Quarta Via Política!

28.02.2019

1 − O que é a Quarta Teoria Política?
A Quarta Teoria Política é um projeto político-científico, proposto inicialmente pelo filósofo Aleksandr Dugin, que visa superar as teorias/ideologias políticas modernas, a saber: liberalismo (primeira teoria política), comunismo (segunda teoria política) e nacionalismo (terceira teoria política). Sua finalidade é construir um corpo teórico sólido, capaz de laçar as bases para a construção de novas ideologias políticas que não recaiam nos erros das teorias políticas anteriores. Ideologias como a Jamahiriya de Muammar Gaddafi, o Baath e o Justicialismo de Perón se aproximam deste projeto, na medida em que representam modelos autóctones de organização sócio-política que se diferenciam categoricamente das três teorias políticas aludidas anteriormente.     
2 − Como a Quarta Teoria Política se diferencia das teorias políticas anteriores?
A Quarta Teoria Política é uma teoria anti-moderna, ou seja, que rejeita as medidas historiais-ontológicas da modernidade. Isso significa que os valores, crenças, paradigmas e estruturas que norteiam a modernidade, em seus diferentes níveis, são rejeitados pela Quarta Teoria Política. Neste sentido, ela compreende que o liberalismo, o comunismo (ou marxismo) e o nacionalismo (ou fascismo) são teorias que, em diferentes graus e em diferentes níveis, derivam de um mesmo tronco: o Iluminismo.
A Quarta Teoria Política rejeita absolutamente todos os aspectos do liberalismo (primeira teoria política), economicamente, socialmente, antropologicamente e politicamente, pois compreende que se trata da ideologia mais intrinsecamente atada a paradigma hodierno.
Do comunismo (segunda teoria política), rejeita o materialismo (cosmovisão), o ateísmo e o anti-tradicionalismo, aceitando, no entanto, suas análises sócio-econômicas e seus diagnósticos acerca da estrutura de classe das modernas sociedades capitalistas.
E em relação ao nacionalismo, rejeita categoricamente o racismo, a xenofobia, o chauvinismo, o micro-nacionalismo, o apego ao Estado-Nação, a conciliação com a burguesia e todos os elementos burgueses remanescentes − enxergando como positivo o seu apelo às energias arcaicas do etnos como cimento sócio-político.
3 − A Quarta Teoria Política, então, é uma mistura de comunismo e nacionalismo/fascismo?
Não. Ainda que possa reconhecer acertos e positividades em teorias anteriores, a Quarta Teoria Política rejeita in totum a visão de mundo (weltanschauung) destas teorias, bem como das ideologias que delas derivaram. O objetivo da Quarta Teoria Política é fomentar novas ideologias, novos projetos, novas frentes de batalha, novas perspectivas.
4 − Então, em que se baseia a Quarta Teoria Política?
Politicamente, na compreensão fundamental de que, tendo derrotado seus adversários modernos, o liberalismo se transformou na ideologia hegemônica, mundialmente difundida − e eventualmente imposta − pelo Ocidente para todos os povos do planeta. E ao alcançar semelhante grau de dominância, o liberalismo, primeira teoria política, vai perdendo seu caráter doutrinário, desideologizando-se e se transformando numa lente através da qual as pessoas enxergam, representam e interpretam o mundo. Em outras palavras, vai se normalizando, se tornando um fato existencial, penetrando cada vez mais no tecido social, se inserindo no cotidiano como um consenso socialmente irresistível. Dugin chama tal estágio de evolução do liberalismo de pós-liberalismo. Politicamente, é contra tal estágio − materialmente representado na globalização, na ocidentalização forçada, no imperialismo econômico-militar-cultural, no modo de produção capitalista, na expansão do controle das corporações sobre o cotidiano das pessoas, nos valores liberais da democracia-parlamentar, economia de mercado, ideologia dos direitos humanos, secularismo, laicismo, consumismo, hedonismo, individualismo, etc. − que a Quarta Teoria Política se opõe, visando construir um mundo multipolar, isto é, um mundo regido por múltiplos polos de poder, onde cada povo possa, livremente, escolher seu caminho e construir seu próprio destino histórico, fundamentado em seus próprios critérios, identidades e tradições.
Do ponto de vista da antropologia filosófica, formalmente, a Quarta Teoria Política se baseia no conceito de Dasein e, do ponto de vista substancial, no conceito de Povo (Narod).
Extraído da filosofia de Martin Heidegger, o Dasein, nos termos da Quarta Teoria Política, representa o homem como possibilidade. A Quarta Teoria Política não compreende a realidade humana desde um ponto de vista universalista (como fazem as teorias modernas). Ela simplesmente sustenta que o fenômeno humano pode se manifestar de múltiplas maneiras, sendo a diversidade dos povos a maior prova disso. Assim, entendendo o homem como Dasein, a Quarta Teoria Política irá se fundamentar na noção de Povo (do russo Narod − não é a mesma coisa que população): uma comunidade humana historicamente vinculada a uma série elementos comuns do ponto de vista social, político, psicológico, religioso, étnico, racial, e que partilha um mesmo destino histórico.
O princípio e o fim do projeto de uma Quarta Teoria Política é o Povo enquanto realidade orgânica.
O Deserto da Pós-Modernidade
Poucas vezes, nas últimas duas ou três décadas, emergiu algum livro cuja leitura − é inevitável admitir − se faz tão necessária para toda pessoa ou grupo que se afirma como revolucionário e inimigo da globalização quanto A Quarta Teoria Política, de Alexander Dugin.
Na verdade, ao mesmo tempo em que avançamos ao longo das últimas décadas cada vez mais em direção à necessidade de um novo despertar político revolucionário, que rompa com as cadeias do lento escorrer em direção ao oblívio e à dissolução, mais parece ter se ressecado toda fonte de uma grande formulação intelectual política.
Situamo-nos perdidos em meio ao deserto do intelecto e do espírito. “O deserto cresce!”, como bem disse o profeta Nietzsche. O deserto cresce, e enquanto há aqueles que, inebriados com as sobrecargas sensoriais e as múltiplas (e ilusórias) possibilidades que hoje se apresentam, olham para esse deserto e veem um gigantesco oásis, nós poucos olhamos para o deserto com assombro e compreendemos os perigos que ele oferece. Em meio ao deserto da pós-modernidade, porém, algumas vezes, certos tipos de homens, eremitas do intelecto e do espírito, confrontam o deserto e dele retiram a semente de uma inspiração frutífera que, com cuidado e o auxílio de Deus, pode fazer com que o deserto se retraia e o mundo volte a florescer.
“Onde cresce o perigo, cresce também a salvação”, disse o poeta Hölderlin. Significaria isso, então, que apenas nesse momento mais sombrio, e nessa hora mais abominável por que passa a humanidade, seria possível forjar as armas e construir uma estratégia para lançar a luva em desafio a essa besta leviatânica e derrotá-la, lançando-a de volta às profundezas de onde ela se originou?
Essa pode ser bem a verdade. Pois apenas agora se compreende plenamente os riscos que corremos, o que se pode ainda perder e o que já se perdeu. Estamos hoje com o inimigo à frente e com um paredão atrás de nós. Não há mais possibilidade de recuo. Já temos vindo recuando há mais de um século, nós, as forças da Tradição, os tradicionalistas, os inimigos da modernidade e do desenraizamento, temos aceito compromisso atrás de compromisso, recuando, cedendo posições, estabelecendo acordos, possibilidades de coexistência, declarado neutralidade ou tentado nos apartar da realidade do crescimento do deserto em um solipsismo contemplativo.
A Morte das Ideologias Modernas e a Ascensão do Pós-Liberalismo:
Os males presentes no fascismo e no comunismo são óbvios, diretos, claros. Contra esses males, sempre que se foi chamado a lutar, a resposta sempre veio com enorme prontidão e vigor. Mas o mal liberal possui uma natureza muito distinta das outras teorias políticas. Ele é mais como um veneno ou moléstia, que lentamente vai minando e solapando o vigor, a vitalidade e o espírito dos povos e civilizações.
O fascismo e o comunismo são ideologias guerreiras, diretas, que confrontam abertamente o inimigo, que declaram suas intenções aos quatro ventos e as perseguem abertamente. Mas o liberalismo é um inimigo malicioso, que faz uso da insídia, da conspiração, da corrupção, dos disfarces. Seu mal é sutil, lento a produzir seus efeitos, muitas vezes invisível e capaz de passar despercebido ou mesmo de perverter o homem a ponto de que ele creia que seus males são benesses. Por isso é ele sempre o inimigo mais perigoso, o inimigo contra o qual sempre há que se ter o máximo cuidado.
Seria essa uma das causas pelas quais, no embate entre as três primeiras teorias políticas da modernidade, o liberalismo foi o vencedor? É muito provável que sim. Se o embate entre as teorias políticas modernas era o embate para se decidir qual dos projetos dessas três teorias políticas assumiria a direção da modernidade, somente aquele projeto que tivesse a essência mais condizente com a modernidade poderia sair-se vencedor.
Como o autor deste augusto livro afirma, a derrota nesse embate deve ser visto como um mérito, haja vista que essa derrota indicaria que um projeto teórico não é o mais compatível com a modernidade, possuindo ainda traços mais ou menos evidentes do Mundo da Tradição. De certo, há nas teorias políticas derrotadas, certo grau de clareza solar (mais no fascismo, menos no comunismo), que em um âmbito prático acaba redundando em uma ingenuidade carente de armas para confrontar a malícia e esperteza lunares do liberalismo.
O mundo hodierno, o deserto em que vivemos, é o mundo do liberalismo triunfante. Sobre quase todos os rincões do globo, seus tentáculos se estendem. Tendo sido vitorioso no embate ideológico pela modernidade, o liberalismo leva a própria modernidade ao fim, reivindicando para si o Fim da História.
A Cegueira das Múmias Ideológicas
Tendo se erigido enquanto filosofia vitoriosa de um modo tão avassalador, sem deixar de pé qualquer tipo de rival (o que se concretizou após a queda da URSS), o que se vê a partir de então é um fenômeno curioso e, para a maioria, inesperado.
Inaugurando a pós-modernidade enquanto realidade política global, o liberalismo, desprovido de rivais reconhecidos, se absolutiza em tamanho grau, que acaba por transcender a si próprio, negando a própria posição como uma teria política entre outras, e se estabelecendo como realidade incontornável.
O liberalismo passa então a pós-liberalismo.
Se não há mais alternativas políticas ao liberalismo, o liberalismo não é mais apenas um objeto de escolha: ele se torna um consenso inconsciente. O impulso de desenraizamento e equalização que já residia no liberalismo original, e que foi posto em prática ao longo da modernidade, chega a seus limites extremos e se metamorfoseia em um impulso de dissolução de todas as coisas: nações, etnias, culturas, raças, sexos, religiões, todas essas categorias de identidade involuntária possuem suas delimitações invalidadas e seus conteúdos misturados no caldeirão do politicamente correto e do multiculturalismo.
Como poderiam as defuntas teorias políticas do fascismo e do comunismo, em sua completude e “ortodoxia”, confrontar essa nova metamorfose de seu velho inimigo, quando seus conteúdos estão completamente defasados em relação às realidades da pós-modernidade e do pós-liberalismo? Elas não podem. Como qualquer estrategista amador bem sabe, não é possível confrontar com sucesso um inimigo que não se conhece (o pós-liberalismo), em um terreno que não se conhece (a pós-modernidade).
Diante dos novos desafios apresentados por essa realidade metamorfoseada, os seguidores das velhas e derrotadas teorias políticas da modernidade, verdadeiras múmias vivas, relíquias de um passado que jamais voltará, simplesmente dão de ombros, tentando fingir que esses fenômenos supracitados inexistem e que tudo ainda pode ser explicado por meio de uma redução a algum único fator supostamente universal milagroso (seja nação, raça ou classe). Por mais que haja diversos méritos nos desenvolvimentos teóricos dessas ideologias defuntas, porém, e por mais que elas tenham sido muitas vezes extremamente perspicazes em suas análises sobre a modernidade, se elas não foram capazes de apreender totalmente a modernidade (se o tivessem feito, não teriam sido derrotadas), como elas poderiam fazê-lo em relação a uma nova realidade tão radicalmente distante da que vigia na época de seu florescimento?
Ainda que seja possível encontrar elementos válidos e úteis nessas ideologias, tomá-las em sua totalidade, defender qualquer tipo de ortodoxia fascista ou comunista, é uma fórmula para uma derrota política absolutamente garantida.
A gravidade e a importância da tomada de consciência para esse fato é ainda mais fundamental para um país como o Brasil, no qual nunca houve apropriadamente um desenvolvimento completo de uma terceira teoria política. Ainda que não seja cabível discorrer aqui sobre o desenvolvimento político das três teorias políticas modernas no Brasil, nenhum dos principais movimentos, grupos ou partidos políticos históricos desse país, incluindo até mesmo os de caráter dito autoritário, correspondeu às características de uma terceira teoria política. A totalidade das formações políticas brasileiras às quais se atribui o epíteto de “fascistas”, em verdade, não são mais do que movimentos nacionalistas liberais ou liberal-conservadores. Ou seja, não conseguem ir muito além de certos elementos ditos “nacionalistas” característicos do liberalismo do século XIX.
Isso torna a compreensão da necessidade de uma nova síntese política antiliberal e antiglobalista, uma Quarta Teoria Política, particularmente dificultosa para o tipo de tradicionalistas e conservadores que existem no Brasil. Isso apesar da obviedade sintética que o pós-liberalismo assumiu no Brasil, pela fusão entre uma política econômica liberal, associada a uma política cultural de esquerda, encabeçada pelo atual partido governante e apoiada não apenas por sua base partidária governista como pela própria oposição.
Livro e Mosquete:
Diante dessa “síntese satânica”, verdadeira quimera pós-moderna, os representantes das velhas ideologias não sabem como reagir. Marxistas ortodoxos se desesperam como um suposto retorno do “fascismo”, enquanto liberais ou nacionalistas burgueses tentam nos alertar sobre o “perigo vermelho” que supostamente estaria assumindo o controle do Brasil.
Nenhuma das grandes formações ideológicas ou grupos políticos insatisfeitos com o status quo consegue identificar com alguma proximidade qual é a natureza das transformações políticas que vem se impondo progressivamente no Brasil desde o retorno da democracia. E por que isso ocorre? Por causa exatamente desse apego a modelos teóricos ultrapassados, que bloqueia essa identificação. E ausente essa capacidade, o máximo que uma força política de oposição pode almejar é adiar por um punhado de anos (como fazem as ditaduras reacionárias) a difusão da decadência e da dissolução.
Pois bem, este livro de Alexander Dugin possui o grande mérito exatamente de fornecer instrumentos teóricos que nos permitam compreender os processos de transformação ideológica pelos quais o mundo vem passado desde a instauração da modernidade, assim como algumas diretrizes e orientações que se mostrarão extremamente úteis para que os autênticos revolucionários apliquem na construção de uma Quarta Teoria Política, segundo suas próprias realidades espaciais.
Ainda que alguns passos preparatórios em direção a uma síntese política antiliberal e antiglobalista já tenham sido dados por uma série de pensadores identitários, nacional-revolucionários, nacional-bolcheviques, conservadores revolucionários ou tradicionalistas, ocorre que nunca antes veio à luz uma obra que trate de modo tão completo e consciente dessa questão e que proponha passos mais largos e seguros em direção a essa nova síntese, distintos dos passos tímidos dados nas tentativas de formulação de outras teorias políticas alternativas.
Assim, finalmente, deixo-os para que examinem por si próprios a abordagem inovadora do autor, com a ressalva de que todo esforço será inútil caso isso não seja feito com um espírito de absoluta abertura intelectual.