Geopolítica da Grande Guerra Patriótica
Problema Nacional Russo
Em 1922, vitoriosa da guerra civil, a Rússia vermelha torna-se uma das Repúblicas Socialistas Soviéticas, se ao longo do período da vida de Lênin, houve um atendimento as reivindicações de declaração de independência das etnias minoritárias do Império Russo, este carácter de centralidade regional, volta a existir no período de Stalin.
Existe uma obra célebre de J.V. Stálin sobre a questão da nacionalidade no marxismo, chamada de “O Marxismo e o Problema Nacional” de 1913.
Nesse mesmo sentido de despertar das nacionalidades atuou também o “regime constitucional”, instaurado durante esse período. O desenvolvimento dos jornais e da literatura em geral, certa liberdade de imprensa e das instituições culturais, o desenvolvimento dos teatros populares, etc. contribuíram sem dúvida alguma para fortalecer os “sentimentos nacionais”. A Duma, com sua campanha eleitoral e seus grupos políticos, reanimou as nacionalidades, deu nova e ampla possibilidade para mobilizá-las. (STALIN, 1913)
O fundamento geopolítico manteve-se o mesmo, a Europa Oriental e a Ásia menor sofreriam os processos inerentes à revolução socialista, porém, nas regiões onde o Império Russo, dantes praticava sua política imperial e de projeção geográfica ao sul do seu território, em busca do litoral e das águas quentes e navegáveis.
De modo consciente ou não, a Rússia soviética manteve a sua projeção geoestratégica para a “Hearthland”, conceito geográfico de Mackinder que designa o território do Império czarista, que envolve Europa e Ásia menor, obviamente que uma união política não se formaria aos moldes czaristas, pois não se tratava mais da Terceira Roma, mas da Terceira Internacional.
A Terceira Roma é um conceito teológico ortodoxo do século XVI, onde os conventos desenvolveram uma visão de mundo acerca do Governo de Deus, haveria uma primeira Roma, a imperial, que cai com a invasão dos bárbaros, a segunda é destruída com a invasão dos infiéis pelo Império Turco Otomano e destrói o reino de Constantinopla, a terceira seria São Petersburgo, com o dever de evangelizar os povos pagãos de toda a Ásia e Europa Oriental.
Por outro lado, o ateísmo marxista jamais compactuaria com este slogan, era necessário outra visão de mundo, a da internacional socialista, a união de todos os povos, a igualdade entre as nacionalidades, unidos pela base produtiva socialista em caminho do comunismo.
As características simbólicas deste brasão são, duas águias, cada uma com um lado da cabeça virado para uma direção, uma representa a integração europeia, a outra asiática, em uma das patas existe uma chave da cidade, que representa o poder temporal, na outra uma coroa com a Cruz, que representa o poder atemporal da Igreja ortodoxa, no meio a imagem de São Jorge, o santo mais venerado no país.
Joséf Stalin, até maio de 1924, estava em comunhão com os argumentos de Lênin e Trotsky acerca das condições do sucesso da revolução socialista, pois a vitória do socialismo somente na Rússia, seria um período transitório, mas que a base produtiva socialista precisaria de uma integração internacional, dependendo da revolução proletária nos países de economia capitalista.
Em meio as disputas internas do Partido Comunista da União Soviética, Stálin muda sensivelmente seu posicionamento sobre a questão nacional, que seguia uma sequência lógica muito parecida seja na sua obra acerca do problema colonial de 1913 ou em “Fundamentos do Leninismo”, em maio de 1924.
Em dezembro ele começa suas primeiras refutações daquilo que chamaria de “Trotkysmo”, na sua obra “A Revolução de Outubro e a Tática dos Comunistas Russos”, deste texto que surge a ideia do socialismo em um só país, em abril de 1925, com base neste trabalho, ele defende na 14a Conferência do Partido Comunista Russo, a mesma ideia de construir primeiro o socialismo na Rússia e em toda a União Soviética.
Não é objetivo deste texto, exprimir quais as rupturas e continuidades do período pré e pós revolucionário na Rússia, mas com base na visão da geografia física e política de Mackinder encontramos elementos estruturais da relação do Estado com o espaço no leste europeu, que denotam similaridades na longa história da Rússia, seja no período imperial ou revolucionário.
A Geopolítica da Grande Guerra Patriótica
A Segunda Guerra Mundial sofreu uma interpretação nacionalista no período de Stalin, na União Soviética, é notório que a tese do espaço vital germânico, pensava uma reinterpretação do espaço europeu, diferente daquele proposto pelo Tratado de Versalhes.
A colonização dos territórios do leste europeu, bem como criação de campos de trabalho forçado, era uma das bases econômicas prometidas por Hitler, desde Mein Kampf, seria a base agrícola do Terceiro Reich; para Hitler de fato era uma guerra entre raças e povos.
Porém, é curioso para toda a historiografia o nome da “Grande Guerra Patriótica”, dentro do universo econômico do marxismo poderia se pensar uma guerra entre classes, sem a resposta deste problema não se entende Stálin e o socialismo soviético e muito menos a história geral da Rússia.
A nação só se forma como resultado de um conjunto de relações duradouras e regulares, como resultado de uma vida em comum dos homens, de geração em geração. E esta vida duradoura conjunta não é possível sem um território comum. Antigamente ingleses e norte-americanos povoavam um só território – Inglaterra – e formavam uma só nação. Mais tarde, uma parte dos habitantes da Inglaterra emigrou desse país para um novo território, a América do Norte e aí, no decorrer do tempo, formou uma nova nação, a norte-americana. Territórios diversos determinaram a formação de nações diversas. (STALIN, 1913)
Nesta citação, identifica-se um conhecimento de Stálin acerca do problema que propunha a escrever e que estas conclusões surgem antes de ser um Chefe de Estado e demonstra uma discussão dentro da dialética do universal com o particular, algo que o raciocínio dialético busca desde Hegel.
Outrora, voltando para a geografia política, nos anos 30 do século passado, com a emergência da Alemanha nazista e de uma diferenciação objetiva entre a Europa Ocidental que ainda vivia sob uma base econômica capitalista e a oriental de viés socialista, identifica-se uma geopolítica multipolar a nível de continente europeu, tendo o Reino Unido e França de um lado, Alemanha e Itália de outro, ainda uma terceira visão geoestratégica a da União Soviética.
Depois dos nazis chegarem ao poder em 1933, ocorre no mundo o equilíbrio de forças que se segue. Por uma lado, temos a poderosa grã-continental e eurásica União Soviética, governada de modo completamente autocrata por Josef Estaline. Trata-se da Heartland, o centro da força continental global. (DUGIN, 2016, p. 23)
Os países recém criados pela ordem do Tratado de Versalhes, que inclusive teve assessoramento técnico de Mackinder, onde propositalmente deveria haver um desmembramento da Europa continental e oriental, impedindo que houvesse uma união política ou um grande Estado nacional que no futuro representasse uma fonte inesgotável de recursos naturais.
A Alemanha nazista redesenhou a estratégia política das grandes potências europeias, o primeiro resultado disto foi o Acordo de Munique em 1938, Benito Mussoluni, Adolf Hitler, Neviller Chamberlain do Reino Unido e Édouard Daladier da França o assinaram em 29 de setembro.
Era o reconhecimento tácito da derrota do Tratado de Versalhes e da estratégia geopolíticas das duas maiores potências europeias interessadas nele, o Reino Unido e a França, sentar para negociar a paz, com um país que nos termos do primeiro acordo estava derrotado, era sinal que os planos não deram certo.
A relação da Alemanha com os territórios perdidos com o desmembramento do Império Germânico e de tudo que a Alemanha vinha conquistando rapidamente no século XIX com Otto Von Biesmarck, foi trabalhado no sentido de ser recuperado, a época de entre guerras, 3 milhões de alemães viviam na Tchecoslováquia.
O acordo concedeu o território Checo a Alemanha, pois, britânicos e franceses estavam consciente do custo humano e financeiro de enfrentar o Terceiro Reich; por outro lado, no mesmo contexto foi assinado o pacto germano-soviético, oficialmente chamado de Ribbentrop-Molotov.
O pacto foi assinado em 23 de agosto de 1939 por J. Von Ribbentrop da Alemanha e V. Molotov da URSS, um acordo de não agressão, por outro lado, Joséf Stalin tinha consciência plena de que o acordo se remetia a uma neutralidade frente a política externa alemã, que previa a união de todos povos germânicos num único Estado e recuperação de tudo perdido por Versalhes, este seria o ponta-lança de uma intervenção soviética no futuro.
Em substância, o pacto de não agressão concluído por Stalin com Hitler em 23 de agosto de 1939 previa, em seus protocolos secretos, a divisão da Polônia e uma esfera de influência soviética no Báltico. Uma semana depois Hitler pôde atacar a Polônia e desencadear a Segunda Guerra Mundial. Em 17 de setembro, enquanto a máquina bélica alemã destroçava as defesas da Polônia, a URSS invadiu a parte oriental do país, como estava previsto no pacto. Em 28 de setembro, a URSS e a Alemanha firmaram tratado de amizade que ratificava a repartição da Polônia e previa nova repartição das esferas de influência, atribuindo a Moscou também a Lituânia, além da Letônia e da Estônia.” (PONS, 2014.p.195-196.)
Outrora, o desdobramento geoestratégico da Segunda Guerra Mundial e uma estratégia suicida de Hitler, com base em crenças de superioridade militar haja vista uma suposta superioridade biológica dos soldados alemães, levou a que os dois lados de ambos os tratados se voltassem contra a Alemanha.
Analogamente, a Alemanha caiu sob as mesmas fraquezas da Primeira Guerra Mundial, exercer a guerra sob suas frentes e sofrer desta vez um movimento de penetração e encaixamento da Alemanha, país mais ao centro da Europa de tropas vindas da direção ocidental e oriental do continente.
A visão judeofóbica e antimarxista de Hitler não o permitiu concretizar a aliança soviética e de derrotar principalmente a Inglaterra, numa guerra que envolvia destruição da ampla base industrial, da marinha britânica e de aniquilação da população civil e cidades por meio do Blitzkrieg.
Uma aliança entre os Estados burgueses democráticos talassocráticos com a URSSS continental eurásica contra o continentalismo europeu da Alemanha. Seria a repetição do alinhamento de forças na véspera da Primeira Guerra Mundial, uma segunda versão da Entente. (Dugin, 2016 p.24).
A Segunda Guerra Mundial teve três posicionamentos geopolíticos, que envolvem a relação orgânica do território com o Estado, as potências marítimas representadas pela Inglaterra e os Estados Unidos, as potências continentais, representadas pelos países do centro da Europa, Alemanha e a Itália e o polo eurasiático da União Soviética.
Referências:
Dugin, Aleksandr. Geopolítica da Rússia contemporânea. IAEGCA Instituto de Altos Estudos em Geopolítica & Ciências Auxiliares Lisboa, 2016, p.23,24.
PONS, Silvio. A revolução global: história do comunismo internacional, 1917-1991. Rio de Janeiro: Contraponto Editora; Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2014.p.195-196.
Stálin, Joséf. O marxismo e o problema nacional. 1913. Disponível em:< https://www.marxists.org/portugues/stalin/1913/01/01.htm> Último acesso em: 11.Jun.2021.