Uma resposta revolucionária ao transatlanticismo

13.10.2022
Revisão de Alexander Markovics da Missão Eurasiana de Alexander Dugin, com sua relevância como alternativa para o transatlanticismo ocidental.

A Europa sofre com seus laços com os Estados Unidos e a “comunidade Ocidental de valores”. Nem em termos de sua identidade (imigração em massa, individualismo, política de gênero) nem em termos de sua política econômica e energética (sanções anti-russas), os laços estreitos com os EUA e o liberalismo oferecem um futuro à Europa. Mas como pode se dar uma alternativa revolucionária à “Nova Ordem Mundial” e à globalização? Com seu livro Missão Eurasiana, o filósofo russo Alexander Dugin apresenta uma contraproposta revolucionária à ordem mundial ocidental, que também promete um futuro promissor para a Alemanha e a Europa. A seguir, os pensamentos mais importantes de Dugin neste livro serão apresentados e será determinado se o livro também é de interesse para patriotas.

Missão Eurasiana — uma alternativa ao transatlanticismo

Dugin descreve, por um lado, o desenvolvimento da ideia eurasiana, começando com o eurasianismo no período entre guerras, passando pelo neo-eurasianismo no final da União Soviética até a Quarta Teoria Política no final dos anos 2000, e, por outro lado, ele explica por que isso representa uma alternativa ao transatlanticismo não apenas para a Rússia, mas também para as outras civilizações do mundo. Os textos compilados para este livro cobrem um longo período, desde o início dos anos 2000 (‘Manifesto da Aliança Revolucionária Global’), através do final dos anos 2000 até o início dos anos 2010 (Textos sobre a Quarta Teoria Política, entrevista com Dugin pouco antes da reeleição de Putin em 2012) a 2022 (seus textos sobre a operação militar russa na Ucrânia). Além disso, a edição alemã contém um prefácio de Peter Töpfer sobre o Sujeito Radical de Dugin, que se refere à sua obra filosófica. Os textos também exploram uma questão crucial: o que torna o Eurasianismo e a Quarta Teoria Política uma resposta revolucionária ao liberalismo para a Alemanha e a Europa?

Pela Diversidade dos Povos, contra o Universalismo Ocidental

A natureza revolucionária do eurasianismo é revelada em sua rejeição do universalismo Ocidental em todas as suas dimensões. Todo povo deve viver em uma democracia ao estilo ocidental? Todas as economias devem obedecer às leis do livre mercado e do capitalismo? Estas são precisamente as ideias que os eurasianistas rejeitam radicalmente. Isso também tem muito a ver com a história de seu desenvolvimento: seguindo os eslavófilos, que rejeitaram o liberalismo já no século 19 e proclamaram uma civilização russa independente e distinta do Ocidente, os eurasianistas começaram a pensar sobre o lugar da Rússia no mundo no Exílio europeu da década de 1920 após o fim da Guerra Civil Russa. Foram os principais representantes do eurasianismo, como Nikolai Trubetzkoy¹, Petr Savitsky² e Lev Gumilyov³ que rejeitaram a exigência ocidental de ir espiritualmente de “Leste para Oeste” e insistiram em sua identidade especial russo-eurasiana, que eles explicitamente entendiam não apenas como uma síntese entre a cultura eslava oriental e finlandesa, mas também os modos de vida mongol e turco. De particular importância é o efeito da passionaridade, que, segundo Gumilyov, leva a um modo de vida ativo e intenso (dos povos da estepe) e representa uma mutação genética no ethnos que contribui para o nascimento de pessoas apaixonadas.

O Mundo: não um Universo, mas um Pluriverso

Em analogia ao representante da Revolução Conservadora, Oswald Spengler, eles cunharam o conceito de civilização, segundo o qual a entendem não como uma forma decadente de cultura, mas como um círculo cultural entre muitos, ao qual diferentes povos e culturas podem se unir por causa de semelhanças em sua história, cultura e religião. Em contraste com os pensadores liberais ocidentais do século 20, que afirmavam que havia apenas uma civilização ocidental e que todos os outros povos eram bárbaros, os eurasianistas proclamavam a pluralidade de civilizações e, portanto, um pluriverso em contraste com a ideia ocidental de um universo cultural. Assim, embora rejeitem a noção de um “Um Mundo” unificado, eles sustentam a visão de que existem tantos mundos quanto povos na mente dos humanos, cada um criado primeiro em pensamento pela linguagem única destes.

Terra: o Habitat como Influência Decisiva na Formação dos Povos

Com base na disciplina da geosofia, os eurasianistas notaram que não pode haver um padrão universal de desenvolvimento humano, pois a multiplicidade de paisagens na Terra também produz uma multiplicidade de culturas, cada uma com seus próprios ciclos, critérios internos e lógica. O habitat define assim as pessoas que nele vivem; os povos tornam-se a expressão da paisagem em que vivem. Assim, os eurasianistas defendiam a análise de civilizações também ao longo de um eixo espacial.

Os Neo-Eurasianistas: Eurasianismo mais Tradicionalismo e Geopolítica

Os neo-eurasianistas, que começaram a se destacar no final da década de 1980 e cujos representantes mais importantes incluem Alexander Dugin, retomaram as ideias de seus ancestrais e as enriqueceram com o pensamento da Revolução Conservadora e da geopolítica. A emergência desse movimento de pensamento foi possibilitada pela erosão da União Soviética, que após o fim do stalinismo foi apanhada em um conflito político doméstico entre forças reformistas/social-democratas e falcões de mentalidade conservadora. À vitória das forças reformistas seguiu-se o desmembramento da URSS e a emergência de um Estado russo cuja elite via a cultura russa como algo estranho a ser assimilado na cultura ocidental. Os neo-eurasianistas, por sua vez, conseguiram estabelecer-se como uma das mais fortes forças de oposição justamente contra essas elites, por meio do qual o nacional-bolchevismo, que havia surgido da cooperação entre antigos quadros conservadores do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e oposicionistas conservadores-patrióticos, representou apenas um passo intermediário no caminho para o desenvolvimento do neo-eurasianismo. Seguindo Carl Schmitt, eles entenderam a luta entre o Ocidente e a civilização eurasiana como um conflito entre potências marítimas de mentalidade progressista-globalista e potências terrestres de mentalidade conservadora-tradicionalista. No contexto desse conflito histórico mundial entre terra e mar, cada estado e grupo cultural poderia escolher um lado; os neo-eurasianistas como oponentes da ordem mundial unipolar e da globalização pleiteiam neste momento para tomar o lado do poder terrestre na grande guerra dos continentes. Por fim, também de grande importância para o Neo-Eurasianismo é a escola filosófica de pensamento do Tradicionalismo com seus representantes René Guénon, Julius Evola e Titus Burckhardt, pois isso representa um acerto de contas geral não apenas com o liberalismo e o capitalismo, mas com toda a própria modernidade, enfatizando a primazia da ideia e da religião. Consequentemente, o neo-eurasianismo é uma ideologia antiimperialista, antimodernista e anticapitalista, cujo objetivo é restaurar o modo de vida e o pensamento tradicionais da civilização em questão.

Grandes Espaços e Civilizações como Novos Atores na Geopolítica

Também com base em Carl Schmitt, eles vêem não o Estado-nação, mas espaços maiores no sentido de civilizações como atores dessa luta. Dugin vê o futuro do Estado-nação na luta contra a globalização diante de três escolhas possíveis:

  1. A absorção em um estado mundial futuro,
  2. Resistência à unipolaridade mantendo a ordem do estado-nação, ou
  3. A abolição do estado-nação em grande escala.

Seguindo Carl Schmitt, Alexander Dugin defende civilizações e espaços maiores como as futuras formas de organização na geopolítica. Segundo sua lógica, isso não corresponde ao nacionalismo, que uniformiza e unifica seus cidadãos de acordo com a matriz de pensamento da modernidade (ver, por exemplo, a República Francesa ou, na história alemã, o Terceiro Reich), mas à do império, que sempre consiste em uma multidão de povos e religiões e é liderado por um povo imperial. Dugin nota um pluriverso de civilizações, em que não só Rússia-Eurásia, China e o superespaço islâmico, constituídos por várias civilizações, assim como a América do Sul, têm chance de emancipação do universalismo Ocidental, mas também a própria Europa, que ao momento ainda é um vassalo dos Estados Unidos.

Grande Espaço, Autarquia, Autonomia, Soberania

A ideia de autossuficiência e soberania são fundamentais para a ideia do grande espaço: porque um Estado-nação sozinho não pode se defender contra a globalização, vários Estados-nação devem unir forças e transferir sua soberania para o nível do grande espaço. Como um Estado-nação não é capaz de se afirmar diante de sanções e políticas de bloqueio Ocidentais, vários devem se unir para garantir sua capacidade de agir em caso de emergência. Importante aqui é o conceito de autonomia, que contraria a ideia moderna de centralismo: assim, enquanto o nível de civilização assumirá importantes decisões de política externa no futuro, os níveis inferiores do grande espaço serão responsáveis por moldar autonomamente suas próprias condições no sentido do princípio da subsidiariedade e da ideia de E pluribus unum (criar um de muitos), que inclui também a autonomia cultural. Nesse contexto, a autonomia abrange não apenas o nível cultural, mas também as dimensões religiosa, social, econômica e étnica da vida. No que diz respeito à atividade econômica dos grandes espaços, o Movimento Eurasiano de Dugin clama por quatro zonas geoeconômicas. Em contraste com os pensadores transatlanticistas que proclamam apenas três zonas e veem um buraco negro na Rússia-Eurásia, os eurasianistas defendem o estabelecimento do cinturão continental da Eurásia como uma quarta zona geoeconômica ao lado das zonas geoeconômicas Americana, Euro-Africana e do Pacífico. Enquanto na zona geoeconômica americana defendem uma organização do grande espaço da América Central e da América Latina, bem como uma restrição dos Estados Unidos a si mesmo, os eurasianistas do cinturão Europeu-Africano veem uma independência da Europa em relação aos EUA e a formação da África Subsaariana como um grande espaço separado tão importante quanto para o surgimento da multipolaridade. No cinturão continental eurasiano, os grandes espaços da Rússia-Eurásia e do Islã continental ainda não foram criados, enquanto a Índia e a China já constituíram em grande parte as fronteiras de seus respectivos grandes espaços.

A Quarta Teoria Política: Além do Liberalismo, Fascismo e Marxismo

Dugin vê o passo final no desenvolvimento do eurasianismo na Quarta Teoria Política. É o que ele chama de rascunho para uma nova teoria política centrada no Dasein segundo Martin Heidegger, pela qual Dugin entende o povo, e cujo objetivo é a superação completa da modernidade política. Dugin vê o liberalismo como a primeira teoria política, o marxismo como a segunda e, finalmente, o fascismo/nacional-socialismo4 como a terceira teoria política. Em sua desconstrução das ideologias, ele remove seus elementos problemáticos – capitalismo e individualismo no caso do Liberalismo; coletivismo, pensamento de classe e materialismo no caso do Marxismo; e mania racial e lealdade ao Estado no caso do Fascismo/Nacional-Socialismo – para finalmente lançar os elementos dessas teorias que são positivas aos seus olhos em uma nova forma. No caso do liberalismo, ele reconhece a “liberdade para” como tal, no caso do marxismo, a crítica do liberalismo, e no caso do fascismo, finalmente, o etnocentrismo como um elemento que vale a pena preservar. Assim, além de uma crítica devastadora da modernidade – que ele também faz com os recursos de insights pós-modernos, pois quer combater o problema em sua raiz – resta um fundamento positivo da Quarta Teoria Política, que toda nação e toda civilização podem agora usar para preservar/redescobrir suas respectivas identidades, livres do pensamento da modernidade e da compulsão de ir ‘do Oriente ao Ocidente’, e ao mesmo tempo estabelecer uma ordem política que a reflita.

A Primazia do Espírito: Indo do Ocidente ao Oriente

Enquanto Dugin reconhece na Nova Direita Europeia/Nouvelle Droite a manifestação europeia da Quarta Teoria Política, ele vê no Neo-Eurasianismo a variante russo-eurasiana da Quarta Teoria Política. Nesse nível, porém, o eurasianismo significa afastar-se do Ocidente moderno e de sua primazia do materialismo, em direção a um caminho “do Ocidente ao Oriente” que conduz à primazia do espírito, que pressupõe a participação na noomaquia (a guerra do espírito) e não como mero espectador. A regra no sentido do eurasianismo é sempre ideocracia, ou seja, a permeação do Estado com uma ideia que dá sentido a toda a estrutura da política, não uma oligarquia de bilionários mascarada por uma falsa democracia. Isso sem dúvida representa um sério desafio para o Ocidente, que não é apenas o centro do mundo (anteriormente) unipolar, mas também da devastação espiritual que ele causou. Como é ser ressuscitado após a Grande Reinicialização (Great Reset)? A escrita de Dugin também fornece as primeiras pistas para isso na forma de possíveis caminhos para os Estados Unidos no futuro.

Como o Ocidente pode Superar a Modernidade? Uma Questão de Identidade

Como o Ocidente não faz nenhum esforço para respeitar as características e peculiaridades culturais de outras civilizações, mas, ao contrário, luta por seu nivelamento pelo universalismo ocidental – hoje mais visivelmente através do liberalismo ‘woke’ 2.0 da Grande Reinicialização (Great Reset) – Dugin clama por uma insurreição de civilizações e um ‘Grande Despertar’ (Great Awakening) contra a hegemonia Ocidental. Como se sabe de seus escritos sobre a Grande Reinicialização (Great Reset) e a Quarta Teoria Política, no entanto, para Dugin isso não anda de mãos dadas com o ódio à cultura Ocidental em si, mas significa apenas uma rejeição do Ocidente moderno, enquanto ele respeita profundamente a tradição da Europa Ocidental da Idade Média e da antiguidade, por exemplo. Interessante neste ponto é o modelo tripartite de identidade que o filósofo e etnossociólogo russo apresenta em relação aos Estados Unidos:

  1. Identidade difusa. Dugin entende que isso significa um vago senso de pertencimento comum que é confuso, incerto e fraco. A identidade difusa só surge em situações extremas, como guerras, revoluções e desastres naturais.
  2. A identidade extrema representa uma identidade arbitrária e artificial que se torna uma ideologia. Exemplos são o nacionalismo ou a identidade de classe ou cosmopolita. Embora muitas vezes enfatize alguns traços de identidade difusa, deixa outros sob a mesa e é uma caricatura deles.
  3. A identidade profunda está por baixo da identidade difusa. É o que faz de um povo um povo e é o seu fundamento. O povo não consiste no presente, mas move-se do passado para o futuro ao nível da sua língua, cultura e tradição. A identidade profunda representa o todo, que ocorre tanto no tempo quanto no espaço; é o ser humano como existência. Citando o etnólogo alemão Leo Frobenius, Dugin afirma neste ponto que a cultura é a terra se manifestando através do homem. Enquanto os europeus ainda têm sua identidade profunda, os Estados Unidos enfrentam o problema de que ela foi originalmente criada em uma tabula rasa cultural na América do Norte para realizar a utopia da modernidade. Os EUA foram construídos negligenciando as terras que na verdade pertenciam aos índios, assim desde o início os EUA foram uma sociedade altamente móvel de nômades movendo-se na superfície de um espaço quase inexistente. O sistema partidário de democratas e republicanos representa a síntese de sua identidade difusa, que oscila em torno dos vetores da liberdade, do liberalismo, do individualismo e do progresso.

Três Maneiras para os Americanos Encontrarem sua Identidade Profunda

Consequentemente, Dugin vê três possibilidades para os Estados Unidos:

  1. Um retorno à identidade Europeia. Como não têm solo próprio, os Americanos podem descartar sua identidade moderna e ver sua situação em termos de outro campo existencial a partir da perspectiva da Mãe Europa. Para os Europeus Americanos, isso significaria o amadurecimento de um autêntico Dasein de acordo com Heidegger.
  2. O Americano continua sendo Americano, mas busca sua identidade no sentido do logos Americano individualista. Isso o leva, no sentido do Protestantismo, ao fato de que o indivíduo, que não tem enraizamento, busca suas raízes no céu na forma de seu próprio Deus individual, a quem ele deve criar para si livremente, segundo Friedrich Nietzsche. As inúmeras seitas protestantes nos EUA podem ser vistas aqui como um exemplo da busca do indivíduo por Deus. Através deles, o indivíduo adquire profundidade na era moderna.
  3. O caminho do existencialismo Americano, a preocupação individual com a morte, que se torna possível pelo fato de que a sociedade torna o indivíduo livre de tudo, mas também livre para nada. Através dessa preocupação com o próprio fim, o conteúdo de seu ser pode finalmente ser despertado.

No geral, Eurasian Mission de Alexander Dugin, é uma leitura fascinante que fornece uma melhor compreensão do eurasianismo e do emergente mundo multipolar. Dadas as perspectivas que o eurasianismo também oferece à Alemanha e à Europa, esperamos que seja lido e discutido com mais frequência. A Alemanha e a Europa precisam de alternativas para o colapso do transatlanticismo — uma delas pode ser encontrada neste livro.

 

Referências

1. 1890-1938, linguista russo, historiador e fundador da morfonologia. Um dos principais representantes do Movimento Eurasiano, conhecido por seu livro Europe and Mankind.

2. 1895-1968, co-fundador do Movimento Eurasiano, economista e geógrafo. Lutou contra o comunismo na Guerra Civil Russa ao lado do general Wrangel.

3. 1912-1992, historiador e etnólogo soviético. Rejeitou a tese do “jugo mongol” em relação à história russa e, em vez disso, avaliou positivamente a simbiose de russos e turcos, como os mongóis.

4. O próprio Dugin diferencia entre os dois conceitos e seus respectivos assuntos – estado no Fascismo, raça no Nacional-Socialismo, mas reconhece sua matriz ideológica comum de nacionalismo, militarismo, coletivismo e culto ao líder.