Rômulo e Remo, ou a importância sagrada da fronteira

11.07.2023
Diego Fusaro explora a indissociabilidade entre as ideias de fronteira, identidade e diferença, e como apenas a justa determinação da própria identidade pode refletir um respeito pela diferença e relações promissoras entre os povos, contra o nacionalismo chauvinista e o internacionalismo amorfo.

Embora com algumas diferenças de nuance, Tito Lívio e Plutarco contam a história fratricida de Rômulo e Remo. O primeiro, no ato de fundação de Roma, é encarregado de traçar com o arado o sulco da nova cidade, seguindo o rito etrusco. Vestido adequadamente para o evento sagrado, Rômulo prepara o arado com uma relha de bronze e a prende à canga, unindo-a a um touro por fora e a uma vaca por dentro, ambos completamente brancos. Segurando firmemente o leme do implemento inclinado, de modo que a terra escavada fique voltada para dentro, ele traça habilmente o sulcus primigenius no sentido anti-horário. A urbs é construída com base na borda sagrada, que circunda seu espaço, distinguindo-a da outra parte de si mesma.

Remo, que havia saído derrotado da disputa augural, tenta impedir as operações zombando de seu irmão: “Finalmente”, relata Plutarco, “ele atravessou o fosso, mas caiu, atingido naquele exato ponto, segundo alguns pelo próprio Rômulo, segundo outros por um companheiro de Rômulo chamado Célere”. Tito Lívio também relata diretamente as palavras proferidas por Rômulo no auge de sua raiva, após ter cometido fratricídio: “De agora em diante, qualquer um que se atrever a transpor minhas muralhas morrerá.”

O mito apresenta, à sua maneira, uma possível solução ante litteram para o dilema de Antígona formulado por Hegel. Para Rômulo, não há dúvida — a lei da urbs tem precedência sobre o vínculo ético familiar, especialmente quando este último viola a justa medida, em vez de respeitá-la. Mas, acima de tudo, a narrativa mitológica fala da sacralidade da fronteira como um limite que define uma identidade — nesse caso, a identidade política e cultural de Roma —, delimitando-a e diferenciando-a do que ela não é. Sem uma fronteira não pode haver identidade, que é a própria base da existência da diferença, que sempre pressupõe a pluralidade de identidades não coincidentes e, portanto, separadas umas das outras. Por sua vez, sem identidade também não pode haver relação, que é, por sua essência, uma relação entre identidades com limites precisos. Estes últimos marcam o fim de uma e o início da outra, bem como a possibilidade de um nexo relacional, diferente daquele derivado do abuso de uma em detrimento da outra, que ocorre quando ela perpetra sua invasão.

A civilização dos mercados sem fronteiras dá origem a uma invasão permanente que certamente não visa a favorecer o relacionamento entre os diferentes, nem mesmo na forma de diálogo. Este, como sugere inequivocamente a palavra grega (διάλογος), implica sempre uma distância e, portanto, um claro limiar que separa os dialogantes, que nada mais são do que identidades diferentes colocadas em uma relação de amizade mediada pela linguagem. Pelo contrário, a invasão do mercado, que é o imperialismo do neutro indiferenciado, aspira a produzir a supressão das diferenças e das identidades, de modo que tudo caia no abismo da mesmice e do globalmente homologado. A rigor, a própria globalização poderia muito bem ser concebida como a neutralização das diferenças e identidades e como o trânsito de todo o planeta em direção ao neutro global, sem fronteiras materiais ou imateriais, nacionais ou identitárias. É a vingança post mortem de Remo e seu impulso para a invasão, para a neutralização dos limites que tornam uma identidade diferente da outra.

Nesse sentido, ele é válido para o nexo existente entre identidades e diferenças, o que já explicamos em outras ocasiões em relação à conexão entre os estados nacionais e o internacionalismo. A relação amistosa do internacionalismo pressupõe a existência de Estados soberanos, livres de seus impulsos nacionalistas em um sentido regressivo: a supressão de Estados soberanos não leva ao internacionalismo, mas ao espaço aberto reificado do globalismo de mercado, que é a unificação do mundo sob a bandeira da economia de mercado, livre dos limites da política soberana.

Da mesma forma, é um puro non sequitur pensar que se pode favorecer o diálogo entre os diferentes por meio da dissolução de identidades. Sob essa premissa, surge apenas a monotonia do indistinto, que se dá como uma homologação consumista de identidades e, conjuntamente, como um triunfo planetário do Pensamento Único como o único pensamento admitido. O diferente que não aceita se desidentificar e se homogeneizar com o outro de si mesmo é declarado, sic et simpliciter, ilegítimo e perigoso. E como tal é tratado — é neutralizado e reeducado até o ponto da indiferenciação. Portanto, mesmo nesse caso, esse diálogo entre os diferentes, que sempre pressupõe que os diferentes são diferentes e que têm sua identidade específica, não prevalece. Por outro lado, a mesma coisa triunfa em escala global — a mesma linguagem, o mesmo pensamento, a mesma maneira de ser e produzir, de viver e de se relacionar com os outros.

No nível das identidades, como no caso dos estados-nação, a identificação de dois polos abstratamente opostos e concretamente complementares também é válida. O nacionalismo regressivo e o globalismo de mercado são realizados um no outro: o nacionalismo regressivo, que tem em si o impulso de atacar o outro em nome de si mesmo, é realizado no globalismo. Esse último é o estágio final do nacionalismo, pois coincide com a subjugação de todo o planeta sob o domínio de uma única nação triunfante, cuja moeda é o dólar e cujo idioma é o inglês de Wall Street. O nacionalismo é realizado no globalismo, que o pressupõe.

A ligação que pode ser estabelecida entre o identitarianismo regressivo e o cosmopolitismo anti-identitário não é diferente. O primeiro aspira a negar a identidade dos outros e, portanto, a diferença, por meio da imposição universal do que é seu. O segundo coincide com a universalização perversa de uma identidade que, na realidade, não é tal porque não admite a diferença e, portanto, como Remo, não respeita a fronteira que, separando-se do outro, define o que é seu. O identitarismo regressivo se cumpre no cosmopolitismo anti-identitário, que o pressupõe; e que tem em comum com o primeiro a negação do direito à diferença, suprimido em nome do imperialismo da própria particularidade.

E isso, como sabemos, é outro nome para a ideologia, que é a “vontade abstrata do universal” e o triunfo concreto do particular. Mas o universal, em seu sentido autêntico, nunca é a parte que se impõe como universal — é, em vez disso, aquilo que existe como um universal concreto, que não anula as particularidades, mas é realizado nelas e por elas. Isso nos permite afirmar, mais uma vez, que a identidade só pode existir na presença da diferença e que, consequentemente, ela é dada por definição, declinada no plural, como um nexo entre diferentes identidades.

A tarefa da cultura, que sem dúvida é também, e não secundariamente, educar para a identidade, pode ser considerada bem-sucedida somente quando produz respeito pelas diferenças e pela consequente conexão que é gerada entre diferença e identidade. Em suma, nada poderia estar mais distante tanto do identitarismo tribal mesquinho, que nega o outro em nome do seu próprio, quanto do “resultado final vazio” do cosmopolitismo anti-identitário, que vende a fantasia de favorecer o diálogo entre os diferentes enquanto nega sua identidade e, portanto, a própria premissa de todo diálogo. A cultura é, no sentido próprio, educar para a identidade e, portanto, para a autoconsciência — bem entendido que isso só é possível se, ao mesmo tempo, se educar para o reconhecimento da diferença.

Esta última não deve ser interpretada nem como uma sobrevivência indesejada do estrangeiro, que deve ser tornada idêntica e, portanto, neutralizada, nem como uma realidade estranha, com a qual qualquer comparação é impossível a priori. A diferença pede, au contraire, para ser pensada spinozianamente, como um dos diversos atributos da substância única, diferenciada em si mesma — um atributo que, portanto, não deve ser negado em nome da identidade indiferenciada, mas valorizado em seu ser como uma manifestação diferente da própria substância. Daí decorre a necessidade de uma educação para a polifonia e a diferença, que só podem ser reconhecidas e apreciadas se a pessoa possuir sua própria identidade.

Em antítese às perspectivas do identitarianismo regressivo e do cosmopolitismo anti-identitário, a humanidade existe como um coletivo singular; se quisermos, também como uma Unidade articulada e como uma Totalidade diferenciada, como uma pluralidade de identidades e diferenças, na qual a unidade da raça humana é expressa em múltiplas formas. Amar verdadeiramente a humanidade significa, então, amar as diferenças e identidades que a compõem — sobretudo a partir do amor por sua própria identidade cultural, por seu próprio povo, por seu próprio idioma, por seu próprio território. Significa respeitar a fronteira como um símbolo de identidade e da medida certa e, portanto, como uma barreira contra a invasão, contra a desidentificação e contra o ilimitado.

Fonte: The Postil

Tradução: Augusto Fleck