Um elogio à soberania nacional
Em seu núcleo essencial, a soberania é aquele espaço de poder de decisão que pertencia aos reis primeiro por direito divino e depois por vontade da classe burguesa. Mais tarde, tornou-se a vontade do povo, exercida por meio de parlamentos eleitos. Por fim, pelas práticas de dessoberanização do Estado, passou diretamente para os bancos e multinacionais, para as agências de avaliadoras e para os fundos de investimentos.
Como observado, mesmo as três grandes revoluções modernas (inglesa, francesa e russa) substituíram soberanias enfraquecidas e que se esvaneciam por soberanias novas, mais fortes e mais eficazes. Em suma, a Europa moderna, seja qual for a perspectiva de que se observe, é o espaço onde se afirma “que historicamente o soberano é o Estado”.
Diante da grande narrativa hoje vigente, que associa indissoluvelmente o Estado soberano ao nacionalismo beligerante, o Tratado de Vestfália possibilitou a pax europaea ao estabelecer um equilíbrio poliárquico de forças entre Estados soberanos.
Nas negociações que deram origem ao tratado, buscou-se que as linhas e fronteiras entre os Estados obedecessem à norma da “escala da Europa” (Tutina Europae). Baseavam-se nos três princípios:
a) da limitação da força a ser usada;
b) da contenção dos mais poderosos;
c) da possibilidade de juntar os estados mais fracos contra os mais fortes.
A forma plural de dois Estados não implica que ambos tinham a mesma força, mas a contenção um possível conflito, por meio de um poder diferencial ou mais equilibrado e simétrico possível.
A ofensiva pós-1989 contra os Estados-nação soberanos pode ser explicada pelo fato de que, na era do extinto comunismo histórico, eles são os últimos centros de resistência à expansão da globalização do mercado.
Onde ainda existem, podem atuar como vetores ativos de desenvolvimento alternativo e de outra orientação econômica (por exemplo, a Cuba de Fidel Castro, a Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales etc.) em vez daquele que se diz único: o do livre mercado com mercantilização e exploração incorporadas.
A única resistência real à globalização capitalista encontra-se hoje nos Estados nacionalistas, socialistas e patrióticos, que se opõem à dinâmica da «globalização anglo-saxã» gerida militarmente pelo Leviatã atlantista.
É por isso que, entrelaçando as gramáticas tão diferentes de Massimo Salvadori, Hosea Jaffe e Samir Amin, a única “oportunidade socialista na era da globalização” reside na teoria e na prática do “desacoplamento” como forma de “sair do sistema” e iniciar o processo de estabelecimento de uma federação desglobalizada de Estados soberanos, patrióticos, democráticos e socialistas.
Desde a queda do Muro de Berlim, o Estado nacional está sitiado, porque, na segunda metade do século XX, posicionou-se como espaço de democracia, ainda que em grande medida imperfeito, e garante direitos sociais considerados inalienáveis e, portanto, inacessíveis à lógica mercadológica de competitividade.
Como já sabia Hegel no seus esboços da filosofia do direito: nas ligações que se vão estabelecendo no sistema das necessidades “o poder mediador requer uma regulação conscientemente empreendida que esteja acima de ambos”, isto é, acima dos trabalhadores e dos capitalistas: esta regulação é aquela que, no século XX, foi garantida, embora com todos os limites necessários, pelo Estado.
Longe de ser entendida como um mero comitê de negócios dos governantes (o que era em parte), impedia o mestre de aniquilar o servo. Preserva politicamente um espaço inacessível à competitividade econômica, um hic sunt leones intransponível, constituído de direitos imprescritíveis que independem da competitividade do mercado (saúde, educação, etc.). Afirma também aquela figura fundamental da cidadania, em virtude da qual se era membro de uma comunidade e, como tal, titular de direitos e deveres. O homo civicus, como Cassano o definiu, não era apenas a sociedade civil, mas a sociedade civil associando-se e lidando com assuntos públicos.
O turbocapitalismo, como foi sublinhado, aspira substituir a figura do cidadão do Estado nacional, titular de direitos, pela do consumidor pós-nacional apátrida, detentor de tantos direitos quantos efetivamente possa adquirir.
Fonte: Adáraga