O nacionalismo no Terceiro Mundo e a ideia de uma Quarta Teoria Política
A luta anti-imperialista, na contemporaneidade política, possui um caráter radicalmente terceiro-mundista, patriótico, antissistêmico e multipolar.
Os blocos políticos subjacentes aos atuais conflitos não consistem mais naqueles velhos blocos ideológicos que disputavam à hegemonia durante a Segunda Grande Guerra e, posteriormente, durante a Guerra Fria. Dizendo de outra forma, a política concreta, hoje, não se expressa mais através de uma tensão tripartida entre liberalismo americano, comunismo soviético e fascismo ítalo-germânico – e muito menos entre uma cisão dual entre um bloco capitalista e um bloco socialista.
Com a vitória derradeira do liberalismo americano sobre seus adversários antiliberais, a hegemonia global passou da escala virtual à escala real: a ideologia expansionista do Ocidente, liderado pelos EUA e respaldado materialmente pelo poderio estratégico-militar da OTAN, já não encontrava mais obstáculos para o estabelecimento de seu projeto de dominação mundial: exportação crescente de monopólios para os países sub-desenvolvidos com a finalidade de usufruir de mão-de-obra barata e maximizar os lucros dos capitalistas; intervenções militares em Estados nacionais estratégico; fomento de revoluções coloridas para a derrubada de governos incômodos; instrumentalização de grupos terroristas no Oriente Médio com o mesmo fim; sanções econômicas unilaterais; controle do aparato midiático-cultural com o objetivo de promover a democracia-liberal moderna como o único modelo de organização política possível e passível de ser aplicado a todos os povos do planeta: criminalização sub-reptícia daqueles que se opuserem a tal modelo.
Era a proclamação do imperativo da Economia (e da dogmática liberal) como Destino. Era o Fim da História de que falava Francis Fukuyama e os neoconservadores americanos.
Mas teria a História de fato terminado?
Como bem observou o falecido Comandante Hugo Chávez, no mesmo ano fatídico em que Francis Fukuyama publicou seu ensaio sobre o Fim da História, em 1989, houve uma revolta de massas protagonizada pelos setores populares de Caracas contra um pacote de ajustes estruturais neoliberal imposta pelo então presidente Carlos Andrés Pérez, que respondeu aos protestos com violência, causando a morte de centenas de venezuelanos. Era a rebelião do povo ao ver seu destino sendo jogado na esteira da política burguesa. Revoltas semelhantes ocorreram ao redor do mundo nos anos subsequentes, com ênfase para o levante Zapatista em 1994.
No mesmo sentido, novas forças políticas se levantaram para fazer frente à tirania do Ocidente global e, tal como focos de incêndio, para atearem fogo nas várias modalidades de dominação do imperialismo. Embora algumas destas forças remontem à períodos históricos anteriores à hegemonia ocidental e embora tenham sido influenciadas, em variados graus, pelas ideologias derrotadas pelo liberalismo, tais forças não se enquadravam mais nos critérios ideográficos das ideologias antiliberais modernas. Eram sínteses, reconfigurações, transmutações, fusões, ideologias subversivas sui generis que tinham algo em comum: o nacionalismo terceiro-mundista, o ímpeto patriótico de libertação nacional e a partilha de um inimigo comum.
Estamos falando de ideologias como o Chavismo na Venezuela, doutrina indubitavelmente socialista patriótica, pautada na criatividade política de Hugo Chávez, que conseguiu forjar uma Quarta Via em relação capitalismo-liberal, ao comunismo e ao nacionalismo chauvinista, conciliando suas influências peronistas e velasquistas com a perspectiva de um Estado Comunal baseado na autonomia produtiva dos trabalhadores. Sua finalidade? Como delineado em seu Plan de la Patria, estabelecer uma ordem mundial multipolar e pluricêntrica e efetivar construir um socialismo fundado sobre valores patrióticos na Venezuela.
Ou da Jamahiriya de Kadafi, doutrina política influenciada pelas ideologias de Segunda e de Terceira Posição, mas que também procurou forjar uma Quarta Via em relação a estas: sem deixar de reconhecer a atualidade da luta de classes e a preeminência da nação, Kadafi conferiu ao Povo, e somente a este, organizado em Comitês Populares, o papel de agente histórico e de sujeito político. Não a classe trabalhadora por si só ou a nação, mas ao Povo. Seu objetivo? Criar um Estado Social pautado na democracia orgânica, no socialismo natural e na Tradição (que ele identifica, em seu Livro Verde, como a lei natural que regia as sociedades antes do aparecimento das classes).
E quanto ao Hezbollah no Líbano? Organização xiita e, portanto, identitária: anti-imperialista, antissionista, anticapitalista, uma das maiores pedras no sapato do Ocidente no Oriente Médio. Seu Manifesto conclama a todos os oprimidos do Líbano e do mundo à levantarem suas armas contra o vírus do americanismo. Sua meta? Libertar os muçulmanos libaneses de governos títeres e estabelecer um Estado pautado nos valores islâmicos e na justiça social anticapitalista e anti-usuária.
Poderíamos ainda mencionar o Baath na Síria, o último representante do nacionalismo pan-árabe, nascido de uma síntese ideológica nacional-revolucionária, influenciada pelo comunismo e pela Terceira Posição, como um autêntico socialismo patriótico dirigido aos árabes, rejeitando tanto o marxismo quanto o chauvinismo pequeno-burguês.
Em suma, mesmo após a queda dos regimes comunistas e nacionalistas, a luta continuou e passou a ser modulada por outra lógica. Não mais a lógica das ideologias modernas, mas a métrica da realpolitik, de forma que, hoje, a única luta real é aquela travada entre os povos do mundo, com suas diferentes matrizes, contra o globalismo, representando os interesses de longo prazo do Ocidente. Ou seja, entre o Dissenso (periferia) e a Conformidade (centro).
A resistência ao status quo na contemporaneidade é identitária e aqui, em nossa terra, naturalmente terceiro-mundista. O nacionalismo terceiro-mundista é a instanciação da ideia da Quarta Teoria Política na prática dos países do chamado “terceiro mundo”.
Só há duas opções. Só há dois lados a se tomar posição. Se está com um, automaticamente se está contra o outro e vice-versa. Escolha sua opção: nós já escolhemos a nossa.
O destino histórico do Brasil, enquanto Pátria, depende diametralmente de qual lado ele irá se situar: com a Conformidade ou com o Dissenso. Se optar pela Conformidade, ele não existirá mais enquanto projeto – estará eternamente fadado a ser uma colônia de banqueiros.
Mas se optar pelo Dissenso, pela soberania, pela assunção de seu próprio destino histórico, então terá de percorrer a via de uma Revolução que destrua e criminalize a elite econômica e que retire todo o direito de representação política das aspirações das oligarquias. Precisamos de um novo Vargas, de uma personalidade que zombe, que tripudie com sinceridade de coração, com escárnio honesto, do processo político formal que existe no Brasil. Essa deverá ser nossa via para o Dissenso.
Viva a solidariedade internacional anti-globalista!Viva a resistência dos Povos!