforma esta ruptura total e irreversível em uma ideologia, um rumo, uma estratégia e a única diretriz da existência. Todas as concessões são abolidos, a Rússia está se tornando abertamente um império do povo com um marcado caráter religioso e social (anti-capitalista). O liberalismo e o ocidentalismo são proibidos. Sabotagem, roubo, preguiça e corrupção são queimados com ferro temperado de acordo com as leis da guerra.
O Estado e o povo se reagrupam e o OME é transformada em uma guerra santa popular. Ser ou não ser.
A situação pode ser objetivamente assim? É claro que pode. Muitos eventos, processos e fatores objetivos — incluindo uma reação saudável e decisiva aos fracassos anteriores e especialmente os eventos na região de Carcóvia — conduzem exatamente nessa direção.
Este cenário tem algum tema? Sem dúvida. Em primeiro lugar, as próprias pessoas, a sociedade, a maioria patriótica, as pessoas na linha de frente e uma parte significativa da classe dominante; sim, quanto mais alto é, menos há, mas a classe dominante também não é algo homogêneo. A sociedade está pronta para isso. Esta é também a posição tomada por quase todos os envolvidos na guerra, de uma forma ou de outra, e é claro para todos absolutamente necessário é a mobilização e a ideologia da vitória. Chegamos ao fim das concessões. Entre os oficiais — se os tomarmos todos juntos — os patriotas são provavelmente a maioria; entre o povo — praticamente todos, exceto os agentes de influência e as exceções patológicas (há aberrações por toda parte). Se tal revolução patriótica ocorrer de cima, a mobilização acontecerá por conta própria e a Rússia entrará na batalha final pelo desfecho da história mundial. De fato, os anciãos ortodoxos, os filósofos russos e nossos heroicos ancestrais viram o futuro assim: chegará o momento em que os russos se levantarão contra o mal do mundo, contra o Anticristo, e cumprirão sua missão de mestres. Na era soviética, este cenário tinha uma versão um pouco diferente, mas a mesma essência: a luta contra o Ocidente pela salvação da humanidade e um futuro justo e brilhante.
É chegado o momento.
O principal neste cenário é uma rápida ruptura de toda a dependência do Ocidente: ideológica, tecnológica, psicológica, econômica, cultural. Foi esta dependência que nos paralisou no momento crítico. Descobriu-se que o Ocidente tinha as chaves para muitas esferas vitais de nossas vidas — informacional, tecnológica, cultural, financeira. Sim, nós tínhamos um trunfo importante no campo dos recursos naturais, mas era a ideologia, a tecnologia e a metodologia ocidental que utilizávamos. O hardware dos recursos é importante, mas o software ideológico e tecnológico é ainda mais importante.
A revolução popular de cima foi projetada para desmantelar o Ocidente interno — tanto na forma de liberalismo residual quanto em todos os outros códigos — o mais rápido possível.
Não é fácil, mas se não for, veja os dois cenários acima.
O status quo como uma ilusão vazia e sem sentido
Agora tudo o que resta é uma direção que existe como uma posição subjetiva, mas não se baseia em nenhuma realidade objetiva — porque simplesmente não existe.
Este é o estado mental do partido do ‘status quo’, ou ‘Coletivo Rublevka’. É a categoria dos altos funcionários e empresários que — por razões que ninguém sabe — continuam a acreditar que o mundo antes de 24 de fevereiro de 2022 e o mundo depois de 24 de fevereiro de 2022 são essencialmente a mesma coisa. Nada — nem relatórios da linha de frente, nem atos terroristas na frente doméstica, nem mudanças tectônicas contínuas na ordem mundial — parece convencê-los do contrário. Como antes, eles lutam por suas posições, promovem seus indicados ao poder, rompem com seus concorrentes, asseguram que eles mantenham o que têm, ou seja, vivem como se nada tivesse acontecido, adaptando-se de forma reativa à situação.
Eles são popularmente considerados o “partido da traição”, a “ameixa”, mas isto é um erro. Eles não podem trair nem drenar nada. Não são autoridades nem o povo, e ninguém chegará a um acordo com eles, nem do Ocidente nem de Kiev. Nós já passamos deste ponto.
A OME exacerbou todas as contradições existentes. Um mundo unipolar não pode coexistir com um mundo multipolar. Ou melhor, não se pode mais pensar que o mundo é ‘unipolar’ enquato outros dizem que é ‘multipolar’. Se a Rússia (assim como a China) leva a sério sua soberania, ela deve prová-la na guerra, não há outra maneira e esta guerra deve ser vencida. Se ganharmos, então o mundo será multipolar; mas se não, a Rússia não existirá em nenhuma condição. Não será possível voltar aos anos 90 ou à era antes de 24 de fevereiro de 2022, para ninguém.
Três cenários são possíveis, um quarto não é. Ele existe apenas como um tributo à inércia, ou seja, ela existe na mente, mas não no ser.
É claro que muitas pessoas no topo da elite política russa ocupam esta quarta posição. Dizem que “tudo vai se resolver de alguma forma” e isto desperta a raiva justificada dos patriotas; mas como não existe tal cenário na prática, não há necessidade de desperdiçar nenhum esforço. A capitulação foi possível nos anos 90 e assim aconteceu. Acordos — antes do OME poderia ter havido e de fato houve, por exemplo, a aceitação por Moscou das regras do Ocidente global sobre a divisão do trabalho e integração, os acordos de Minsk, etc. — não são possíveis.
Agora tudo está realizado. Tudo o que resta é ser ou não ser. O “Coletivo Rublevka” não existe mais. As vilas estão de pé, os guardas estão vigiando, carros caros estão se movendo pelo espaço. Dias de cidade e concertos são organizados. Até Skolkovo está trabalhando, enquanto outros canalhas, apoiados por oligarcas loucos, estão correndo para o chefe da Academia de Ciências Russa, mas isto é uma quimera, uma miragem. Ser ou não ser abole a própria possibilidade de novas fantasias.
Se a Rússia existe, ela já é muito diferente de antes: popular e mobilizada, lutando em todos os níveis — espiritual, ideológico, técnico, econômico, frontal — contra um inimigo absoluto. Se ela não existe, então já é uma colônia desmembrada ocupada pela OTAN e pelos nazistas ucranianos, ou um deserto pós-apocalíptico (ver o primeiro e segundo cenários).
Existem apenas três cenários objetivos, e somente aqueles que entendem isto no nível subjetivo e escolhem um são levados em consideração, ou seja, vivem e decidem verdadeiramente por seu destino, pelo destino de seu país, de seu povo e da humanidade. Eles são os únicos que importam na escala da história.
O partido da traição simplesmente não existe mais, porque o tempo das concessões e acordos já passou, como uma dor fantasma. Agora somos nós, somente nós. Isso é tudo.
Tradução: Augusto Fleck