O Problema do Mal e as Perspectivas da Quarta Teoria Política

16.08.2022
A Quarta Teoria Política possui uma dimensão metafísica incontornável pautada na negação da modernidade e reconexão com a dimensão do sagrado. Por isso, o entendimento do problema filosófico do mal faz parte das camadas profundas, mas essenciais, da Quarta Teoria Política.

O projeto da Grande Europa, expressão do “Manifesto de Chisinau”, pode e deve ser o ponto de partida fundamental para o despertar dos povos europeus condenados à insignificância política por mais de setenta anos de ocupação colonial estadunidense. Privada de autonomia e de sua identidade espiritual e cultural, a Europa é vítima de um fenômeno de despolitização que distorceu até seus fundamentos o conceito de política e a dicotomia amigo/inimigo inerente a ela. A deformação liberal da linguagem é a armadilha que, de acordo com Carl Schmitt, reduziu a ideia de “inimigo” à mera competição econômica. A identificação no liberalismo do “mal” (como escola de pensamento orientada para a negação de enunciados absolutos), faz da Quarta Teoria Política a base metafísica sobre a qual estabelecer sua própria luta revolucionária e cultural contra o mundo moderno. Uma luta que, parafraseando Martin Heidegger, em vez de se limitar à conservação (também um fenômeno puramente moderno), deve tomar a forma de um retorno (Ruckker) ao lugar da superação da metafísica: isto é, onde o pensamento europeu tomou o caminho da modernidade.

O filósofo e místico russo Vladimir Solovyev, na introdução a seu texto seminal Os Três Diálogos e o Conto do Anticristo, perguntou o que era realmente o mal e o que determinava sua presença no mundo. “O que é o mal, apenas um defeito da natureza, uma imperfeição que se desvanece por si mesma à medida que a bondade cresce, ou uma força real que domina o mundo através de suas atrações, de modo que para superá-lo é necessário confiar em outra ordem de ser?”[1].

No centro da reflexão de Solovyev estava tanto a questão da essência do mal como imperfeição ou acidente, quanto a determinação de sua origem e as formas espirituais de combatê-lo.

A literatura patrística cristã é rica em contribuições fundamentais sobre este assunto. Em particular, Santo Agostinho, em De civitate Dei, identifica o mal no “pecado” e no orgulho como o início de todo pecado. “O início da má vontade foi certamente o orgulho”. E o orgulho é o desejo de superioridade em sentido contrário. Na verdade, a pessoa tem superioridade ao contrário quando, tendo abandonado a autoridade à qual deve aderir, torna-se e é de certa forma uma autoridade para si mesma. Acontece quando alguém se torna desordenadamente um fim em si mesmo. E é um fim para si mesmo quando se desprende do bem imutável”[2].

Agora, com base nesta interpretação, o mal pode ser interpretado e compreendido principalmente como a desunião do homem em relação a Deus, o que produz a ausência do bem. Como disse o escritor e político espanhol, que inspirou Carl Schmitt, e que por sua vez foi inspirado por Santo Agostinho, Juan Donoso Cortés: “a origem do mal consiste em separar-se do bem; negá-lo, distanciando-se dele”[3]. O intelecto humano, como resultado do livre-arbítrio, separou-se da mente divina. Ela se separou da Verdade. Ao fazer isso, o homem não mais gravita em torno de Deus, seu Polo, mas em torno de si mesmo. O mal, portanto, é um acidente e não uma essência. Ele existe porque se não existisse, a liberdade humana seria inconcebível.

E o mal é o produto da queda do anjo. De fato, segundo São João Damasceno: “Os anjos, como os homens, sendo dotados de razão, são livres e, sendo criados, também são mutáveis. Isto é demonstrado, por um lado, pelo demônio – criado bom pelo Criador e livremente transformado no inventor do orgulho e da malícia – e pelas potestades que se rebelaram com ele, e por outro lado, pelas ordens angélicas que permaneceram no bem”[4]. Os anjos e os homens perturbaram assim a ordem e, rebelando-se contra seu criador, criaram desordem. Adão, em sua dupla personificação do homem e de toda a espécie, através do pecado original (um único pecado que, ao mesmo tempo, os abraçou a todos juntos) condenou o homem ao exílio de sua condição paradisíaca-polar. Se o bem supremo, como Donoso Cortés relata novamente, consiste em manter esse nexo recíproco estabelecido por Deus na criação, é evidente que a desordem, ou o mal por excelência, reside em destruir esse “maravilhoso nexo e essa harmonia sublime”[5]. O bem supremo, portanto, consiste na associação de seres livres e inteligentes com Deus. Enquanto que a negação de Deus pelo homem consiste no maior sucesso do “mal”.

Agora, o liberalismo, a ideologia que triunfou sobre as outras duas ideologias produzidas pela modernidade (comunismo e fascismo), nega em sua totalidade o caráter extrinsecamente teológico inerente a qualquer questão política séria. A escola liberal é imprópria para o bem porque lhe faltam princípios dogmáticos. Ela despreza a teologia e não compreende a estreita relação entre o humano e o divino. Ela despreza a religião porque, baseada nos princípios do racionalismo e da filosofia positivista, tende a equiparar irracionalidade e irracionalismo à religião (que não é nem irracional nem irracionalista). A negação de Deus implica inevitavelmente a negação do pecado e, consequentemente, niilismo. A escola liberal alcançou a vitória sobre Deus através do triunfo do niilismo[6]. A negação do pecado é expressa através do triunfo da classe mercantil (marginalizada) que desmantelou o tradicional sistema trifuncional das sociedades indo-europeias (Reis/Sacerdotes – Guerreiros – Trabalhadores).

A heresia protestante, que está na raiz do triunfo do liberalismo, é também “a fonte de toda revolução destinada a minar a ordem civil”[7]. A este respeito, René Guénon, consciente da ênfase do liberalismo no indivíduo (o indivíduo é o sujeito cartesiano do liberalismo como teoria política), afirma: “a tendência moderna, como a vemos afirmada no protestantismo, é sobretudo a tendência ao individualismo, que se manifesta claramente pelo livre exame, a negação de toda autoridade espiritual legítima e tradicional […]. O individualismo, assim entendido na ordem intelectual, tem como consequência inevitável o que se poderia chamar de humanização da religião, que termina por degenerar em religiosidade, ou seja, por ser agora uma mera questão de sentimento, um conjunto de aspirações vagas sem um objeto definido; o sentimentalismo é, por assim dizer, complementar ao racionalismo”[8].

A modernidade, juntamente com a Reforma Protestante (seu inevitável produto), provocou a ruptura da unidade espiritual europeia. E a história da Europa foi fundada ao mesmo tempo sobre a pluralidade de suas culturas e a singularidade de suas autoridades espirituais[9].

Foi estabelecido que o mal, como negação de Deus, é o princípio fundador da modernidade. Não é difícil argumentar que a manifestação do Anticristo, como figura político-filosófica, constitui, por sua vez, “a essência da fase final através da qual a filosofia política da modernidade evolui para a filosofia política da pós-modernidade”[10]. Ou seja, como isto é parte integrante de uma perspectiva filosófica na qual o homem, separado da Verdade e de seu Criador, torna-se vítima do mal entendido como uma força demoníaca que, incapaz de criar, procura fazer do homem um simulacro de si mesmo, enquanto destrói toda instituição de essência divina (principalmente a família).

Uma perspectiva que encontra seus fundamentos no manifesto da esquerda imperialista e pós-marxista Império: a obra de Toni Negri e Michael Hardt na qual se exalta a hibridização do homem e da máquina, o cosmopolitismo cultural, a imigração descontrolada como fenômeno revolucionário, e na qual a própria reprodução humana é concebida como um fenômeno contrário ao progresso[11]. Ideias herdadas em alguns aspectos do supermoralismo cosmista de Nikolai Fedorov, que buscava superar a morte e combater as forças da natureza, eletrificando toda a superfície da terra.

Diante de tal estado de coisas, torna-se necessário, dentro da elaboração filosófica da Quarta Teoria, assumir uma perspectiva metafísica destinada a superar a condição de Sujeito-Exílio do homem e reuní-lo com a dimensão do sagrado.

Neste sentido, a identificação do Sujeito da Quarta Teoria com o Dasein (Ser-aí) heideggeriano é de fundamental importância. E, ao mesmo tempo, é necessário identificar o momento em que a metafísica europeia traiu sua essência, transformando-se em sua moderna antiessência baseada na negação do divino.

Neste sentido, além da abordagem histórica geralmente aceita, René Guénon faz com que o início da era moderna coincida com os acontecimentos ocorridos entre 1300 e 1314; ou seja, a destruição da Ordem do Templo, a consequente perversão da doutrina iniciática e a misteriosa morte do Imperador Henrique VII de Luxemburgo[13] (um dos expoentes mais importantes daquela Tradição guibelina que Julius Evola definiu como “a esplêndida primavera da Europa cortada na raiz”[14]).

A superação da condição de Sujeito-Exílio, o sofrimento devido ao pecado original e a queda que o afastou de Deus, é a tarefa inescapável do Dasein como Sujeito da Quarta Teoria.

Damasceno escreve: “adoramos a Deus ansiando pela Pátria Antiga e voltando nossos olhos para ela”[15]. Diz-se nas Sagradas Escrituras: “Deus plantou um jardim no Éden, no Oriente, e colocou ali o homem que havia formado, mas depois o expulsou depois que ele transgrediu e o fez habitar em frente ao jardim das delícias, ou seja, no Ocidente”.

Nos textos sagrados do cristianismo, a identificação do Ocidente como uma terra de exílio já aparece em plena força; uma terra do invisível, do crepúsculo e da morte, como Martin Heidegger apontou com razão.

Uma ideia semelhante do Ocidente também está presente no misticismo persa de Suhrawardi e no simbolismo do Conto do Exílio Ocidental, no qual o Ocidente (terra do por do sol) é contrastado com o Oriente das Luzes. “Ishraq é o nome verbal para o esplendor, o brilho do sol ao nascer”[16]. Somente a iniciação leva o místico de volta do Ocidente para sua origem, para seu Oriente.

Conjunção sincrética de hermetismo, platonismo, islamismo e zoroastrismo, o misticismo suhrawardi tem um antecedente europeu na elaboração teórica do filósofo bizantino Gemisto Pletão baseado na interpretação dos arquétipos platônicos em termos de angelologia zoroastriana.

O Oriente é, portanto, o lugar do ser-nós (Dasein). É o lugar do Ereignis (Evento) que levará à superação da condição de exilado do sujeito. As Sagradas Escrituras já dizem: “como o relâmpago vem do Oriente e brilha no Ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem”.

A experiência mística que visa um reencontro com Deus não pode prescindir de uma adequada preparação filosófica do intelecto. A lembrança (Einkehr) é um pré-requisito essencial para embarcar no caminho do “retorno”. E o recolhimento é o pré-requisito pelo qual a alma, atraída por Deus em si mesma, é transformada nele para se tornar parte do divino. O místico alemão Meister Eckhart afirma: “através do intelecto Deus se manifesta e no intelecto Deus se manifesta, no intelecto Deus se derrama em si mesmo, no intelecto Ele se derrama em todas as coisas, no intelecto Ele criou todas as coisas”. Uma perspectiva não muito diferente, mas intimamente ligada à do citado Vladimir Solovyev, segundo o qual o conhecimento intelectual não é suficiente e a ascese, como movimento interior da vontade centrado na aversão ao mal e no desprendimento dele, é o pressuposto necessário para a conversão ao divino[18].

A reapropriação da dimensão do sagrado, por sua vez, é um pré-requisito para o reposicionamento da Europa em sua localização espiritual natural e, portanto, para a conquista dessa plena soberania cuja origem e natureza, como o filósofo político francês Joseph De Maistre declarou em seu estudo da soberania, como qualquer forma tradicional de governo, é uma construção divina. “Toda constituição é uma criação no sentido pleno da palavra, e toda criação está fora dos poderes humanos”[19].

A força da Quarta Teoria Política deve, portanto, concentrar-se em sua capacidade não apenas de condenar a realidade imposta pela modernidade e seu progressismo demoníaco, mas também e sobretudo em seu potencial como instrumento filosófico para sua abolição. Pois qualquer pensamento que condene a realidade sem poder aboli-la logo se revela falacioso, fraco, instável e infiel antes de tudo a si mesmo.

Notas
[1] V. Solov’ev, I tre dialoghi e il racconto dell’Anticristo, Marietti Editore, Genova 1996, p.35.
[2] Sant’Agostino, De civitate Dei, XIV, 13,1.
[3] J. Donoso Cortes, Saggio sul cattolicesimo, il liberalismo e il socialismo, Il Cerchio, Rimini 2007, p. 23.
[4] San Giovanni Damasceno, Sulla fede ortodossa, Città Nuova – Collana di Testi Patristici a cura di A. Quacquerelli, Roma 1998, p. 105.
[5] Saggio sul cattolicesimo, il liberalismo e il socialismo, ivi cit., p. 48.
[6] A. Dugin, Alcuni suggerimenti riguardanti le prospettive per la Quarta Teoria Politica in Europa, su www.geopolitica.ru
[7] Saggio sul cattolicesimo, il liberalismo e il socialismo, ivi cit., p. 55.
[8] R. Guénon, Simboli della Scienza Sacra, Adelphi Edizioni, Milano 1975, p. 371.
[9] Alcuni suggerimenti riguardanti le prospettive per la Quarta Teoria Politica in Europa, ivi cit.
[10] A. Dugin, The fourth political theory and the problem of the devil, su www.geopolitica.ru
[11] T. Negri – M. Hardt, Impero, BUR – Biblioteca Universale Rizzoli, Milano 2003.
[12] A. Dugin, Russia segreta, Edizioni all’insegna del Veltro – Collana Elettrolibri, Parma 2004.
[13] R. Guénon, L’esoterismo di Dante, Adelphi Edizioni, Milano 2001, p. 77.
[14] J. Evola, Rivolta contro il mondo moderno, Edizioni Mediterranee, Roma 1998, p. 350.
[15] Sulla fede ortodossa, ivi cit., p. 201.
[16] H. Corbin, Storia della filosofia islamica, Adelphi Edizioni, Milano 1973, p. 201.
[17] M. Eckhart, Sermoni tedeschi, Adelphi Edizioni, Milano 1985, p. 81.
[18] V. Solov’ev, I fondamenti spirituali della vita, Edizioni Lipa – Il Mantello di Elia, Roma 1998, p. 34.
[19] J. De Maistre, Scritti politici. Studio sulla sovranità e il principio generatore delle costituzioni politiche, Cantagalli Editore – Classici Cristiani, Siena 2000, p. 43.