Esquerda Estética

14.11.2017

De acordo com os apontamentos feitos pelo filósofo Alexandr Dugin, a Segunda Teoria Política (o Comunismo) fez uma substituição de seu sujeito histórico: da classe para o indivíduo. Nesse sentido, o Comunismo tomou a atomização social e o cerne individualista como seus principais instrumentos políticos – as questões de classe tornaram-se essencialmente secundárias. A retórica personalista tomou o protagonismo na semântica da Esquerda como um todo (todos os tipos de revolução - exceto a social e classista).
Além da centralização em torno do indivíduo e do tratamento da classe como elemento secundário (mesmo que na retórica as questões classistas ainda estejam presentes), a Esquerda tornou-se consistentemente estética. Suas demonstrações, militâncias e ideais (essencialmente após os movimentos de maio de 1968 em Paris, na França) são agora focados em aspectos superficiais, visuais.
A Esquerda contemporânea age essencialmente por meio da ação performática e da teatralidade. Suas ações e manifestações são performances artísticas e cênicas, com o objetivo de simular ou manifestar algo – a concretização não é o objetivo central. Essa teatralidade não é um meio: é o próprio fim em si.
Esse esteticismo da Segunda Teoria Política se expressa mais firmemente em sua equiparação ao sistema capitalista, ou seja, na vontade de participar e tomar parte do capitalismo. Embora o combate ao sistema de capital ainda seja uma constante na retórica de Esquerda, ele é largamente substituído pelos anseios de participação efetiva no sistema capitalista e em seu próprio maquinário – especialmente o maquinário visual, a propaganda e o marketing.
A democracia burguesa representativa e o sistema de produção capitalista não são mais objetos de destruição para esse novo padrão psicológico esquerdista: são objetos de desejo. Participação e representatividade em lugar de Revolução.
A retratação visual de elementos e as pautas culturais defendidos pela Esquerda em órgãos da mídia convencional e das próprias corporações que compõem o capitalismo são realizações comemoradas pela Esquerda estética com um entusiasmo equiparável ao duma revolução que depõe a burguesia. Mas tal “revolução” não é a derrubada da burguesia: é a pressão para que a burguesia reflita, ao menos visualmente, a imagem dessa Esquerda.
Assim, a própria burguesia torna-se instrumento de impressão e propagação cultural esquerdista – não mais seu objeto de ódio e resistência. A supressão (ou a derrubada completa) do capitalismo é colocada de lado. A participação e a representatividade (preferencialmente de grupos extremamente minoritários) dentro desse sistema capitalista é o objetivo principal.A democracia burguesa (liberal e representativa) não é mais aquela estrutura a ser substituída pela ditadura do proletariado. É um fim em si. A representatividade é um novo slogan: mulheres na política. Mas, que mulheres? Não importa: mulheres burguesas, proletárias, transexuais - todas são mulheres, afinal. Mesmo uma política burguesa com vasta participação feminina burguesa é um fator de representatividade feminina – e, para a Esquerda estética, um bem, um feito essencialmente positivo.
Há a cooptação da população negra pelo uso de negros em comerciais de grandes corporações – mesmo que essas corporações façam uso de trabalho escravo/semi-escravo na África. Podemos citar mesmo a captação econômica dos homossexuais por meio de uma “agenda gay” que se utiliza de gays para representar, por exemplo, marcas de roupas – que se beneficiam do trabalho de milhares de costureiras clandestinas em regime de trabalho escravo e/ou semi-escravo.Mulheres transexuais para parabenizar o dia da mulher com a logomarca de alguma estrutura corporativa que explora mulheres no Terceiro Mundo. Essas dicotomias não são interessantes para a Esquerda porque, para essa ideologia, as relações de dominação econômica são menos importantes (e menos interessantes) do que a representatividade e o aspecto estético midiático em si. São pequenos efeitos colaterais que podem ser devidamente ignorados num processo “muito mais importante”: promover uma “revolução” nas mentalidades e no comportamento humano.A representação da mulher burguesa é essencialmente mais importante do que a defesa do homem proletário (ou da própria mulher proletária); um gay rico é esteticamente mais útil para a propaganda em si do que um heterossexual proletário.
Classe como algo secundário. Retratação cênica e propaganda midiática como saciedade dos anseios “revolucionários”. Esse foi o triunfo do liberalismo sobre o comunismo.