Max Weber: Ciência e Desencantamento do Mundo

30.01.2023
Um dos elementos fundamentais da modernidade foi o desencantamento do mundo, promovido pela ciência moderna. Os pressupostos da ciência moderna conduziram a uma perspectiva materialista que retirou da realidade a sua dimensão numinosa. Mas será essa a única perspectiva científica possível? Sobre isso, Max Weber tem reflexões interessantes a oferecer.

Após séculos de progresso científico e técnico, o conhecimento das pessoas diminuiu. Esta foi a tese de Max Weber (1864-1920), o mais importante sociólogo alemão do século XX, que foi considerado “o Marx da burguesia”.

Em dezembro de 1917, um ano após o fim da Primeira Guerra Mundial, Weber proferiu em Munique uma palestra intitulada Wissenschaft als Beruf (Ciência como Profissão) da qual emerge uma descrição esclarecedora da ética científica na sociedade moderna, e do papel, ou melhor, da responsabilidade que confia àqueles que desejam persegui-la. A propósito, ao longo de sua vida, Weber lidou extensivamente com a racionalidade e a racionalização. O primeiro conceito expressa as modalidades e a natura naturans immanentes às ações sociais humanas. Na verdade, os quatro tipos clássicos de racionalidade são seus; a ação humana, de acordo com a perspectiva sociológica, pode de fato ser:

  • Racional com relação ao objetivo = o sujeito age escolhendo o melhor meio para atingir o objetivo, procurando avaliar todas as consequências.
  • Racional com relação ao valor = agir de forma justificada de acordo com as crenças e valores ético-morais do indivíduo, mesmo às custas da utilidade calculada em termos materiais.
  • Tradicional = o sujeito age por hábito; não há uma real consciência ou razão por trás da possível rotina diária.
  • Afetivo = o sujeito é movido por sentimentos, emoções ou outras influências não racionais.

O segundo, por outro lado, representa para Weber aquele longo processo que forjou o mundo moderno, ou seja, a lenta e gradual emergência da humanidade (o Ocidente in primis) a partir do pensamento mágico e tradicional de origem clássico-medieval. Desde as primeiras páginas de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber descreve com clareza cristalina em que consiste a razão científica, a causa da grande divergência cultural da Europa em relação ao resto do mundo. Pois embora os avanços científicos e artísticos tenham sido desenvolvidos na Índia, Egito, China, Babilônia, etc., dos quais os antigos europeus também se inspiraram, “foi somente no Ocidente que a ‘ciência’ chegou ao estágio de seu desenvolvimento no qual reconhecemos agora a ‘validade'[1]”.

Entretanto, após milênios de progresso técnico-científico, a humanidade tornou-se mais ignorante, no sentido de que nega, como dizem. O próprio Weber descreve o processo como tudo menos otimista. Retornando à palestra da Wissenschaft, ele explica de forma aguda como, na realidade, a racionalização hipertecnológica imposta não negou de forma alguma a confiança na magia e na fé supersticiosa: para dar um exemplo, qualquer um que tome o bonde hoje, a menos que seja um especialista em engenharia ou transporte, não tem idéia de como ele funciona em termos técnicos; todos confiam no hábito e na crença de que o veículo está de alguma forma fazendo seu trabalho. O mesmo acontece com a grande maioria das coisas ao nosso redor. Um selvagem no estado de natureza, por outro lado, tem um conhecimento real, total e pessoal das técnicas que utiliza para garantir sua subsistência. O homem moderno (médio), ao contrário do selvagem (mas o mesmo se aplica a um pequeno empresário europeu do século XIII) não sabe quase nada sobre seu mundo.

Aqui reside o cerne do problema: a ciência moderna, longe de ter superado as superstições e ídolos mágicos do passado, é ela mesma dotada de dogmas puros que a contradizem. Ou melhor, surgem novos deuses, ressuscitados sobre o cadáver do Deus morto nietzscheano. A Razão deificada pôs de lado o diálogo socrático consigo mesmo, o logos. Esta é a confirmação do aviso de Chesterton:

“Quando as pessoas deixam de acreditar em Deus, não é verdade que elas não acreditam mais em nada: elas acreditam em qualquer coisa”.

A contrapartida da verdadeira religião da memória agostiniana não é a ausência de religião, de fé; é a apoteose dos fantasmas (φάντασματα), os falsos ídolos da caverna como Platão os chamou. A nova tecnocracia científica tornou-se assim o novo clero; teorias e meras opiniões de especialistas, sejam elas médicas ou econômicas, são afirmadas com a mesma carga dogmática de uma bula papal, mesmo que muitas vezes tenham tudo menos certeza científica.

Deve-se dizer que, como explica Weber, a “intelectualização e racionalização” exponencial, se não contribuir para um melhor conhecimento das condições de vida, permitiu, no entanto, uma importante virada copernicana:

“A consciência ou a fé que, se quiséssemos, poderíamos a qualquer momento vir a saber [que podemos] dominar todas as coisas por meio de um cálculo racional [2]”.

No entanto, imediatamente depois, ele acrescenta: “Mas isto significa o desencanto do mundo”. A humanidade se aprisionou em uma jaula de aço na qual se protege de seus antigos inimigos: astrologia, magia, alquimia, os mistérios sapienciais. As vítimas de sua própria repressão violenta, desde a época da Reforma, que massacrou bruxas e quebrou as normas éticas que defendiam o sagrado. Não é por acaso que hoje estamos testemunhando o retorno de tal tipo de conhecimento (ver Giorgio Galli), porque o racionalismo iluminista acabou sendo incapaz de dar ao homem o conhecimento do conhecimento, o objetivo final da vida e das coisas interconectadas. A especialidade avalutativa (wertfrei), da qual o próprio Weber é um defensor consciente, pressupõe uma renúncia ao sentido da vida e a completa explicação dos fenômenos.

Tolstói, citado por Weber, afirma que a morte não tem mais nenhum significado para o homem, na medida em que a tecnologia e a ciência pressupõem um progresso infinito; o homem e seu Dasein são reduzidos a uma mera justaposição infinitesimal de um universo em perpétua autossuperação. A morte, para um universo que precisa progredir, não faz sentido, é uma interrupção incômoda. Da mesma forma, não podemos mais nos sentir “cheios de vida”: um antigo camponês podia obter tudo o que a vida tinha a oferecer em seu ciclo orgânico e morrer sem a angústia da suspensão de algo. Hoje, por outro lado, a mente só agarra uma parte fragmentada, mínima e temporária da mesma. Portanto, “como a morte não tem sentido, a vida da cultura como tal também não tem sentido [3]”.

Finalmente, o desencanto weberiano se manifesta na limitação inerente da ciência:

“Não faz sentido – citando Tolstoi – porque não responde à única pergunta que é importante para nós seres humanos: o que devemos fazer? [4]”.

Um remédio para este problema poderia vir de uma “ciência sem hipóteses”; entretanto, nenhuma disciplina em si mesma pode prescindir dela. Para dar um exemplo, os médicos atribuem um valor positivo à preservação perene e inviolável da vida como tal. Não há (felizmente) nenhum médico no mundo que deixaria uma vida morrer em seu turno; mas a suposição de que a vida como tal é digna de preservação eterna não pode ser explicada em si mesma, e certamente não por médicos. O problema existe, então, e não é tanto um problema de conteúdo, pois é verdade que a vida deve ser mantida e é sagrada, mas quem deve cuidar dela e como? Pois, como já foi dito, as disciplinas científicas contemporâneas são, em essência, incapazes de fazer isso. E é aqui que a gaiola de aço se revela gelada.

O nó górdio não será resolvido pelo autor. De fato, ele morreu em 1920, aos 56 anos, de gripe espanhola, depois de ter participado como delegado alemão nas conferências de paz de Versalhes. Ele permanece, entretanto, o eco de um dilema mal sussurrado:

“Ninguém sabe ainda quem viverá no futuro nesta jaula e se no final… [haverá] um renascimento de pensamentos e ideais antigos”.

Notas

[1] M. Weber, L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme, p.33, BUR Rizzoli, 2016
[2] M. Weber, La scienza come professione/La politica come professione, p.20, Einaudi, 2004
[3] Ibid p.21
[4] Ibid p.26