Os EUA estão ficando sem poder de barganha

25.05.2022
Os Estados Unidos exercem pressão sobre outros países no contexto das relações com a Rússia, limitando efetivamente sua soberania, que sempre dependeu da coerção. Essa realidade está mudando.

Os Estados Unidos têm a capacidade de buscar medidas amplas para exercer pressão sobre outros países, não apenas através de relações bilaterais, mas também por meio de organizações internacionais controladas, como o FMI e o Banco Mundial. Embora isso viole o direito internacional, tornou-se corriqueira a prática da “diplomacia preventiva”. Ou seja, ameaças de punições subsequentes que podem ter um efeito econômico e político de longo prazo.

Em particular, observou-se anteriormente que os países que votam contra a posição dos EUA na ONU enfrentam restrições na obtenção de empréstimos ou credito dessas organizações financeiras. Esse foi o caso enquanto se desenrolava a Operação Tempestade no Deserto contra o Iraque. Os Estados Unidos aplicaram algo semelhante à Rússia. Isso explica a participação de um número tão grande de países em desenvolvimento na lista de Estados que votaram contra a Rússia na ONU.

Ao mesmo tempo, para evitar o golpe da palmatória americana, até mesmo a simpática Sérvia votou contra Moscou! O presidente Alexander Vucic mais tarde se defendeu, dizendo que a decisão foi tomada sob forte pressão de países ocidentais, mas a Sérvia não vai impor nenhuma sanção contra a Rússia. Dada a ocupação de Kosovo, a Sérvia não tem plena soberania, nem em teoria, por isso é forçada a se equilibrar entre o Ocidente coletivo, pelo qual está cercada.

No entanto, eles entendem que a restauração da soberania só pode acontecer graças à ajuda da Rússia e não às ações do Ocidente. O tempo mais próximo dirá como essa direção se desenvolverá, especialmente devido ao recente fornecimento de armas pela Grã-Bretanha aos kosôvares, que Belgrado avaliou como ações hostis. O caso mais óbvio de interferência americana recente nos assuntos internos de outro país por causa de uma posição independente é a mudança de governo no Paquistão. O primeiro-ministro esteve em Moscou durante o início da operação especial na Ucrânia e se reunindo com a liderança de nosso país.

O Paquistão não votou contra a Rússia na ONU e também se recusou a condenar Moscou após um apelo coletivo de embaixadores da União Europeia. De Washington, através do embaixador paquistanês nos Estados unidos, foi-lhe dito que deveria renunciar, caso contrário, seria pior para o Paquistão. Imran Khan não teve medo de dizer isso abertamente em um comício público, onde declarou uma óbvia interferência externa. O golpe parlamentar ainda ocorreu, embora tenha havido tentativas de impedi-lo. Agora há um governo pró-americano no Paquistão, que começou a mudar os seus principais ministros. E o movimento pela solidariedade leva milhares de seus apoiadores às ruas em várias cidades do país. Protestos em massa estão planejados na própria Islamabad no final do mês sagrado do Ramadã.

Mesmo agora, o Paquistão está experimentando um nível nunca visto de sentimento antiamericano. Imran Khan promete lutar tanto contra a interferência americana quanto contra o “governo importado”, ou seja, a atual coalizão na Assembleia Nacional da Liga Mulçumana-N e o Partido Popular do Paquistão. Dada a frágil situação do Paquistão, este golpe atingirá, em primeiro lugar, o próprio povo paquistanês, que sofre de turbulências de longo prazo e falta de estabilidade política.
Na vizinha Índia, Washington também tentou influenciar as decisões sobre a interação Nova Delhi-Moscou. Na cúpula Índia-EUA, realizada em 13 de abril na capital indiana, foram discutidas questões relacionadas ao conflito na Ucrânia e possíveis restrições comerciais e econômicas. Durante a conferência ministerial conjunta, houve uma condenação inequívoca das mortes de civis e apelos a um cessar-fogo imediato, mas não foi possível fazer com que a Índia deixasse de comprar recursos energéticos russos e até armas dos Estados Unidos.

Embora Blinken e o chefe do Pentágono Lloyd Austin estejam tentando atrair a Índia para sua órbita, Nova Delhi não acredita em promessas e é pragmática em expandir a cooperação indiano-americana na esfera técnico-militar. O método da palmatória americana não se aplica à Índia.

A Turquia claramente sucumbiu à pressão dos EUA. No dia anterior, Ancara anunciou o fechamento do céu turco para aeronaves russas que voam para a Síria. Como explicou o ministro das relações exteriores da Turquia, Mevlut Çavusoglu, a permissão para voos de aeronaves russas foi emitida por três meses e foi repetidamente prorrogada, e agora terminou. Os turcos notificaram Moscou sobre isso com antecedência. Isso se aplica a aeronaves civis e militares.

Isso claramente não ocorre sem a intervenção dos Estados Unidos, que está tentando exercer pressão máxima sobre a Turquia, uma vez que esta não aderiu às sanções contra a Rússia (isso afetaria muito os interesses da própria Turquia).

Na América Latina, a Casa Branca também está tentando, se não formar uma coalizão anti-russa, pelo menos forçar alguns países a impor sanções anti-russas. Os Estados Unidos obtiveram o maior sucesso nesse sentido na Colômbia, onde novas eleições presidenciais estão na ponta do nariz e em um contexto de aguda instabilidade social. Acusações são ouvidas cada vez mais na direção da Venezuela, onde, supostamente, há militares russos, pessoal que pode trazer algum dano à Colômbia.

Além disso, o presidente colombiano Ivan Duque falou duramente contra a Rússia, apontando que os militantes das FARC podem ter algumas conexões com a Rússia. E em relação à sua retórica, uma declaração especial foi feita pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Mariya Zakharova, observando a necessidade de preservar as relações amistosas russo-colombianas, apesar do tom ignorante do chefe da Colômbia. Podemos supor que a atividade atual do Departamento de Estado dos EUA, de uma forma ou de outra, está ligada à política anti-russa. Se isso não é feito diretamente, é pelo menos indiretamente.

Em 20 de abril, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, juntamente com o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, visitou o Panamá para discutir questões de migração e sanções contra a Rússia. Oficialmente, Blinken agradeceu à liderança panamenha por sua posição pró-americana.

Como para o Panamá os EUA são o principal parceiro econômico e o principal investidor direto (incluindo a operação do canal, onde mais de 70% da carga que passa por ele é destinada aos EUA ou é enviada de lá), é óbvio que seguirão as instruções de Washington.

Além disso, anteriormente a Ucrânia, por meio de seu embaixador neste país, tentou fazer com que o Panamá fechasse o canal para a passagem de navios russos. No entanto, as autoridades panamenhas se recusaram a impor tais restrições, alegando a neutralidade do canal em relação aos assuntos internacionais.

É significativo que anteriormente o caso do Dossiê do Panamá com dados sobre as contas de vários oligarcas tenha sido usado pelos Estados Unidos contra a Rússia para impor sanções adicionais. É provável que no futuro sejam impostas restrições ao Panamá quanto ao uso de seu país para investimentos russos ou a algum tipo de transação financeira. Mas os principais atores da América Latina ainda estão resistindo às demandas anti-russas de Washington.

O México se recusou a cumprir as sanções contra a Rússia, como já havia feito com Cuba. Deve-se ter em mente que o presidente Lopez Obrador é crítico dos Estados Unidos, embora entenda a forte dependência de seu país em relação ao vizinho do norte.

Até agora, a Argentina está lidando com sucesso com tal pressão – o ministro das Relações Exteriores desse país, Santiago Cafiero, disse que a Argentina não tomará tais medidas.

O Brasil geralmente tem condenado as sanções ocidentais contra a Rússia, por exacerbar as consequências econômicas do conflito e prejudicar os povos dependentes de recursos básicos.

“Essas sanções podem exacerbar as consequências econômicas do conflito e afetar a principal cadeia de suprimentos”, disse o chanceler brasileiro Carlos França no início de abril, referindo-se ao embargo imposto pelo Ocidente liderado pelos Estados Unidos contra a Rússia.

Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o chanceler brasileiro deixou claro que tais medidas visam atender aos interesses de um pequeno grupo de governos e, ao mesmo tempo, prejudicar outros que dependem de recursos básicos. É preciso levar em conta a forte dependência desses dois países do fornecimento de fertilizantes russos, dos quais depende o setor agrícola do Brasil e da Argentina. Ainda, há muitos países na África e na Ásia que condenaram abertamente as ações da Rússia na ONU, mas continuam formalmente cooperando. Mais cedo ou mais tarde, Washington os abordará com uma exigência de aderir às sanções impostas ou estabelecer algumas restrições especiais.

Obviamente, isso afetará sua própria soberania e, nessa difícil escolha, muito depende da vontade política da liderança. No entanto, a diplomacia russa não deve esperar por novas maquinações do Departamento de Estado, mas sim buscar ativamente sua política externa e maximizar a cooperação com Estados amigos e neutros.