A Rússia e o Mediterrâneo
O efetivo interessa da Rússia no Mar Mediterrâneo vem a surgir no reinado da czarina Catarina II, A Grande, durante a segunda metade do século XVIII (CHURRO, 2013), percussora de seu antecessor, Pedro I, O Grande, que criou uma doutrina de estratégia geopolítica para a relação da Rússia com a sua região subcontinental, o leste da Europa.
Pedro, O Grande, quis fortalecer a marinha militar e mercante para ter o maior controle do Mar Báltico, o que acabou criando antipatias com a Holanda e a Suécia, consciente dos limites materiais e geopolíticos da expansão da sua marinha, Catarina II, busca o “mar do meio” (Ibid, 2013).
Mar Mediterrâneo e países costeiros.
Fonte: Wordatlas.com
O ano de 1769, Catarina II envia embarcações do Mar Báltico para uma missão no Mar Mediterrâneo, era a ambição da Rússia de não só explorar o território continental, a sua grande massa de território físico que lhe circundara ou a compunha, mas de dominar os mares.
O objetivo específico era obter o controle dos Estreitos de Dardanelos e Bósforo, o esquadrão partiu de Kronstadt e foi comandado pelo Almirante Spiridov, e com oposição das potências da Europa ocidental, os demais países somente assistiram este movimento sem oposição direta e aberta.
A entrada da marinha imperial neste mar se deu com o apoio da Grã-Bretanha, que por hora não considerava a Rússia uma inimiga dos seus negócios no mediterrâneo; neste século, existia o Império Turco-Otomano, que além de forte potência no continente europeu e asiático, impedia a influência de outros impérios nos seus domínios sobre o mediterrâneo.
Estreito de Dardanelos e Bósforo.
Fonte: viajarentreviagens.pt
O propósito desta presença russa no Mediterrâneo assentava na ideia de ajudar os gregos a revoltarem-se contra o poder otomano e assim abrir duas frentes de batalha contra estes: uma no Mar Negro (onde a Rússia após a anexação da Crimeia possuía agora uma importante base de apoio a uma ofensiva naval neste mar) e outra no Mediterrâneo. (CHURRO, 2013, p.113)
Pedro, O Grande e Catarina II preparavam ambos nas suas regências ações inspiradas na doutrina geopolítica da Rússia europeia, era desejo do Imperador Pedro, O Grande tornar a Rússia um país europeu, diferentemente de Ivan, O Terrível, no século XVI que fez da Rússia o império continental, inspirado nos países Baixos, Pedro queria uma marinha imperial.
Isto estava ligado ao espírito de sua época, das corridas por especiarias e colônias pelas empresas de exploração colonial de grande sucesso seja da Península Ibérica ou dos Países Baixos, por isso, ele propõe o aburguesamento da aristocracia militar, assim como na Inglaterra, tornar o império militar em mercantil.
Tratava-se de uma diferença na forma de ser do russo e de fazer nas suas relações e no método do exercício de governo dos assuntos estratégicos da Rússia, uma mudança na identidade russa, o que trouxe muitos desafios para o imperador e para o povo russo, a identidade deste país é posta em discussão até hoje.
A questão da identidade da Rússia em relação à Europa e ao Ocidente é controversa entre os próprios russos. Afinal, a Rússia é um país europeu, asiático, uma mistura dos dois ou nenhum dos dois? A Rus’ kievana era muito ligada à Constantinopla (Bizâncio), no Oriente, tanto cultural quanto economicamente, como já vimos. Posteriormente, no período das Desordens, além de guerras civis e disputas palacianas, o país sofreu diversas invasões vindas mais do oeste, especialmente da Polônia. Isso aumentou o contato dos russos com os estrangeiros e, no período dos primeiros Romanov, houve um discreto aumento dos intercâmbios com o Ocidente. (SEGRILLI, 2012, p.135)
Em meio a esta ocidentalização, fazia sentido uma aliança estratégica entre gregos, britânicos e russos contra o Império Turco-Otomano, pois era a única potência muçulmana da região, uma vez que os islâmicos invadiram Constantinopla e destruíram o Império Romano do Oriente.
A Marinha Imperial russa venceu a Turca-Otomana, que à época, ainda estruturava, houve um movimento diplomático da Rússia feito pelo Príncipe Potemkin, homem de confiança da Coroa russa, em oferecer a Frota do Mar Báltico aos britânicos, em apoio à repressão dos norte-americanos na Guerra de Independência dos Estados Unidos.
Após o sucesso desta operação no Mediterrâneo, com a Marinha Imperial a infligir duros golpes na mal preparada Marinha Otomana em 1770, Catarina II envia o seu homem de confiança, o Príncipe Potemkin para negociar com os ingleses uma maior presença russa no Mediterrâneo. Numa altura em que estes procuravam a todo o custo sacudir as revoltas das colônias norte-americanas, Potemkin ofereceu a ajuda da Marinha Imperial mais propriamente da Frota do Báltico, para ajudar na Guerra da Independência dos EUA, caso os britânicos cedessem a Ilha de Minorca a Rússia. Mas a proposta foi prontamente recusada. (CHURRO, 2013, p.113)
A prisão dos povos como era chamado o Império Czarista por Vladmir Illych Lênin, durante a primeira guerra mundial, em seus manifestos políticos, pela histórica política de anexar territórios de diferentes nacionalidades dentro do Império Russo não reprimiu os vitoriosos estadunidenses por medo dos britânicos da Rússia se tornar uma nova potência europeia, mas em compensação perderam a sua colônia nas Américas.
A oportunidade negada pelo ceticismo britânico, foi futuramente realizada nas guerras napoleônicas, os otomanos, velhos inimigos, tornaram-se aliados estratégicos, quando os franceses obrigáramos russos em troca da Ilha de Minorca aceitar o bloqueio continental contra os ingleses.
Logo a Rússia, a velha prisão dos povos (LÊNIN, 1913), tornou-se a libertadora europeia que desencadeou um dos períodos de mais forte nacionalismo em toda a Europa de ressentimento anti-francês materializado na figura de Nepoleão Bonaparte, a época o Czar russo era Alexandre I.
Mais recentemente, desde a União Soviética, teve uma política de apoio descolonização de países da Península Árabe, como são os casos do Egito e da Síria; a Rússia em 1971 se localizou nas bases do Porto de Tartus na Síria, onde até hoje a Marinha russa se faz presente.
Esta busca pelos mares navegáveis ainda se fazem presente no apoio ao governo Sírio na guerra civil que o país enfrenta e na recém anexação da Crimeia, onde existe o acesso ao Mar Negro e ao posto de Sevastepol e Odessa na região da Península da Crimeia, este movimento aos mares do sul de seu país faz parte da geo-história (BRAUDEL, 1949), da Rússia.
Referências
CHURRO, João Manuel Barroso de Matos. A Geopolítica enquanto instrumento de afirmação social da Rússia. 2013. 184 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Estratégia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, p. 113.
SEGRILLO, Angelo. Os russos. São Paulo: Contexto, 2012, p. 135