Neoliberalismo: Natureza e Conceitualizações

13.01.2022

Veículos de propaganda de direita afirmam que “neoliberalismo” é uma terminologia inventada pela esquerda e que não possui nenhum valor acadêmico ou sentido. Seria isso verdade. Aqui uma breve análise conceitual do neoliberalismo, inclusive em sua distinção em relação ao libertarianismo, para desmistificar o tema.

O neoliberalismo é um termo fictício criado pelo socialismo e pela esquerda para desacreditar o liberalismo real? Friedman, Mises e Hayek eram neoliberais? A Escola de Chicago e a Escola Austríaca podem ser classificadas como neoliberais? O que entendemos por neoliberalismo? Responderemos a estas perguntas de forma concisa ao nos encontrarmos em um contexto de crise dos governos neoliberais na América Ibérica.

Para começar, diremos que o neoliberalismo (em sua concepção forte) é um discurso econômico e político. É econômico porque implica um foco particular nas taxas de juros, impostos e comércio; e é político porque instrumentaliza este foco através de políticas públicas baseadas na tricotomia procedimentalista do bem-estar: liberdade-eficiência-equidade. Ronald Reagan e Margaret Thatcher são exemplos concretos da conceitualização desta categoria em nível pragmático, na órbita norte-americana e britânica, respectivamente, e que tem influenciado amplamente a América Ibérica desde o Consenso de Washington de 1989, seu respaldo ideológico, cujos 10 princípios neurálgicos são os seguintes:

  1. Disciplina na política fiscal, com foco em evitar grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto;
  2. Redirecionamento dos gastos públicos com subsídios (“especialmente dos subsídios indiscriminados”) para maiores investimentos em pontos-chave de desenvolvimento e serviços em favor pobres, tais como educação primária, cuidados primários de saúde e infraestrutura;
  3. Reforma fiscal, ampliando a base tributária e a adoção de taxas marginais moderadas de impostos;
  4. Taxas de juros que são determinadas pelo mercado e que são positivas (mas moderadas) em termos reais.
  5. Taxas de câmbio competitivas;
  6. Liberalização comercial: liberalização das importações, com ênfase especial na eliminação das restrições quantitativas (licenças, etc.); qualquer proteção comercial deve ter tarifas baixas e relativamente uniformes;
  7. Liberalização das barreiras ao investimento estrangeiro direto (IED);
  8. Privatização de empresas estatais;
  9. desregulamentação: abolição das regulamentações que impeçam o acesso ao mercado ou restrinjam a concorrência, exceto aquelas justificadas por motivos de segurança, proteção ambiental e ao consumidor e supervisão prudencial das instituições financeiras.
  10. Segurança jurídica para os direitos de propriedade.

Esta concepção forte também é reafirmada no nível acadêmico, que especifica que o termo “economia neoliberal” não é uma categoria adequada de análise, porque o neoliberalismo como tal não tem seu próprio campo de estudo nem na teoria econômica nem na política econômica (Gaviria Rios: 2004), portanto o termo acadêmico mais apropriado é discurso neoliberal (onde se pode certamente reconhecer várias ideias do pensamento econômico clássico e contemporâneo), mas por causa de sua visão dogmática e/ou fundamentalista (razão pela qual é chamado de fundamentalismo de mercado, já que na práxis serve apenas aos interesses de uma minoria contornando os controles e o funcionamento das democracias -Joseph Stiglitz, 31. 12. 2017, ou o que equivale à mesma coisa, um Estado forte que estabelece uma estrutura para o mercado, ou seja, que impõe a política econômica, mas que na prática só utiliza esta força para advogar em benefício exclusivo da classe empresarial sob a premissa de que isto resultará no bem-estar geral, mas já sabemos que em toda a América Latina, sob a ideia do famoso gotejamento, essa é uma promessa não cumprida devido à ideia ingênua de que esta mesma classe empresarial, ao se ver beneficiada pelas políticas econômicas, será necessariamente e em todos os casos, gerar um cenário de desenvolvimento generalizado e não de lucro individualizado, fonte de grandes fortunas em detrimento da facilitação estatal da privatização e desregulamentação), acaba se tornando uma narrativa acrítica, mas real como fato empírico verificável, razão pela qual o neoliberalismo não é uma invenção socialista ou esquerdista.

Tendo tocado no conceito específico, resta olhar para o conceito genérico (que é o utilizado coloquialmente, mas ainda tem seu aspecto objetivo como veremos), para o qual diferenciaremos o conceito forte ou determinado (strictu sensu) já abordado, do conceito lato sensu do neoliberalismo (concepção genérica ou fraca), o chamado guarda-chuva, a fim de se opor a eles e assim ter uma visão completa do objeto de estudo.

A categoria universal do neoliberalismo ou neoliberalismo geral está mais relacionada à história do pensamento econômico e se refere ao novo liberalismo que surgiu no intervalo entre o fim da Primeira e o Pós-Segunda Guerra Mundial, e cuja origem pode ser traçada à cunhagem do termo pelo economista liberal alemão Alexander Rustow na Conferência Walter Lippmann em 1938, e que tentou fornecer formas alternativas dentro do próprio liberalismo como resposta à crise da Grande Depressão. Após a Segunda Guerra Mundial, estas iniciativas foram continuadas pela Sociedade Mont Pelerin em 1947.

Sob esta luz, podemos definir o neoliberalismo (concepção fraca) como a ampla gama de novas teorias liberais que surgiram após a primeira e após o fim da Segunda Guerra Mundial, não um único bloco de coesão de ideias, mas a unidade metodológica de propor novas formas de liberalismo. Isto é comprovado pelo incidente Mises na Sociedade Mont Pelerin (fundada por iniciativa própria de Mises junto com Hayek) com respeito a seus membros, todos liberais de diferentes correntes, quando ele mencionou: “vocês são todos um bando de socialistas” (Losoviz, 2015). Com base no acima exposto, agora podemos opor a categoria geral com a categoria específica.

A categoria geral é estritamente histórica, tudo o que hoje significa uma nova proposta de liberalismo é configurado como neoliberalismo (uma concepção que é identificada com o uso coloquial), assim, a Escola de Chicago é tão neoliberal quanto alguns pensadores da Escola Austríaca. Entretanto, quando passamos às diferenças particulares no nível teórico de cada proposta de novo liberalismo (agora a partir do incidente Mises), o neoliberalismo limita-se apenas (categoria específica) à aplicação do conjunto de 10 premissas estabelecidas pelo Consenso de Washington e a algumas escolas econômicas que veem a necessidade de um Estado forte para estabelecer o marco para o mercado (a Escola de Chicago, por exemplo), e é por esta razão que o neoliberalismo não é um novo liberalismo, mas um neoliberalismo (categoria específica). É por isso que os libertários estão certos ao argumentar que Mises-Hayek e os austríacos não são neoliberais por causa de sua oposição a todas as formas de intervencionismo (o que não torna os austríacos, e seu apoio político libertário, menos fundamentalistas de mercado do que os neoliberais), nem inibe o fato, como vimos, de que algumas de suas ideias tenham influenciado o discurso neoliberal.

Bibliografia
CENTRO MISES. (2016). «Mises contra los neoliberales». En: https://www.mises.org.es/2016/04/mises-contra-los-neoliberales/
CENTRO MISES. (2016). «Porque los austriacos no son neoliberales». En: https://www.mises.org.es/2016/01/por-que-los-austriacos-no-son-neoliberales/ («…la Escuela de Chicago… podrían clasificarse como neoliberales. Se oponen al socialismo, pero también al manchesterismo, es decir, se oponen a la aproximación de laissez faire del liberalismo clásico. …la Escuela de Chicago …están a favor de un estado fuerte para establecer el marco para el mercado y dirigir la vida económica en ciertas direcciones. También quieren que el estado proporcione cierta seguridad social»).
GAVIRIA RIOS, Mario Alberto. (2004). «Neoliberalismo y desarrollo en América Latina». En: Revista Académica e Institucional. Num. 69. https://biblioteca.ucp.edu.co/ojs/index.php/paginas/article/view/406/376
LOSOVIZ ADAUI, Pablo.(2015). «Fundamentos teóricos de la controversia entre Hayek y Keynes. Dos visiones acerca del orden económico y la historia». Universidad Complutense de Madrid. Tesis Doctoral. En: http://eprints.ucm.es/40821/1/T38244.pdf?fbclid=IwAR0IjoUJZc1C2Bp7aWtAsN2ayVX0R940qdOdm06ccn1qR-xHrB6YBjJgwpo
UNIVERSIDAD FRANCISCO MARROQUÍN. (2015). «Las diferencias entra la Escuela Austriaca de Economía y la Escuela Neoclásica. Dos entre otras». En: https://bazar.ufm.edu/las-diferencias-entre-la-escuela-austriaca-de-economia-y-la-escuela-neoclasica-dos-entre-otras/

Fonte: Diario La Verdad