A Crise de 2007: A Grande Fraude Capitalista Financeira

09.04.2024
A crise de 2007 destacou a resiliente influência do neoliberalismo, apesar das expectativas de declínio. Colin Crouch questiona essa “estranha não-morte” em seu livro, sugerindo que elites financeiras redirecionaram a culpa da crise do setor privado para o público, resultando em uma economia da fraude onde os ricos são subsidiados pelos pobres. Esse fenômeno reflete, conforme escreve Diego Fusaro neste artigo, a perpetuação das desigualdades sociais e econômicas, favorecendo uma classe dominante à custa das classes trabalhadoras e médias, numa demonstração clara do neoliberalismo como uma doutrina de poder e privilégio inabaláveis.

Apesar da crise sísmica de 2007, persiste uma pergunta que provavelmente permanecerá sem resposta. Colin Crouch condensou-a no título de seu livro de 2011, The Strange Non-Death of Neoliberalism (A estranha não-morte do neoliberalismo): por que o neoliberalismo ressurgiu mais forte da crise de 2007, da qual, na verdade, era de se esperar que saísse, no mínimo, enfraquecido?

Uma resposta plausível poderia ser a seguinte: as elites turbo-financeiras conseguiram fazer com que a crise, pela qual eram principalmente (se não exclusivamente) responsáveis, parecesse ter sido causada pelas ineficiências do setor público e pela dívida dos Estados. Com base nisso, manipulando habilmente o consenso da opinião pública, por meio do trabalho sempre zeloso do clero intelectual, as elites mencionadas conseguiram fazer com que o próprio Estado – e, portanto, o Público – pagasse pela crise: ou seja, fizeram com que os assalariados e os aposentados pagassem “generosamente” por ela, como se tivessem sido realmente responsáveis pelo fracasso do sistema financeiro.

Dessa forma, o sistema capitalista, com sua relação social assimétrica baseada em vínculos de senhorio e servidão, não se limitou a gerar os pobres como sempre fez, mas, evidentemente com a crise, forçou-os a subsidiar os próprios ricos por meio de uma autêntica e genuína economia da fraude. Por meio dela, desencadeou transferências concretas de propriedade e poder para aqueles que, de cima, mantiveram seus recursos intactos e estão em condições de administrar o crédito. Não há imagem que esclareça melhor a situação do que a usada por Robert H. Frank e Philip J. Cook para intitular seu estudo, The Winner-Take-All Society.

A propósito, a fabula docet é que afirmar – como fazem paroxisticamente os cantores hedonistas do livre mercado – que, a longo prazo, o sistema econômico produz seu próprio equilíbrio constitui uma posição falsa, pois – como Hegel já apontou – até mesmo a peste cessa em um determinado momento, mas, enquanto isso, centenas de milhares são suas vítimas. Além desse argumento em apoio à necessidade de regulamentação política da fera do mercado, Hegel mobilizou outro: os liberais fazem profissão de fé no individualismo, mas são precisamente os primeiros a sacrificar o bem-estar do indivíduo no altar do poder do mercado e do equilíbrio econômico. Eles se esquecem de que não é o mercado, como uma entidade abstrata, mas apenas o indivíduo, como uma particularidade, que representa um fim e que é o detentor de direitos.

No contexto da crise de 2007, “Salvem os bancos” foi o novo e indecente slogan repetido pelas elites e, sobretudo, por seus políticos e intelectuais de referência. Como se fosse uma nova religião asteca alimentada por sacrifícios humanos, em nome do liberalismo a resolução de todos os problemas poderia esperar, mas o apelo solene para ajudar os bancos em dificuldades tornou-se o novo imperativo categórico a ser obedecido imediatamente. E isso também se deu graças à nova propagação imaginária urbi et orbi; um imaginário para o qual, basicamente, era mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo (fiat profitus, pereat mundus).

De acordo com uma prática bem estabelecida que está totalmente inscrita no modus operandi da ideologia, os mestres do discurso e do circo da mídia optaram por inverter a realidade e atribuíram a responsabilidade pela crise das finanças privadas ao Estado, lançando assim as bases necessárias para tornar possível atacá-lo de frente e saqueá-lo sem restrições.

A narrativa, inventada pelos anestesistas do consenso e pelos administradores das superestruturas após 2007, pode ser resumida da seguinte forma: foi o aumento da Dívida Pública que causou a crise, portanto é justo e necessário reclamar contra o Estado. Por outro lado, os cataclismos das finanças especulativas e do capital fictício não devem ser objeto de debate, quase como se nunca tivessem acontecido. Além disso, o “teorema da dívida pública” se mostra funcional aos processos neoliberais de dessoberanização do Estado nacional e à transferência simultânea e contextual da soberania do Estado (e da política) para o sistema bancário (e a economia). Nas palavras de Mario Draghi, expoente máximo da classe global e protagonista – como presidente do BCE – das manobras mencionadas acima, “um país perde a soberania quando o nível da dívida é tal que qualquer decisão passa pelo escrutínio dos mercados, ou seja, de atores que não votam, mas determinam os processos”.

Essa situação, surrealista para dizer o mínimo, foi, por outro lado, a prova palpável, como sugeriram Dardot e Laval em Guerra alla democrazia, de que, na estrutura do neoliberalismo, todo obstáculo se torna uma oportunidade, toda tragédia coletiva um triunfo para a elite dominante. A crise financeira foi montada para direcionar a ofensiva contra o Estado e contra os salários, contra o público e, em suma, contra as classes subalternas que vivem de seu próprio trabalho.

Esse também é o quid proprium da ordem neoliberal: garantir que os Senhores do Grande Negócio desfrutem dos benefícios da globalização sem ônus, muitas vezes tirando proveito de um sistema tributário que tende a zero, em que os perdedores da globalização – os “glebalizados” – são os únicos que pagam a conta em nome de todos, por meio da iníqua transferência de toda a carga tributária para os ombros das famílias pobres e das classes médias empobrecidas. O neoliberalismo, a fase suprema da hegemonia das classes dominantes e do novo espírito do capitalismo, apresenta-se, portanto, também na forma de uma fé fanática e de uma religião fundamentalista da economia capitalista; uma fé em virtude da qual – no triunfo de um credo quia absurdum privado de transcendência – o mercado está sempre certo por princípio, mesmo quando está flagrantemente errado.

A fé fanática do fundamentalismo econômico, essencial à ordem neoliberal, baseia-se em uma naturalização ideológica da troca mercantil, elevada à condição de um dom apriórico da mente humana (uma forma mentis natural e eterna) e, ao mesmo tempo, a uma prática relacional natural entre indivíduos, concebidos, por sua vez, como átomos de livre comércio. Se, em A Riqueza das Nações (1776), Adam Smith já apresentava a livre troca como um quid proprium da natureza humana (“ninguém jamais viu um cão fazer com outro cão uma troca deliberada e justa de um osso por outro osso”), Milton Friedman vai além. E ele se aventura a estender a atividade de livre troca até o próprio fundamento das relações humanas: “a atividade econômica não é, de forma alguma, a única área da vida humana em que uma estrutura complexa e sofisticada surge como consequência não intencional da cooperação de um grande número de indivíduos, cada um buscando seus próprios interesses”.

Nesse sentido, a fórmula – entre as preferidas pelo discurso neoliberal – “trabalhar para sustentar a Dívida Pública” significa, nem mais nem menos, do que trabalhar para pagar juros usurários aos mercados financeiros, privando a economia real dos escassos resíduos de riqueza que os mercados financeiros ainda não conseguiram “desmaterializar” e tornar seus. Os Estados, privados de sua moeda soberana, são obrigados a pagar juros altíssimos pelos empréstimos obtidos nos mercados financeiros, o que determina o crescimento ininterrupto da Dívida Pública. Essa, e certamente não o custo excessivo do Estado de bem-estar social, é a verdadeira causa da Dívida Pública, cujo aumento calculado visa aniquilar, em perfeito estilo neoliberal, os resíduos do assistencialismo e dos gastos públicos, favorecendo a completa privatização do mundo da vida.

A rigor, o que foi dito acima é uma prova dificilmente refutável da afirmação de Ezra Pound de que “uma nação que não quer se endividar faz os usurários se enfurecerem”, bem como da necessidade vital de nacionalização dos bancos para reduzir a dívida pública e se libertar das famas auri sacra dos mercados financeiros. O caso do Japão continua sendo exemplar. Ele tem uma moeda soberana e, apesar de ter uma dívida pública bastante alta, não está sujeito aos ataques vorazes da especulação financeira. De fato, por um lado, o Japão é garantido por seu próprio Banco Central, que atua como “emprestador de última instância” e, por outro lado, 95% da dívida pública japonesa está nas mãos dos japoneses e não de especuladores.

Disso também decorre o caráter governamental da crise: governar por meio de uma crise – um dos pilares da razão neoliberal – significa administrá-la como uma arma em benefício das classes dominantes que vivem do capital e contra as classes dominadas que vivem do trabalho. De fato, não há crise que não seja explorada pelo capital e por seus governos servis para acelerar e intensificar a transformação da economia em benefício das classes dominantes, eliminando todos os limites ainda existentes e, portanto, enfraquecendo específica e gradualmente a esfera do público e do Estado.

Se o neoliberalismo não apenas não implode, mas se fortalece, mesmo após as contínuas catástrofes que gera, é também porque consegue continuamente mudar o mundo (no sentido capitalista, é claro), adaptando-o às demandas do mercado e exercendo (também nesse caso de forma capitalista, ou seja, em benefício da classe dominante) a hegemonia teorizada por Gramsci: Do Instituto Cato à Heritage Foundation, do Instituto Adam Smith ao Instituto de Assuntos Econômicos, da Sociedade Mont Pelerin ao Grupo Bilderberg e à Comissão Trilateral, o capitalismo triunfa também graças à sua hegemonia cultural, ou seja, por meio da dominação combinada com o consenso que consegue impor a todos aqueles que, na verdade, deveriam ter todo o interesse em se rebelar contra ele.

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