Após o Motim: Um Ponto de Bifurcação

29.06.2023
O filósofo Aleksandr Dugin analisa o motim Wagner, apontando para a necessidade de reformas patrióticas no Estado russo, as quais só podem ser realizadas pessoalmente por Vladimir Putin.

Tenho notado que a mente de muitas pessoas simplesmente não consegue lidar com os eventos de 24 de junho. É por isso que surge a tendência: “isso simplesmente não aconteceu”; “não foi real”; “eles estavam lá de propósito”. Essa é a única maneira de anestesiar a dor aguda do que aconteceu. Quando estamos falando da reação defensiva de uma sociedade ampla que não está particularmente imersa na esfera dos significados – nesse caso, os significados da ciência política – isso é compreensível e aceitável: as pessoas estão procurando brechas para a continuidade do fluxo rotineiro do mundo da vida, no qual os eventos são microscópicos ou inexistentes. Mas quando o mesmo começa a ser transmitido por aqueles que afirmam ser sérios e profundos na análise, isso parece tosco. De fato, a fase aguda dos eventos de 24 de junho foi resolvida, mas a situação ainda não se resolveu: alguma ação concreta das autoridades que esclarecerá o quadro deve ocorrer agora, e só então haverá um mínimo de clareza. Enquanto isso, pode ser prematuro comentar os significados: como todo o processo não está concluído, o resultado pode ser diferente. O que começou e continua faz sentido em sua conclusão, mas não antes. Não há como prever o que pode acontecer com o desenrolar de uma cadeia de eventos tão crítica. Uma análise completa ainda virá.

Mas o que aconteceu em 24 de junho de 2023 foi o primeiro acorde de uma catástrofe terrível. Foi um colapso do Estado russo que foi evitado no último momento e, de fato, a um custo muito alto.

Nesse meio tempo, o problema da passionaridade surgiu claramente. Quando ela está fatalmente em falta no centro do sistema, começa a se concentrar espontaneamente na periferia. Em um polo, vemos uma clara superabundância de passionaridade. Mas, no outro, há uma clara falta dela. Esse, ao que parece, é o principal problema energético do poder. E ele precisa ser resolvido. Com urgência.

Nos termos da teoria das elites de Pareto, o mesmo é descrito como um conflito de elites e contraelites. Se a elite, que já está no poder, não possuir uma quantidade suficiente de poder, ela será inevitavelmente derrubada, mais cedo ou mais tarde, pela contraelite, que não tem permissão para chegar ao poder, mas que tem um excesso de qualidades de poder.

Por fim, a questão da legalidade e da legitimidade tornou-se aguda. Os rebeldes radicalizaram o problema, mas apenas o aumentaram. Ele ainda não foi resolvido de forma definitiva. Mas agora ele está aqui conosco e não há como escapar dele.

Estamos em um ponto de inflexão, um ponto de bifurcação. Em resumo, há dois cenários de decisão. Um bom e um terrível. Não há nada de bom na situação atual, nem há algo simplesmente ruim. Um cenário ruim se transformará instantaneamente em um cenário horrível.

1. Cenário favorável. Decisões de pessoal em várias agências cruciais. Quase tudo está claro. Alguns se mostraram heróis, outros traidores e covardes. Os heróis inquestionáveis são Putin e Lukashenko. Foram eles que salvaram o país, que estava pairando sobre o abismo. Mas aqueles que tornaram essa situação possível, que a facilitaram, que não conseguiram evitá-la e que, quando ela começou, não foram capazes de reagir adequadamente, devem ser despedidos com um forte adeus. Tal decisão fortalecerá a posição do poder supremo e restaurará o respeito abalado por ele, a fé no poder do verdadeiro Soberano.
No entanto, deve-se prestar atenção agora ao programa generalizado que Prigozhin promulgou apressadamente: a sociedade carece muito de justiça, honra, coragem e inteligência por parte das elites. Essa falta é tão grande que já está causando uma verdadeira explosão. Então, por que essa ideia não deveria ser adotada pelas próprias autoridades? Putin está agora (e sempre esteve) em uma posição em que pode fazer isso e com certeza terá sucesso. Portanto:

  • circulação das elites,
  • punição aos covardes e traidores,
  • recompensa aos leais e aos corajosos,
  • correção da ideologia em direção à autoconsciência patriótica, justiça social e inclusão genuína da sociedade na guerra.

Menos relações públicas, mais realidade. E tudo se encaixará no lugar.

Em geral, substituir a realidade por relações públicas é um mal absoluto. Mais cedo ou mais tarde, essa bolha vai estourar e, se em vez de um sistema político tivermos apenas uma ficção grandiosa da mídia, o desastre será inevitável. E o mais importante: as leis da mentira, mais cedo ou mais tarde, nos farão acreditar em nossas próprias mentiras. Esse é o estágio final. Por trás dele está o fim.

2. Cenário terrível. Deixar tudo como está. Não mudar nada. Limpar a mídia e a blogosfera de qualquer menção ao 24 de junho e suas figuras. Criminalizar qualquer apelo ao patriotismo com referência ao motim. Colocar a culpa de tudo no Ocidente e em suas maquinações. Concluir a favor do liberalismo e inundar tudo com técnicas de relações públicas e discursos de vitória.

Não pretendo assustá-los, mas sugiro que imaginem com sobriedade as consequências de tal decisão, ou seja, a ausência de qualquer decisão. Exatamente aquilo que acontecia levou ao que aconteceu. Se nada for mudado, o desastre ocorrerá novamente e, dessa vez, será fatal.

Aqueles que têm um grau mais alto de passionaridade vencem. O espírito vence. Há soldados e há guerreiros. A tarefa: despertar os guerreiros nos soldados.

Ai de nós se aprendermos a lição errada com a “aula magistral”.

Precisamos nos recompor agora. O inimigo está lançando a segunda onda de ataque mais poderosa. A única maneira de derrotar a insurgência do Wagner é nos tornarmos Wagner.

Precisamos de um exército de vencedores.

Tradução: Raphael Machado