"Unidos pelo Ódio"

04.02.2014

"Unidos pelo Ódio"
Manuel Ochsenreiter.: Prof. Dugin, a mídia de massas Ocidental e políticos do establishment descrevem a recente situação na Ucrânia como um conflito entre a aliança de oposição  pro-Européia, democrática e liberal de um lado e um regime autoritário com um ditador como presidente no outro lado. O senhor concorda?
Dugin: Eu conheço essas histórias e considero esse tipo de análise completamente errada. Nós não podemos dividir o mundo ao estilo de Guerra Fria. Não existe um ‘mundo democrático’ que se coloca contra um ‘mundo anti-democrático’, como muito da mídia Ocidental relata.
 M.O.: O seu país, a Rússia, é um dos centro do chamado ‘mundo anti-democrático’ se acreditarmos na nossa mídia de massas. E lemos que a Rússia, com o presidente Vladimir Putin, tenta intervir na política interna ucraniana...
Dugin: Isso é completamente errado. A Rússia é uma democracia liberal. Dê uma olhada na constituição russa: nós temos um sistema eleitoral democrático, um parlamento funcional, sistema de livre mercado. A constituição é baseada no padrão Ocidental. Nosso presidente, Vladimir Putin, governa o país de maneira democrática. Nós não somos uma monarquia, nós não somos uma ditadura, nós não somos um regime comunista soviético.
M.O.: Nossos políticos na Alemanha chamam Putin de ‘ditador’.
Dugin: (Risadas) Fundamentados em que?
M.O.: Por causa de suas leis-LGBT, seu apoio à Síria, os processos contra Michail Chodorchowski e o ‘Pussy Riot’...
Dugin: Então eles o chamam de ‘ditador’ porque eles não gostam da mentalidade russa. Todos os pontos que você citou são completamente legítimos democraticamente. Não há sequer um elemento ‘autoritário’. Então nós não devemos confundir isso: mesmo que você não goste da política russa, você não pode negar que a Rússia é uma democracia liberal. O presidente Putin aceita as regras democráticas do nosso sistema e as respeita. Ele nunca violou uma única lei. Então a Rússia é parte do campo democrático liberal e o padrão da Guerra Fria não funciona para explicar a crise ucraniana.
 
 
M.O.: Então como nós podemos descrever esse conflito violento e sangrento?
 
 
Dugin: Nós precisamos de uma análise geopolítica e civilizacional muito clara. E nós temos que aceitar fatos históricos, mesmo que nesses dias eles não estejam em voga.
 
 
M.O.: O que o senhor quer dizer?
 
 
Dugin: A Ucrânia atual é um Estado que nunca existiu na história. É uma entidade recentemente criada. Esta entidade tem pelo menos duas partes completamente diferentes. Essas duas partes têm diferentes identidades e culturas. Há a Ucrânia ocidental que está unida com a identidade do Leste Europeu. A vasta maioria das pessoas vivendo na Ucrânia ocidental se consideram como Leste Europeus. E essa identidade é baseada na rejeição completa de qualquer ideia pan-Eslávica junto da Rússia. Russos são considerados inimigos existenciais. Nós podemos colocar assim: eles odeiam os russos, a cultura russa e claro, a política russa. Isso é parte importante da identidade deles.
 
 
M.O.: O senhor, como russo, não fica chateado com isso?
 
 
Dugin: (Risadas) De maneira alguma! É uma parte da identidade. Isso não necessariamente significa que eles querem guerrear contra nós, mas eles não gostam de nós. Nós devemos respeitar isso. Veja, os estadounidenses são odiados por muito mais gente e eles também aceitam isso. Então quando os Ucranianos ocidentais nos odeiam, não é bom nem ruim – é um fato. Vamos simplesmente aceitar isso. Nem todo mundo tem que nos amar!
 
 
M.O.: Mas os ucranianos do leste gostam mais de vocês russos!
 
 
Dugin: Não tão rápido! A maioria das pessoas vivendo na parte oriental da Ucrânia compartilham uma identidade comum com o povo russo – histórica, civilizacional e geopolítica. A Ucrânia Oriental é um país absolutamente russo e eurasiano. Então existem duas Ucrânias. Nós vemos isso muitos claramente nas eleições. A população está dividida em qualquer questão importante. Especialmente quando se trata de relações com a Rússia nós presenciamos o quão dramático se torna esse problema: uma parte é absolutamente anti-Rùssia, a outra parte absolutamente pró-Rússia. Duas sociedades diferentes, dois países diferentes e duas diferentes identidades nacionais e históricas vivendo em uma entidade.
 
 
M.O.: Então a questão é: qual sociedade domina a outra?
 
 
Dugin: Essa é uma parte importante da política ucraniana. Nós temos duas partes e temos a capital, Kiev. Mas em Kiev nós temos as duas identidades. Não é a capital nem da Ucrânia Ocidental e nem da Ucrânia Oriental. A capital da parte ocidental é Lviv, a capital da parte oriental é Kharkiv. Kiev é a capital de uma entidade artificial. Estes são todos fatos importantes para entender o conflito.
 
 
 
M.O.: A mídia ocidental, assim como os ‘nacionalistas’ ucranianos iriam discordar fortemente do termo ‘artificial’ para o Estado ucraniano.
 
 
Dugin: Os fatos estão claros. A criação do Estado da Ucrânia dentro das fronteiras de hoje não foi resultado do desenvolvimento histórico. Foi uma decisão burocrática e administrativa da União Soviética. A República Socialista Soviética Ucraniana era uma das 15 repúblicas constituintes da União Soviética desde a sua inserção em 1922 até o seu fim em 1991. Durante essa história de 72 anos as fronteiras da república mudaram muitas vezes, com uma parte significativa do que agora é a Ucrânia ocidental sendo anexada pelo Exército Vermelho em 1939 e a adição da Criméia russa em 1954.
 
 
M.O.: Alguns políticos e analistas dizem que a solução mais fácil seria a partição da Ucrânia em um Estado Oriental e outro Ocidental.
 
 
Dugin: Não é tão fácil quanto parece porque nós teríamos problemas com minorias nacionais. Na parte ocidental da Ucrânia vivem hoje muitas pessoas que se consideram russas. Na parte oriental vive uma parte da população que se considera ucranianos ocidentais. Você vê: uma simples partição do Estado não iria realmente resolver o problema, mas até mesmo criar um novo. Nós podemos imaginar a separação da Criméia, porque essa parte da Ucrânia é um território populado puramente por russos.
 
 
M.O.: Por que parece que a União Europeia está muito interessada em ‘importar’ todos esses problemas para a sua esfera?
 
 
Dugin: [Isso] Não é do interesse de qualquer aliança europeia, é do interesse dos EUA. É uma campanha política dirigida contra a Rússia. O convite de Bruxelas para a Ucrânia se juntar ao Ocidente trouxe imediatamente o conflito com Moscou e o conflito interno da Ucrânia. Isso não é absolutamente surpreendente para ninguém que conheça sobre a sociedade e a história ucraniana.
 
 
M.O.: Alguns políticos alemães disseram que eles estavam surpresos com as cenas de Guerra Civil em Kiev...
 
 
Dugin: Isso diz mais respeito aos padrões de educação histórica e política dos seus políticos do que sobre a crise na Ucrânia...
 
 
M.O.: Mas o presidente ucraniano, Viktor Yanukovych rejeitou o convite do ocidente.
 
 
Dugin: Claro que rejeitou. Ele foi eleito pelo oriente pró-Rússia e não pelo ocidente. Yanukovych não pode agir contra os interesses da sua própria base eleitoral. Se ele aceitasse o convite Ocidental/[da]União Europeia, ele seria imediatamente um traidor aos olhos dos seus eleitores. Os apoiadores de Yanukovych querem a integração com a Rússia. Para colocar de forma clara: Yanukovych simplesmente fez o que era lógico para ele fazer. Sem surpresa, sem milagre. Simplesmente a política lógica.
 
 
M.O.: Há agora uma aliança política de oposição muito plural e colorida contra Yanukovych: Esse aliança inclui os típicos liberais, anarquistas, comunistas, grupos de direitos gays, também nacionalistas e até grupos neo-nazistas e hooligans. O que mantem esse diferentes grupos e ideologias juntos?
 
 
Dugin: Eles estão unidos por puro ódio contra a Rússia. Yanukovych é, aos olhos deles, é um proxy da Rússia, o amigo do Putin, o homem do oriente. Eles odeiam tudo relacionado à Rússia. Esse ódio os mantem juntos; esse é um bloco de ódio. Para colocar claramente: o ódio é a ideologia política deles. Eles não amam a União Europeia ou Bruxelas.
 
 
M.O.: Quais são os principais grupos? Quem está dominando as ações da oposição?
 
 
Dugin: São claramente os mais violentos grupos neo-nazistas do chamado Euromaidan. Eles incitam a violência e provocam uma situação de guerra civil em Kiev.
 
 
M.O.: A mídia de massas do ocidente alega que o papel desses grupos extremistas é dramatizado pela mídia pró-Rússia para difamar a totalidade da aliança de oposição.
 
 
Dugin: Claro que eles alegam. Como eles pretendem justificar [o fato de que] a União Europeia e os governos europeus apoiam extremistas, racistas e neo-nazistas fora das fronteiras da União Europeia enquanto que dentro dela eles tomam as ações mais melodramáticas e caras contra até mesmo os mais moderados grupos de direita?
 
 
M.O.: Mas como podem, por exemplo, os grupos de direitos gays e liberais de esquerda lutar juntamente com neo-nazistas que são reconhecidamente não muito receptivos a gays?
 
 
Dugin: Primeiramente, todos esses grupos odeiam a Rússia e o presidente russo. Isso faz deles camaradas. E os grupos liberais de esquerda não são menos extremistas do que os grupos neo-nazistas. Nós tendemos a pensar que eles são liberais, mas isso esta horrivelmente errado. Nós percebemos frequentemente, especialmente na Europa Oriental e na Rússia, que o Lobby Homossexual, os ultra-nacionalistas e os grupos neo-nazistas são aliados. O Lobby Homossexual também tem ideias muito extremistas sobre como deformar, reeducar e influenciar a sociedade. Nós não devemos nos esquecer disso. O lobby gay e lésbico não é menos perigoso para qualquer sociedade do que neo-nazistas.
 
 
M.O.: Nós conhecemos tal aliança também em Moscou. O blogger liberal e candidato a prefeito de Moscou, Alexei Navalny, era apoiado por essa aliança de organizações de direitos gays e grupos neo-nazistas.
 
 
Dugin: Exatamente. E essa coalizão [a favor de] Navalny também era apoiada pelo Ocidente. A questão é: [a preocupação] não está em nada relacionada com o conteúdo ideológico desses grupos. Isso não é de interesse do ocidente.
 
 
M.O.: O que o senhor quer dizer?
 
 
Dugin: O que aconteceria se organizações neo-nazistas apoiassem Putin na Rússia ou Yanukovych na Ucrânia?
 
 
M.O.: A União Europeia começaria uma campanha política; todas as imensas corporações de mídia massiva do ocidente iriam fazer a cobertura e escandalizar [o fato].
 
 
Dugin: Este é exatamente o caso. Então a questão é apenas sobre qual o lado que tais grupos apoiam. Se o grupo é contra Putin, contra Yanukovych, contra a Rússia, a ideologia desse grupo não é um problema. Se esse grupo apoia Putin, a Rússia ou Yanukovych, a ideologia imediatamente se transforma em um imenso problema. A questão é toda sobre qual campo geopolítico o grupo defende. Não é nada além de geopolítica. O que está acontecendo na Ucrânia é uma lição muito boa. A lição nos diz: a geopolítica está dominando aqueles conflitos e nada mais. Nós testemunhamos isso também em outros conflitos, por exemplo na Síria, na Líbia, no Egito, na região do Cáucaso, no Iraque, no Irã...
 
 
M.O.: Qualquer grupo alinhado ao Ocidente é um ‘grupo bom’ sem importar se ele é extremista?
 
 
Dugin: Sim, e qualquer grupo que se coloque contra o Ocidente – mesmo que esse grupo seja secular e moderado – será chamado de ‘extremista’ pela propaganda ocidental. Essa aproximação é exatamente o que domina os campos-de-batalha geopolíticos atualmente. Você pode ser o guerreiro salafista mais radical e brutal, você pode odiar judeus e comer órgãos humanos na frente de uma câmera, contanto que você lute pelo interesse ocidental contra o governo sírio, você será um respeitado e ajudado aliado do Ocidente. Quando você defende uma sociedade pluri-religiosa, secular e moderada, a propósito, [são] todos ideais do Ocidente, mas você toma a posição contra os interesses ocidentais, como o governo sírio, você é o inimigo. Ninguém está interessado no que você acredita, a questão é toda sobre qual campo geopolítico você escolheu, se você está certo ou errado aos olhos da Hegemonia Ocidental.
 
 
M.O.: Prof. Dugin, especialmente os grupos de oposição ucranianos se auto-denominando de’nacionalistas’ iriam discordar fortemente do senhor. Eles alegam: “Nós somos contra a Rússia e contra a União Europeia, nós tomamos uma terceira posição!”. A mesma coisa que ironicamente seria dita por um guerreiro salafista na Síria: “Nós odiamos estadounidenses tanto quanto o governo sírio!”. Existe algo como uma possível terceira posição na guerra geopolítica de hoje?
 
 
Dugin: A ideia de tomar uma terceira posição independente dos dois blocos dominantes é muito comum. Eu tive algumas interessantes entrevistas e conversas com a principal figura da guerrilha separatista da Chechênia. Ele me confessou que realmente acreditava na possibilidade de uma Chechênia Islâmica independente e livre. Mas depois ele entendeu que não existe uma ‘terceira posição’, sem possibilidades para isso. Ele entendeu que luta contra a Rússia ao lado do Ocidente. A mesma terrível verdade acerta os ‘nacionalistas’ ucranianos e os guerreiros árabes salafistas: Eles são proxies ocidentais. Pra eles é difícil aceitar porque ninguém gosta da ideia de ser um idiota útil de Washington.
 
 
M.O.: Para falar claramente: a ‘terceira posição’ é absolutamente impossível?
 
 
Dugin: Sem possibilidades para isso atualmente. Na geopolítica existe o poder terrestre e o poder marítimo. Hoje o poder terrestre é representado pela Rússia, o poder marítimo por Washington. Durante a 2ª Guerra Mundial a Alemanha tentou impor uma terceira posição. Esta tentativa foi baseada precisamente nesses erros políticos que estamos conversando agora. A Alemanha entrou em guerra contra o poder marítimo representado pelo Império Britânico e contra o poder terrestre representado pela Rússia. Berlim lutou contra as principais forças mundiais e perder a guerra. O fim foi a completa destruição da Alemanha. Então quando mesmo a vigorosa e forte Alemanha daquela época não foi forte o suficiente pra impor a terceira posição, como os grupos muito menores e mais fracos querem fazer isso hoje? É impossível, é uma ilusão ridícula.
 
 
M.O.: Qualquer pessoa que alega lutar por uma ‘terceira posição’ independente hoje é um proxy do Ocidente?
 
 
Dugin: Na maioria dos casos, sim.
 
 
M.O.: Moscou parece muito passive. A Rússia não apoia nenhum proxy, por exemplo, nos países da União Europeia. Por que?
 
 

Dugin: A Rússia não possui uma agenda imperialista. Moscou respeita a soberania e não interferiria na política interna de nenhum outro país. E esta é uma política honesta e boa. Nós vemos isso mesmo na Ucrânia. Nós vemos muito mais políticos da União Europeia e até mesmo políticos estadounidenses e diplomatas viajando para Kiev para apoiar a oposição do que políticos russos apoiando Yanukovych na Ucrânia. Nós não devemos nos esquecer que a Rússia não tem qualquer interesse hegemônico na Europa, mas os estadounidenses têm. Falando francamente, a União Europeia não é uma entidade genuinamente europeia – é um projeto imperialista transatlântico. Ela não serve o interesse dos europeus, mas os interesses da administração de Washington. A ‘União Europeia’ é em realiadde anti-europeia. E o ‘Euromaidan’ é em realidade ‘anti-Euromaidan’ – eles são puramente proxies estadounidenses. A mesma cosia serve para os grupos de direitos homossexuais e organizações como o FEMEN ou os grupos liberais de esquerda.
 
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