O Horizonte Cósmico de Possibilidades da Quarta Teoria Política Rumo à Superação da Pós-Modernidade

03.07.2015

O Horizonte Cósmico de Possibilidades da Quarta Teoria Política Rumo à Superação da Pós-Modernidade
“A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Para nascer é preciso destruir um mundo” – Herman Hesse
 
O presente estudo quer ser uma análise elucidativa acerca do protagonismo político-filosófico desempenhado pela Quarta Teoria e Prática Política de Alexander Dugin frente aos desafios nebulosos da pós-modernidade, que, pela razão mesma de permanecerem incógnitos para grande parte dos estudiosos e diletantes, merece investigação mais acurada. Adotar-se-á, para este desiderato, como referenciais teóricos, as concepções da realidade de Alexandr Dugin, Jose Ortega y Gasset, Julius Evola, Alain de Benoist, Zygmunt Bauman, dentre outros. 
 
Será feito, a título de introdução, um breve retrospecto histórico para que possamos consignar adequadamente a transição da modernidade líquida para a pós-modernidade (ou sobremodernidade) sob uma perspectiva cronológica, o que facilitará a sistematização e a compreensão da abordagem em tela. Em seguida, examinar-se-á a maneira pela qual o alargamento do horizonte cósmico de possibilidades de nações autonomamente constituídas e regentes de seus próprios interesses poderá viabilizar a instauração de uma geopolítica multipolar com o consequente desaparecimento da sociedade aberta e dos desvarios multitudinários de aberrações teratológicas, hodiernamente personificadas pelas figuras caricatas do neoliberalismo, da social-democracia e outros tantos bonecos de ventríloquo que retroalimentam hegemonias oligárquicas em detrimento da autodeterminação dos povos.  
 
Quer-se, com isto, demonstrar que o neoeurasianismo da Quarta Teoria Política, embora não  seja a única alternativa existente ao globalismo unipolar, é a única viável dentre os mais recentes prognósticos, em razão de seu enfoque simultaneamente metapolítico, geoestratégico, revolucionário e policêntrico. Não sendo mais possível se valer dos materialismos histórico e dialético da teoria marxista (e considerando que já não nos encontramos em uma sociedade moderna em que o modus produtivo determina a consciência, mas em uma sociedade pós-moderna em que a hipercomplexificação dos fatores de produção – capital, mão-de-obra, tecnologia e insumo – fez surgir uma série de variáveis), impende buscarmos amparo em uma metodologia mais atual e consentânea. Problemáticas novas demandam a adoção de métodos novos e uma praxeologia ainda não testificada para serem devidamente resolvidas.        
 
Do Iluminismo à Pós-Modernidade (os corolários nefandos da globalização)
 
Como é cediço, o iluminismo edificara no século XVII os prolegômenos da sociedade moderna, que, no entanto, só viria a reivindicar seus contornos semânticos e paradigmáticos na primeira metade do século XX. A transição da estrutura feudal caracterizadora do medievo para o iluminismo pré-moderno consubstanciou um verdadeiro “paradoxo de ressolidificação”, consoante sentencia Bauman, haja vista que o dogma da razão humana absoluta apenas logrou substituir o dogma eclesiástico, que, por sua vez, legitimava todas e quaisquer questões políticas, filosóficas, sociais e econômicas da sociedade medieval. 
 
Na prática, abriu-se mão do tradicionalismo religioso em prol da razão cartesiana, cujas mazelas se fazem sentir ainda hoje, embora não da mesma forma, e não pelo mesmo discurso, conforme ficará evidente em momento oportuno. Em síntese apertada, porém completa: trocou-se um sólido por outro, preservando-se a medida absoluta de sua ubiquidade. Esse giro paradoxal desencadeou uma série de modificações na estrutura ontológica da realidade tal como a percebemos fenomenologicamente através dos pressupostos de admissibilidade da cognição apriorística (espaço e tempo). Não mais atado umbilicalmente a desígnios supra-terrenos e divinais, o hemisfério ocidental inaugurou a tirania dos detentores da propriedade privada dos meios de produção, e surgiram os primeiros clamores ávidos pela “‘profanação do sagrado’: pelo repúdio e destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da ‘tradição’” (BAUMAN, p. 9). Para Bauman, a modernidade coincide justamente com o advento daquilo que chamou de sociedade de produção, estágio anterior à sociedade de consumo e o limiar da sinarquia do deus-mercado (BAUMAN, p. 87). 
 
Alexander Dugin aduz, acertadamente, que “a Quarta Teoria Política deve buscar sua ‘inspiração sombria’ na pós modernidade, na liquidação do programa do Iluminismo e na chegada da sociedade do simulacro, interpretando isso como um incentivo para a batalha ao invés de como um dado fatal”. (DUGIN, p. 25) 
 
Em excelente entrevista transcrita por Francesco Marotta sob o título “Um Estilo de Vida Entre o Presente e o Futuro”, Alain de Benoist recorre a Zygmunt Bauman para formular seu diagnóstico a respeito das crises de legitimidade que tiveram sua gênese no advento da modernidade líquida. Para Marotta apud Alain de Benoist: “O crescimento do individualismo, que gerou o tipo antropológico narcisista e imaturo, tornou impossível o crescimento dos grandes projectos colectivos. Tudo o que era estável e duradouro foi substituído por transformações no interior de uma «sociedade líquida» (Zygmunt Bauman), onde se vive para o efémero e o fútil. As manifestações de protesto e de descontentamento não são senão episódios intempestivos sem um desenvolvimento político a longo prazo. Poder-se-ia dizer que a implosão se substituiu à explosão”.  
 
O que caracteriza a modernidade como paradigma é a “liquefação dos padrões de dependência e interação” (BAUMAN, p.14) Não conseguindo fixar o espaço por muito tempo, a modernidade líquida prescinde de configuração específica devido ao trânsito livre de suas moléculas, viabilizado pela inoponibilidade de resistência. A circulação do capital mediada por instituições financeiras e catalisada pelas relações de produção em uma sociedade regida pelo princípio da divisão do trabalho materializam a dinâmica de um organismo que, a princípio, parece funcionar a partir de meios de atuação que ele mesmo gera e recicla incessantemente. Esse procedimento tecnocrático viciado repercute nas mais diversificadas searas de interação sócio-política, gerando um déficit de legitimidade acentuado pelo advento da globalização, na década de 70. E aqui precisaremos dedicar maior atenção. 
 
Nos dizeres de Zygmunt Bauman, “a integração e a divisão, a globalização e a territorialização, são processos mutuamente complementares. Mais precisamente, são duas faces do mesmo processo: a redistribuição mundial de soberania, poder e liberdade de agir desencadeada (mas de forma alguma determinada) pelo salto radical na tecnologia da velocidade. A coincidência e entrelaçamento da síntese e da dispersão, da integração e da decomposição são tudo, menos acidentais; e menos ainda passíveis de retificação”. (BAUMAN, p.77)    
 
Alexander Dugin considera a globalização pós-moderna como “(...) a criação da Grande Paródia, o reino do Anticristo. E os Estados Unidos são o centro da sua expansão. Os valores estadunidenses fingem ser ‘universais’. Esta é a nova forma de agressão ideológica contra a multiplicidade de culturas e tradições que ainda existem no resto do mundo. Eu sou decididamente contra os valores Ocidentais, que são essencialmente modernistas e pós-modernistas e são promulgados pelos Estados Unidos a força ou intromissão (como no Aferganistão, Iraque, Líbia e, em breve, Síria e Irã)” (DUGIN, p.210)    
 
O complexo de forças que atuam dispersamente no processo de lapidação de uma economia planetarizada suscitou a relativização (e a redistribuição) da soberania de Estados-membros de organizações intergovernamentais. Alguns internacionalistas falam na tendência centralizadora em conferir à Organização das Nações Unidas o estatuto de superestado, o que comentaristas políticos (dentre eles Norberto Bobbio) denominaram “mundialismo”. Destarte, tem-se, de um lado, um conjunto de forças desordenadas e aparentemente aleatórias que favorecem a dissolução de microssistemas políticos regionalizados, e, de outro, o alargamento do controle de organismos internacionais, a exemplo da ONU, União Europeia e OTAN sobre o espaço geofísico desses microssistemas.
 
Daí ser lícito afirmar que, na prática, o resultado da relativização da soberania dos Estados-Nação será a abolição da autonomia deliberativa de cada país no tocante ao gerenciamento de seus interesses e na elaboração de suas respectivas agendas. Nesse sentido, Bauman aduz que: “Por sua independência de movimento e irrestrita liberdade para perseguir seus objetivos, as finanças, comércio e indústria de informação globais dependem da fragmentação política – do morcellement [retalhamento] – do cenário mundial. Pode-se dizer que todos têm interesses adquiridos nos “Estados-fracos” – isto é, nos Estados que são fracos mas mesmo assim continuam sendo Estados. Deliberada ou subconscientemente, esses interEstados, instituições supralocais que foram trazidas à luz e têm permissão de agir com o consentimento do capital mundial, exercem pressões coordenadas sobre todos os Estados membros ou independentes para sistematicamente destruírem tudo que possa deter ou limitar o livre movimento de capitais e restringir a liberdade de mercado” (BAUMAN, p.75)
 
E arremata que: “Abrir de par em par os portões e abandonar qualquer ideia de política econômica autônoma é a condição preliminar documente estabelecida, para receber assistência econômica dos bancos mundiais e fundos monetários internacionais. Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial, com muita frequência encarada com suspeita como uma nova desordem mundial, precisa para sustentar-se e reproduzir-se”. (BAUMAN, p. 75)     
 
O percurso cronológico empreendido até aqui constitui um breve relato que se inicia no século das luzes e termina na parturição da pós-modernidade. Jose Ortega y Gasset nos brinda com uma passagem de sua obra célebre “A Rebelião das Massas” sobre a maneira pela qual cada época se enxerga como a “plenitude dos tempos”, de forma que o presente se afigura dissociado cronologicamente tanto de experiências pretéritas quanto de expectativas futuras. Para Ortega y Gasset, a modernidade pode ser subsumida no seguinte escólio: “Qual é, em resumo, a altura de nosso tempo? Não é a plenitude dos tempos, e, entretanto, sente-se sobre todos os tempos sidos e por cima de todas as conhecidas plenitudes. Não é fácil formular a impressão que de si mesma tem nossa época: crê ser mais que as demais, e ao mesmo tempo sente-se como um começo, sem estar segura de não ser agonia. Que expressão escolheremos? Talvez esta: mais que os demais tempos e inferior a si mesma. Fortíssima e ao mesmo tempo insegura de seu destino. Orgulhosa de sua força e ao mesmo tempo temendo-as”. (ORTEGA Y GASSET, p. 91)
 
Isto posto, é imperioso constatar que as reivindicações míopes pelo agigantamento do mercado em detrimento da soberania dos entes estatais, hodiernamente inflamadas por setores estratégicos da sociedade civil e organizações subvencionadas por superpotências imperialistas obstaculizam a instauração de uma geopolítica multipolar, que devolveria a cada Estado-Nação a possibilidade de construírem suas políticas internas em conformidade com os interesses e prioridades locais. Os efeitos nefastos da globalização se fazem sentir em todos os quatro cantos do mundo, e estão entre eles: a flexibilização das normas de controle sobre o fluxo imigratório entre os continentes, a colonização de países subprivilegiados perpetrada pelas potências marítimas, a criação e o financiamento de oligarquias artificiais blindadas pelo establishment ocidental, a utilização dos veículos de comunicação de massa como focos de irradiação de propaganda imperialista, a proliferação de think-tanks com a finalidade de promover desestabilização em diferentes lugares do globo, dentre outros, não menos preocupantes. 
 
Em Men Among The Ruins, Julius Evola tece algumas considerações bastante pertinentes acerca da natureza mefistofélica da economia de mercado e da ilusão do progresso por ela suscitada na civilização contemporânea em prejuízo da ordem axiológica concebida como um todo estruturado organicamente. É o que se colhe da seguinte preleção do mestre italiano: “All the exterior aspects of power and of technical-industrial progress of the contemporany civilization do not detract from its involutive chacacter – rather they depend on it, because all this apparent “progress” has been realized almost exclusively in terms of the economic interest, insofar as this interest has overshadowed all others. Nowadays it is possible to speak of a demonic nature of the economy, because in both individual and collective life the economic factor is the most important, real and decisive one. Moreover, the tendency to converge every value and interest on the economic and productive plane is not perceived by Western man as an unprecedented aberration, but instead as something normal and natural, and not as an eventual necessity, but as something that must be accepted, willed, developed, and praised” (EVOLA, p. 165)     
 
Alexander Dugin apud Alain de Benoist qualifica um estado de coisas governado pela economia e tecnologias ultrassofisticadas de la’gouvernance (ou microgerenciamento). “O status quo e essa inércia não pressupõem quaisquer teorias políticas. Um mundo global só pode ser governado pelas leis da economia e pela moralidade universal dos “direitos humanos”. Todas as decisões políticas são substituídas por decisões técnicas.  A maquinaria e a tecnologia substituem todo o resto. O filósofo francês, Alain de Benoist, chama isso de “la’gouvernance”, ou “microgerenciamento”. Gerentes e tecnocratas assumem o lugar do político que toma decisões históricas, otimizando a logística do gerenciamento. Massas de pessoas são equiparadas à massa singular de objetos individuais. Por essa razão, a realidade pós-liberal, ou melhor dizendo, a virtualidade cada vez mais deslocando a realidade para longe de si mesma, leva diretamente à abolição completa da política”. (DUGIN, pgs. 22 e 23)      
Na completa impossibilidade de perceber seu declínio existencial diante do aperfeiçoamento da tecnologia de produção em massa, o homo medium perdeu o controle sobre suas próprias aspirações, e, por conseguinte a capacidade de se valer do horizonte cósmico de possibilidades para construir projetos de vida alinhados ao ethnos comunitário. No próximo tópico, empreender-se-á uma perscrutação minudenciada no Dasein, principal sujeito da Quarta Teoria Política, com o intuito de abstrair o máximo de suas potencialidades no tocante à superação hermenêutica do paradigma pós-moderno.       
 
O Dasein como Agente da Quarta Teoria Política (a inclusão do “novo círculo hermenêutico” no Quarto Nomos da Terra)
 
O professor Alexander Dugin buscou refúgio na abordagem existenciária da teoria do ser intramundano de Martin Heidegger para construir, no âmago de sua Quarta Teoria Política, um macro-sujeito que permitisse aos agentes transformadores da realidade se orientarem no espaço hipercomplexo da pós-modernidade sem incorrer em desvios cognitivos. O Dasein (ou Ser-Aí) é o eixo antropológico-existencial em torno do qual gravitam todos os postulados da teoria do mundo multipolar. Impende examinar de maneira pormenorizada os contornos teórico-práticos deste agente para que possamos avançar em nossa análise.
 
O Dasein pode ser hermeneuticamente abstraído mediante a negação dos sujeitos históricos das três primeiras teorias políticas, quais sejam, respectivamente: o indivíduo (liberalismo), a classe (marxismo) e o Estado/raça (nazi-fascismo). Consoante a lúcida preleção de Dugin: “Em busca do sujeito da ‘Quarta Teoria Política’, nós devemos ousadamente adentrar um novo ‘círculo hermenêutico’. A ‘Quarta Teoria Política” é o todo que, naturalmente, ainda é insuficientemente descrito e definido. Suas partes são o sujeito que também é estabelecido como uma sugestão preliminar. Mas, nos movendo constantemente entre a incerteza do todo e a incerteza de suas partes e de volta, nós gradualmente começamos a esclarecer os contornos mais precisos do que está em jogo. Esse processo, começando a partir da base da credibilidade negativa (a rejeição dos velhos círculos hermenêuticos: liberalismo com o indivíduo, marxismo com a classe, fascismo/nazismo com o Estado/raça), levará à clarificação de uma estrutura um tanto positiva mais cedo ou mais tarde. (...) Isto é, começando a partir de certo ponto, o desenvolvimento da ‘Quarta Teoria Política’ ganhará características razoavelmente científicas e racionais, as quais, por agora, mal são discerníveis por trás da energia de intuições inovadoras e da super tarefa revolucionária de destruir as velhas ideologias”. (DUGIN, p. 44)     
 
O estabelecimento deste “novo círculo hermenêutico” é assumidamente a consolidação de um retrospecto aniquilatório, ou esquema de superação das três primeiras teorias políticas que, estribadas em eixos de articulação historicamente ultrapassados, já não mais são capazes de auxiliar o intérprete da realidade na persecução de um ideário metapolítico que seja, a um só tempo, étnica, política, axiológica, cultural e acroamaticamente relevante. Nesse diapasão, Dugin aposta na inclusão do “novo círculo hermenêutico” no “Quarto Nomos da Terra” de Carl Schmitt, em explícita menção ao coeficiente espacial da Quarta Teoria Política. . 
 
Natella Speranskaya apud Alain de Benoist em artigo intitulado “A Quarta Teoria Política e a Outra Europa”, define o Quarto Nomos da Terra “como "multipolar" ou, mais precisamente, como potencialmente multipolar já que "a única civilização, os Estados Unidos da América, é hegemônica em seis grandes esferas de poder: tecnológica, econômica, financeira, bélica, midiática e cultural". De Benoist destaca que os Estados Unidos tem como objetivo retrasar a inevitável transformação do universum ocidental em um pluriversum planetário. Uma ruptura radical em relação aos EUA poderia levar a Europa a se converter em soberana, para regressar a sua verdadeira identidade (nacional, cultural, etc) e, em consequência, contribuir para o ocaso do status dos EUA como líder mundial”.  
 
A importância do Dasein para o expurgo atlantista no continente europeu fundamenta-se no fato de a Europa ser considerada, na pós-modernidade “a periferia da América (a capital do mundo), como cabeça de ponte do Ocidente Americano no grande continente euroasiático. A Europa é vista como parte do Norte rico, não na tomada de decisões, mas como um sócio menor, sem interesses próprios e características específicas. A Europa, em tal projeto, é percebida como objeto e não como sujeito, como uma entidade geopolítica privada de vontade e identidade autônoma, de soberania real e reconhecida” (DUGIN, p. 243)   
 
A inclusão do Dasein na arquitetônica geopolítica do Quarto Nomos da Terra tem como escopo libertar a Europa dos influxos talassocráticos da hegemonia norte-americana em virtude da implementação de um programa pluriversalista que priorizará a multipolaridade, centro magnético e principal diretriz epistemológica da Quarta Teoria Política. A criação de núcleos políticos autônomos em que a soberania de cada Estado-Nação seja devidamente respeitada desencadeará um encolhimento progressivo do hegemon imperialista, suscitando o alargamento do horizonte cósmico de possibilidades de cada povo e permitindo às diferentes nações do globo formarem projetos de vida que julguem adequados às suas prioridades. Não devemos nos olvidar que, para Dugin, “a espacialidade é um dos componentes existenciais mais importantes do Dasein, assim o apelo ao ‘Quarto Nomos da Terra’ pode ser ligado à hipótese do terceiro sujeito da ‘Quarta Teoria Política’”. (DUGIN, p. 45)  
 
O papel desempenhado pelo Dasein no panorama de uma geopolítica multipolar não se restringe à libertação da Europa. Compete à Quarta Teoria Política, por meio de seu sujeito histórico, desvincular o conceito de liberdade do indivíduo (sujeito do liberalismo) para se fundir a este conceito. Isto porque “o homem é qualquer coisa, menos um indivíduo. Nós devemos olhar cuidadosamente para um liberal, quando ele lê ou ouve um axioma desse tipo. Eu acho que este será um espetáculo impressionante – toda sua “tolerância” instantaneamente evaporará, enquanto os “direitos humanos” serão distribuídos para qualquer um, menos para os que ousem proferir algo desse tipo (...) O liberalismo deve ser derrotado e destruído, e o indivíduo deve ser derrubado de seu pedestal. Porém, há algo que nós poderíamos pegar do liberalismo – do liberalismo que foi hipoteticamente derrotado e perdeu seu eixo? Sim, há. É a ideia de liberdade. (...) O portador da liberdade nesse caso será o Dasein. As ideologias anteriores – cada uma à sua própria maneira – alienaram o Dasein de seu significado, tornando-o restrito, aprisionado de uma maneira ou outra, tornaram-no inautêntico”. (DUGIN, p. 56)  
 
Sociedade Tribal vs Sociedade Aberta (um soco no estômago do pós-liberalismo)
 
Este tópico procurará desconstruir o que talvez seja a maior falácia já proferida em sede acadêmica pelos acólitos liberais de orientação popperiana: que a Sociedade Aberta (equivalente paradigmático do globalismo unipolar na pós-modernidade) supera o modelo holístico de Sociedade Tribal na escala evolutiva, em função de seu suposto “caráter democrático” e “aberto para o futuro”. Convém salientar, preliminarmente, que a ideia de democracia e seus corolários jurídico-institucionais (direitos humanos, soberania popular e participação da sociedade civil na política interna dos entes estatais) é atualmente utilizada como instrumento tópico-retórico, que vem conferindo, desde o pós-guerra, uma pseudo-legitimidade à prática de crimes atrozes pelas superpotências imperialistas ao redor do globo, a começar pela desestabilização perpetrada por excepcionalistas wahhabistas, norte-americanos e sionistas no Médio Oriente, conforme descrito pelo analista político Andrew Korybko em brilhante artigo intitulado “O que a guerra na Síria tem a ver com isso? Excepcionalistas X Integracionistas: Confronto do tamanho da Eurásia”. Para Thomas Bertonneau apud Julius Evola em “A Crítica de Evola à Modernidade”, “as classes sociais do regime tradicional reconhecem a autoridade incorporada nos seus governantes por seus sinais externos de dignidade e justiça próprios de pessoas reais. A democracia representa o princípio oposto a isso (na medida em que, isto é, seja possível dizer que ele representa algum princípio); a democracia é dissoluta; ela liquefaz todas as estruturas alcançadas e toda subordinação a valores em sua abolição das diferenças autênticas”. 
 
Em “Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, Karl Popper descreve o processo de transição da sociedade fechada, “mágica, tribal ou coletivista” de origem grega para o que chamou de sociedade aberta, ou “sociedade em que os indivíduos são confrontados com decisões pessoais” (POPPER, p. 188), reputando a causa desta transição ao comércio e à navegação, que, segundo ele, “(...) tornaram-se as principais características do imperialismo ateniense, tal como se desenvolveu no século V antes de Cristo”. (POPPER, p. 193).
 
A predileção de Popper pelo modelo homogêneo de sociedade aberta pode ser visualizado na seguinte passagem: “A lição que, assim, devemos aprender com Platão é exatamente a oposta à que êle nos tenta ensinar. Embora fôsse excelente o diagnóstico sociológico de Platão, seu próprio desenvolvimento mostra que a terapêutica por êle recomendada é pior do que o mal que tentava combater. Deter a mudança política não é o remédio: não pode trazer felicidade. Nunca podemos retornar à alegada inocência e beleza da sociedade fechada. Nosso sonho de um céu não pode ser realizado na Terra. Uma vez que comecemos a confiar em nossa razão, a usar nossos poderes de crítica, uma vez que sintamos o apêlo das responsabilidades pessoais e, com estas, a responsabilidade de auxiliar a promoção do conhecimento, não poderemos retornar a um estado de submissão implícita à magia tribal”. (POPPER, p. 216)   
 
Toda a crítica de Popper aos “arcaísmos ordálicos” da sociedade mítca não passa de um festival tautológico de sofismas, haja vista que ele repete a mesma coisa de formas diferentes para persuadir o leitor de que a razão humana é a única e insuperável via de acesso à promoção do conhecimento, em flagrante desrespeito às tradições culturais e esotéricas da civilização ocidental. Tendo em vista o desfazimento deste equívoco, Alexander Dugin pontifica que “sociedades podem ser comparadas, mas nós não podemos afirmar que uma delas é objetivamente melhor do que as outras. Tais avaliações são sempre subjetivas e qualquer tentativa de elevar uma avaliação subjetiva ao status de uma teoria é racismo. Esse tipo de tentativa é não científico e anti-humano. As diferenças entre sociedades em qualquer sentido não podem, de qualquer forma ou jeito, implicar na superioridade de uma sobre a outra. Este é um axioma central da ‘Quarta Teoria Política’” (DUGIN, p. 48), e nocauteia Popper, mais adiante: “A neurose e os medos localizados no núcleo patogênico da filosofia liberal são vistos claramente em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (...) Em qualquer caso, a ‘Quarta Teoria Política’ pode interpretar as fobias de Popper (que o levaram e a seus seguidores a conclusões anedóticas -  bastante reveladoras são suas críticas patéticas a Hegel no espírito de relações públicas negativas e as acusações de fascismo dirigidas a Platão e Aristóteles!) a seu favor. Compreendendo o que o inimigo mais teme, nós propomos a teoria de que cada identidade humana é aceitável e justificada exceto aquela do indivíduo” (DUGIN, p. 54) 
 
A superação da pós-modernidade pela Quarta Teoria Política deve começar por um procedimento de desconstrução sistemática do discurso neoliberal, que ao render loas à sociedade aberta, pseudo-democrática e homogênea, legitima as piores atrocidades cometidas pelas talassocracias plutocráticas de matriz ocidental. Destarte, torna-se imprescindível buscar a ressignificação da ontologia da realidade em um eixo de articulação metapolítico que confira ao Dasein o status de macro-sujeito para a construção do alicerce de uma geopolítica multipolar em conformidade com a arquitetônica policêntrica do Quarto Nomos da Terra. Somente através dessas coordenadas seremos capazes de contrabalancear a hegemogina pós-liberal, forçando o liberalismo (que venceu a batalha contra o comunismo e o fascismo) a recuar em sua cruzada pelo estreitamento do horizonte cósmico de possibilidades em prejuízo da tradição. 
 
Considerações finais
 
De todo o acima exposto, conclui-se que o papel exercido pela Quarta Teoria Política rumo à superação da pós-modernidade é fundamental para o alargamento do horizonte cósmico de possibilidades de nações autonomamente constituídas e soberanamente respeitadas na sociedade internacional. Para a consecução deste desiderato, urge desentranhar a retórica neoliberal da estrutura da realidade, combatendo violenta e diuturnamente a apologia popperiana da sociedade aberta. Uma configuração geopolítica pretensamente multipolar deve ser buscada na inclusão do Dasein no Quarto Nomosda Terra, com espeque na desmistificação do logos tecnocrático, tão profundamente arraigado na ontologia do real em forma de microgerenciamento que a tarefa de detectá-la torna-se um obstáculo para olhos destreinados.   
 
A substituição de diretrizes universalistas por proposições concretas de índole pluriversal possibilitará a entronização da multipolaridade como ideário supremo da Quarta Teoria Política, na medida em que estas últimas clarificam a lógica por detrás do conjunto de influxos dispersivos qualificadores do modus operandi do hegemon imperialista, no sentido de confrontar quaisquer pretensões de unipolaridade que possa eventualmente ser usado para pseudo-legitimar o colonialismo norte-americano, não só no continente europeu como também em países do Médio Oriente. A superação da pós-modernidade pressupõe, inequivocamente, a autonomização da Europa e a não-ingerência de organizações intergovernamentais como a ONU, União Europeia e OTAN nas questões internas de países soberanos.  
 
 
Referências
 
DUGIN, Alexander. A Quarta Teoria Política. 1ªed. Curitiba-PR: Editora Austral, 2012. 
 
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
 
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
 
ORTEGA Y GASSET, Jose. A Rebelião das Massas. Ed. Ridendo Castigat Moraes (ed. eletrônica)
 
EVOLA, Julius. Men Among The Ruins: Postwar Reflections of a Radical Traditionalist. Rochester, Vermont: Inner Traditions.
 
POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, vol.2. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.
 
http://www.orientemidia.org/o-que-a-guerra-na-siria-tem-a-ver-com-isso-e...
 
http://www.4pt.su/pt-br/content/quarta-teoria-politica-e-outra-europa
 
http://legio-victrix.blogspot.com.br/2014/06/entrevista-com-alain-de-ben...
 
http://legio-victrix.blogspot.com.br/2014/10/thomas-bertonneau-critica-d...
http://legio-victrix.blogspot.com.br/2015/07/gustavo-aguiar-o-horizonte-...