A Crescente Presença Militar Ianque no Brasil
O CORE23 (Combined Operation and Rotation Exercise [Exercício de Operação e Rotação Combinadas]), que é parte de um acordo que autoriza exercícios constantes anuais dos EUA no Brasil até 2028, tem como objetivo oficial compartilhar experiência, técnicas e táticas visando aprimorar a interoperabilidade entre nossos militares e os militares estadunidenses na selva brasileira.
O acordo em questão, que trata da cooperação militar entre Brasil e EUA, foi assinado em 2010, durante o 2º governo de Lula e promulgado em 2015, durante o 2º governo de Dilma Rousseff, resultando no Decreto nº 8.609/2015.
Em agosto desse ano, militares do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA participaram do Exercício Formosa, perto de Brasília (região Centro-Oeste, perto do Cerrado, geopoliticamente o Heartland da América do Sul). Nesse exercício, os fuzileiros navais estadunidenses tomaram conhecimento das táticas dos nossos fuzileiros navais, sendo educados inclusive em cursos cognitivos, com a finalidade declarada de fortalecer a integração dessas forças para enfrentarem “desafios de segurança comuns”.
Em julho, por sua vez, a Marinha do Brasil participou do UNITAS 2023, um exercício naval organizado pelo SOUTHCOM, que esse ano se deu na Colômbia (e, no ano passado, deu-se no Brasil). O objetivo declarado era o de permitir aos EUA operar como parte de uma força marítima maior para controlar o mar e negar o mar a potenciais inimigos.
Os estadunidenses estiveram aqui, também, em setembro de 2022, no Paraná, sul do Brasil, no QG da 15ª Brigada de Infantaria Mecanizada para exercícios de estratégia conjunta para a participação militar em um “hipotético” país latino-americano passando por uma “crise humanitária”.
Entre agosto e setembro, de 2022, por sua vez, a Força Aérea dos EUA participou do EXCON Tápio, no Mato Grosso do Sul (região sensível para a Agropecuária brasileira) cuja finalidade foi o “desenvolvimento doutrinário de táticas conjuntas”, visando a contribuição para “a ordem e paz mundial”.
Em meados do ano, além do já mencionado UNITAS 2022, desenvolvido no Brasil, o Brasil enviou homens para serem doutrinados nos EUA no âmbito do CORE22.
Penso ser desnecessário continuar especificando exercício por exercício, ano a ano, para o fim de demonstrar uma tendência crescente para o aumento da integração entre as Forças Armadas do Brasil e dos EUA, bem como para o aumento da influência estadunidense sobre a formação dos militares brasileiros – para não falar em algo tão importante quanto a acumulação de experiências e conhecimentos, pelos estadunidenses, sobre a nossa geografia, nossos biomas, nossos relevos, bem como seu significado estratégico e tático em “eventuais” e “hipotéticas” operações a se desenrolarem em nosso território.
Para além desses exercícios não se deve esquecer das visitas “diplomáticas” de autoridades militares estadunidenses, com destaque para Laura Richardson, Comandante do SOUTHCOM desde 2021. Ela esteve no Brasil em novembro de 2021, onde visitou o Ministro da Defesa, o Chefe do Estado-Maior Conjunto, bem como os chefes de cada uma das armas das Forças Armadas Brasileiras, além de visitar o Comando Militar da Amazônia, a Escola de Guerra na Selva do Exército e outras instalações. Nessas visitas ela ressaltou o desejo por maior integração militar entre Brasil e EUA, bem como o papel estratégico da atuação conjunta entre ambos países no Atlântico Sul.
Ela retornou em maio deste ano de 2023, quando se encontrou com o Chefe do Estado-Maior Conjunto e os chefes das armas das Forças Armadas novamente, mas visitou também a sede do Comando de Operações Aeroespaciais e a sede do Comando de Defesa Cibernética do Exército, novamente reiterando temas como a integração militar e a coordenação para eliminar ameaças regionais.
Não mencionaremos as muitas declarações de Laura Richardson sobre o Brasil. Elas vão de afirmar que os recursos naturais da Amazônia brasileira são de interesse estratégico dos EUA até afirmar que Rússia, China e Irã têm “intenções malignas” na América Latina (dias antes do Departamento de Estado dos EUA publicar um relatório me acusando de ser um “agente” a serviço da Rússia e de liderar uma organização que seria uma fachada da inteligência russa).
Parece além de toda dúvida, portanto, que militarmente os EUA têm se projetado na direção da América do Sul e que o Brasil tem sido, em certa medida, seu colaborador nisso. Isso porque não nos cabe aqui comentar sobre as aproximações e colaborações em outros campos.
O que resta, porém, é entender a lógica geopolítica desse fenômeno.
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, no Teatro Italiano, acarretou um elevado grau de integração entre as Forças Armadas Brasileiras e as Forças Armadas Estadunidenses. Essa aproximação se deu em todos os âmbitos, mas a aproximação mais importante se deu no âmbito psicológico.
Desde então, as Forças Armadas Brasileiras se colocaram no campo atlantista, vendo o Brasil como parte da Civilização Ocidental e colocando a democracia liberal no modelo estadunidense como sendo a forma de governo ideal. Para que se tenha noção do impacto, no mesmo ano em que os militares brasileiros retornaram da Itália, após o fim da guerra, em 1945, derrubaram Getúlio Vargas, ditador nacionalista que tentou conduzir o Brasil por um caminho soberanista e que, depois, junto ao argentino Perón, planejou a integração continental.
Desnecessário dizer que 1945 leva diretamente ao golpe militar dos EUA, realizado sob as bênçãos dos EUA e com certo grau de colaboração da Embaixada dos EUA.
Mas para que não se diga que as Forças Armadas Brasileiras são irredimíveis, é curioso que foi precisamente durante o período militar, especificamente sob o ditador Ernesto Geisel, que o Brasil condenou o sionismo como racismo e começou a apoiar a causa palestina; que o Brasil reconheceu a República Popular da China e deu início às relações diplomáticas e comerciais com o PPCh; que o Brasil reconheceu e apoiou a revolução angolana, de inspiração socialista; que o Brasil criou a maioria de suas empresas estatais do século XX; que o Brasil iniciou uma colaboração com o Iraque de Saddam Hussein no âmbito nuclear, etc.
Comprovando a natureza contraditória e dialética da história, tal como os EUA sopraram os militares ao poder para derrubar um governo que buscava um caminho geopolítico não alinhado e desenvolvimentista, eles derrubaram os mesmos militares porque estes haviam começado a trilhar um caminho não alinhado e desenvolvimentista.
Esse caráter contraditório dos militares brasileiros permanece. Há um espírito atlantista que penetra todos os âmbitos das Forças Armadas Brasileiras, especialmente no generalato, mas permanece existindo em seu seio, especialmente no âmbito dos centros intelectuais das Forças Armadas e em certas camadas médias do oficialato, uma tendência mais soberanista e multipolar.
Agora, retornando à questão principal, qual é o significado geopolítico dessa intensificação da presença militar estadunidense em sinergia com os militares brasileiros?
É importante repetir um “tema” que já tocamos antes: os EUA pressentem que suas posições na Europa Oriental, Oriente Médio, África e Ásia estão ameaçadas. Nesse sentido, enquanto tensionam ao redor do mundo, travando também guerras de atrito com a finalidade de enfraquecer as principais potências não alinhadas, o hegemon unipolar fecha o cerco na Nossa América.
O objetivo é garantir a nossa região como espaço megacontinental no qual sua supremacia será indiscutível, sepultando nossas pretensões multipolares e transformando as Américas como um todo em uma “Ilha” no sentido geopolítico clássico do termo, ou seja, uma plataforma talassocrática a partir da qual assediar um mundo euro-afro-asiático potencialmente liberto ou em vias de libertação.
Para este fim, os EUA se deparam com alguns obstáculos em nosso continente. O obstáculo imediato mais importante é a Venezuela, claramente contra-hegemônica, engajada na construção de importantes pontes geopolíticas com a Rússia, a China e o Irã, e agora, voltada para iniciar a solução do problema das Guianas.
O principal obstáculo mediato, por sua vez, é o Brasil, pelo fato fundamental do potencial geopolítico do país em questão, que envolve o seu tamanho, demografia, recursos hídricos e energéticos, além de capacidade agropecuária, para não falar, naturalmente, na Amazônia e sua utilidade para o âmbito biomédico e farmacêutico. É necessário ainda pontuar que o Rio Amazonas, cuja foz deságua no norte do Brasil, sendo um rio extremamente navegável que permite chegar, através de seus afluentes, até o interior boliviano – ou seja, àquela zona que, junto de parte do Centro-Oeste brasileiro, do norte do Paraguai e do norte da Argentina tem sido considerada por geopolitólogos ibero-americanos como o “Heartland da América do Sul”.
Daí a importância de tentar instrumentalizar o Brasil contra a Venezuela, tarefa que não parece ter terminado completamente mesmo com a passagem de um governo de direita abertamente antivenezuelano para um governo de esquerda que seria, teoricamente, mais simpático à Venezuela.
Não se sabe, porém, em que medida o governo brasileiro seria plenamente consciente dessas tendências e intenções geopolíticas. O mais provável, segundo pode-se deduzir de vários outros posicionamentos geopolíticos do governo brasileiro, é que o Brasil simplesmente não está preparado para essa “era de tensões” que vem com a transição multipolar.
Ressalte-se que o Brasil tem insistido em “eleições livres” na Venezuela, servindo nisso como porta-voz dos EUA e objetivamente a pedido dos EUA, como uma “via conciliadora” e “suave” (após as tentativas fracassadas de golpe e revolução colorida), mas ainda inserida na lógica atlanto-mundialista.
Em conclusão, não é possível separar a intensificação de exercícios militares conjuntos dos EUA com o Brasil no território do Amazonas com um projeto de pressionar e cercar a Venezuela, para impedi-la de alcançar seus objetivos geopolíticos e, talvez, até mesmo empreender uma mudança de regime contra Caracas.
Naturalmente, essa presença militar também constitui uma “baioneta” apontada contra o próprio país que a hospeda, já que serve para treinar os militares estadunidenses para possíveis operações militares visando assegurar áreas de interesse para os EUA no caso de futuras possíveis convulsões políticas.
Fonte: PIA