A Entidade Sionista e a Ideologia do Genocídio
Ninguém deveria se surpreender quando soldados e oficiais israelenses atiram em crianças ou mulheres palestinas que estão estendendo roupas no varal, ou quando espancam brutalmente prisioneiros amarrados e vendados.
Décadas atrás, Israel Shahak, o falecido ativista dos direitos humanos e professor de química orgânica na Universidade Hebraica, publicou seu livro mais famoso: “A religião judaica e a história judaica: o fardo de 3.000 anos“, expondo as crenças religiosas dos judeus presentes no Talmude, nas normas rabínicas e nas tradições judaicas, pelo que realmente são. Segundo ele, essa base ideológica alimenta o genocídio contra o povo palestino e é uma faísca para inflamar o conflito entre judeus laicos e fundamentalistas, levando à implosão interna da entidade sionista.
Shahak percebeu a importância de compreender as raízes do chauvinismo judaico e do fanatismo religioso antes que fosse tarde demais. Mas já era tarde, e a entidade sionista entrou em uma fase decisiva para o seu destino e o da região. A extrema direita tornou-se dominante, e o genocídio se tornou sua ideologia. Shahak comparou sua experiência como jovem sob o domínio nazista em Varsóvia às condições vividas pelos palestinos sob ocupação e concluiu que o sionismo agia de maneira similar ao nazismo.
Secularização do judaísmo
Shahak derivou sua definição de sionismo a partir dos escritos dos seus precursores e baseou-se em três princípios:
- Todos odeiam os judeus, um ódio que se diferencia formalmente de qualquer outro preconceito ou hostilidade em relação ao estrangeiro. O sionismo pressupõe que o ódio contra os judeus é eterno, pois os não judeus os odeiam por sua natureza. Como o antissemitismo nunca desapareceria, até mesmo povos que nunca conheceram judeus os odiariam assim que tivessem contato com eles. Por isso, os judeus se isolam dos não judeus.
- A “Terra de Israel” pertence aos judeus, a todos os judeus, de forma permanente e para sempre.
- Todos os judeus devem ir para a Terra de Israel, que é maior do que a Palestina. Essa terra se estenderia desde o delta do rio Nilo, passando por toda a Palestina, Jordânia, Síria, até partes do Iraque, Turquia e Arábia Saudita. Os judeus devem migrar para lá e criar seu próprio estado.
Shahak argumenta que esses três princípios do sionismo secularizaram a religião judaica. Os judeus, onde quer que estivessem, sempre acreditaram nesses princípios, mas deixavam o retorno à “Terra de Israel” e o estabelecimento do “Estado Judaico” a cargo da intervenção divina e da chegada do Salvador (o Messias judaico). Estavam convencidos de que a “Terra de Israel” lhes pertencia, mas criam que só chegariam a ela com a vinda do Salvador.
O sionismo, no entanto, realizou o que os judeus acreditavam, mas sem a presença ou intervenção de Deus, e sim através do esforço humano dos próprios judeus — erradicando ou exterminando os habitantes desta terra!
Antigentios
Há também uma tendência “etnocêntrica”, de ódio, desprezo e padrões duplos em relação aos não judeus, os “gentios”, nos livros “sagrados” judaicos, conhecidos como “Halakhah” (leis rabínicas judaicas). O “antigentilismo” pode ser classificado como um precursor do antissemitismo. O comportamento antigentio é frequentemente ocultado, e justificativas são apresentadas para evitar reações antissemitas prejudiciais ou sentimentos e atitudes antijudaicas.
Após o massacre no Túmulo dos Patriarcas em Hebron, em 25 de fevereiro de 1994, surgiram perguntas inevitáveis: como esses assassinatos foram cometidos? Como explicar a alegria dos colonos de Kiryat Arba e sua celebração pública e imediata pelo assassinato de 60 pessoas? E como interpretar o lamento de rabinos e colonos após a onda de assassinatos, porque “o número de mortos foi muito pequeno”?
Sem um conhecimento real da cultura judaica, da lei judaica e, em particular, do Talmude, fica difícil compreender a verdade: a lei judaica, o sistema legal do judaísmo rabínico “clássico”, ordena o assassinato de não judeus.
Se há colonos judeus em qualquer parte dos Territórios Ocupados (chamados por eles de “Terra Recuperada de Israel”), eles se consideram em constante estado de guerra. Consequentemente, palestinos são mortos como se fossem a tribo de “Amaleque” dos tempos bíblicos. Desde 1973, essa doutrina tem sido publicamente divulgada como orientação para soldados israelenses em um panfleto emitido pelo Comando Central.
Portanto, ninguém deveria se surpreender quando soldados e oficiais israelenses atiram em crianças ou mulheres palestinas que estão estendendo roupas, ou espancam brutalmente prisioneiros amarrados e vendados. Em casos raros, os culpados são processados, presos ou encarcerados por alguns meses.
Josué: o Livro da Destruição
Jeffrey Sachs, um renomado professor de economia americano (judeu), recentemente escreveu um artigo sobre a ideologia genocida de Israel e a necessidade de enfrentá-la e detê-la. Sachs analisou a condenação global a Netanyahu e seu governo devido à bárbara violência de Israel contra os árabes, bem como a promoção, por Netanyahu, de uma ideologia fundamentalista que tornou Israel o “estado” mais violento do mundo.
A doutrina fundamentalista israelense afirma que os palestinos não têm direito ao seu país. Meses atrás, o Knesset israelense aprovou uma declaração rejeitando firmemente a criação de um Estado palestino a oeste do Jordão, argumentando que sua instituição no “coração da Terra de Israel” constitui uma ameaça existencial a “Israel”, perpetua o conflito e desestabiliza a região.
O autor acredita que o apoio militar americano é a razão por trás da audácia de Israel. Sem esse apoio, Israel não teria sido capaz de governar por meio de um sistema de apartheid, no qual os árabes da Palestina compõem metade da população, mas não têm direitos ou autoridade política. As gerações futuras olharão com espanto para o sucesso do lobby israelense em manipular o exército americano, causando danos graves à segurança nacional dos Estados Unidos e à paz mundial.
Outra fonte da profunda injustiça de Israel em relação ao povo palestino é o fundamentalismo religioso promovido por fanáticos declaradamente fascistas, como Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, e Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional. Ambos se baseiam no livro bíblico de Josué, que afirma que Deus prometeu a terra aos filhos de Israel: “Do deserto do Neguebe, ao sul, até as montanhas do Líbano, ao norte, e do rio Eufrates, a leste, até o mar, a oeste” (Josué 1:4).
Em seu recente discurso na ONU, Netanyahu reafirmou a reivindicação de Israel à terra com base em fundamentos bíblicos:
“Quando falei aqui no ano passado, disse que enfrentamos a mesma escolha eterna que Moisés colocou diante do povo de Israel há milhares de anos, quando estávamos prestes a entrar na Terra Prometida. Moisés nos disse que nossas ações determinariam se transmitiremos uma bênção ou uma maldição às gerações futuras!”
Netanyahu não apresentou evidências de sua conexão com o povo de Moisés, nem mencionou aos líderes (a maioria dos quais deixou a sala) que Moisés havia iniciado uma campanha genocida pela Terra Prometida, conforme registrado em Deuteronômio (31):
“[O Senhor] destruirá essas nações diante de você, e você as expulsará. Josué é quem passará à sua frente, como disse o Senhor. O Senhor fará com eles como fez com os reis Seom e Ogue dos amorreus e com a terra deles, quando os destruiu. O Senhor os entregará a você, e você fará com eles tudo o que ordenei.”
Licença bíblica para matar
Os fascistas em “Israel” acreditam que possuem uma licença bíblica e um mandato religioso para destruir o povo palestino. O herói bíblico deles é Josué, o líder dos filhos de Israel que sucedeu Moisés e conduziu as conquistas genocidas cometidas pelos filhos de Israel. Netanyahu também fez referência aos amalequitas, como outro caso de genocídio ordenado por Deus contra os supostos inimigos dos filhos de Israel. A Torá narra a conquista de Hebron por Josué (Josué 10):
“Então Josué e todo Israel com ele subiram de Eglom a Hebron, tomaram-na e passaram ao fio da espada, junto com o seu rei e todos os seus habitantes; assim como fizeram com Eglom, destruíram completamente e todos os que lá estavam.”
Essa narrativa de genocídio contém uma profunda ironia. É certo que não é precisa ou historicamente correta. Não há evidências de que os reinos dos filhos de Israel tenham surgido de um genocídio.
Os fundamentalistas judeus apegam-se a um texto do século VI a.C., que é uma reconstrução mitológica de “supostos” eventos de vários séculos anteriores, e uma forma de bravata política comum no antigo Oriente Próximo.
O problema aqui são os políticos israelenses do século XXI, os colonos ilegais e os fundamentalistas que desejam viver de acordo com a propaganda política de séculos a.C. e matar com base nela.
Os fundamentalistas violentos em “Israel” estão atrasados 2.600 anos em relação aos padrões de governança e ao direito internacional aceitáveis hoje. “Israel” está vinculado à Carta das Nações Unidas e às Convenções de Genebra, não ao Livro de Josué. De acordo com a recente decisão da Corte Internacional de Justiça e com a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que a apoia, Israel deve se retirar dos territórios palestinos ocupados no prazo de 12 meses.
Colonização europeia
O colonialismo de colonos europeus tomou emprestado o espírito e os preâmbulos da Bíblia hebraica. Os imigrantes europeus derivaram dela sua visão de mundo e moral, identificaram-se com o espírito das histórias judaicas e acreditaram estar deixando a Europa, que se assemelhava à prisão faraônica dos filhos de Israel (no Egito bíblico), em direção à “Terra Prometida” no Novo Mundo.
Os colonos escreveram um pacto em seu navio, semelhante ao pacto do deus “Yahweh” com os filhos de Israel, como narrado no “Antigo Testamento”, e emigraram na tentativa de estabelecer o “Novo Israel” no Novo Mundo. A ideologia dos colonos que fundou o conceito de “América”, equivalente inglês da ideia do “Israel mítico”, foi lançada com força para ocupar a terra alheia e substituir um povo por outro, e uma data histórica por outra. Cada um desses projetos é, em si, um genocídio.
Esses três genocídios e o princípio da ocupação, do deslocamento e da violência são os “valores compartilhados” entre os Estados Unidos e a entidade sionista, dos quais os sionistas da América e de Israel se vangloriam para justificar sua aliança, fornecendo acordos de armamentos e um arsenal de violência e genocídio.
Fonte: Al-Mayadeen
Tradução de Raphael Machado