Para Além da Direita e da Esquerda: A Divisão Direita-Esquerda Desaparece

09.12.2024

Todo mundo conhece estas declarações de Alain [o autor se refere a Émile Chartier, filósofo francês comumente conhecido como Alain] que frequentemente citamos: «Quando me perguntam se a divisão entre partidos de direita e partidos de esquerda, homens de direita e homens de esquerda, ainda faz sentido, a primeira ideia que me vem à cabeça é que o homem que faz essa pergunta certamente não é um homem de esquerda». Alain escreveu isso em 1925. Talvez se surpreendesse ao constatar que esta questão, que ele imaginava ser formulada apenas por um homem de direita, hoje está na boca de todos.

De fato, há alguns anos, todas as pesquisas de opinião refletem o fato de que, aos olhos da maioria dos franceses, a divisão direita-esquerda está cada vez mais desprovida de sentido. Em março de 1981, apenas 33% consideravam que as noções de direita e esquerda estavam obsoletas e já não permitiam compreender as posições dos partidos e dos políticos. Em fevereiro de 1986, eram 45%; em março de 1988, 48%; em novembro de 1989, 56%. Esta última cifra apareceu novamente em duas outras pesquisas realizadas pela Sofres e publicadas em 1990 e 1993. Segundo uma nova pesquisa da Sofres publicada em fevereiro de 2002, seis em cada dez franceses, de todas as categorias, consideram que a separação direita-esquerda está obsoleta.

Esta evolução é evidentemente notável, e isso por três razões. Primeiro, porque manifesta uma tendência que se acentua regularmente: ano após ano, as noções de direita e esquerda aparecem cada vez mais desacreditadas. Em seguida, porque se tratou de uma evolução rápida, pois bastou apenas uma década para que a divisão direita-esquerda perdesse mais de vinte pontos de apoio. Finalmente, porque esta evolução é um fato em todos os meios políticos e todos os setores de opinião: uma pesquisa da Sofres constatou que, inclusive na esquerda, a convicção do caráter obsoleto das noções de direita e esquerda progrediu mais desde 1981.

No entanto, ao mesmo tempo, uma maioria de franceses continua se declarando de direita ou de esquerda, resultado paradoxal que confirma a amplitude do abismo que separa os partidos políticos de seus eleitores. No entanto, essa autoproclamação começa a enfraquecer. Embora nos anos sessenta, 90% dos franceses se posicionassem sem remorsos no eixo direita-esquerda, em 1981 eram apenas 73% os que se situavam em uma ou outra das duas famílias políticas, 64% em 1991 e apenas 55% em 2002. A proporção de franceses que se classificavam como “nem de direita nem de esquerda” saltou de 19% em 1995 para 45% hoje, em 2002.

Todas essas cifras mostram claramente que a oposição direita-esquerda, que estruturou o panorama político francês durante dois séculos, que Emmanuel Berl pôde descrever em sua época como «a distinção que de longe é a mais viva para a massa do eleitorado francês» e que Jean-François Sirinelli qualificava ainda recentemente como «a grande diferenciação francesa por excelência», está perdendo grande parte de seu significado, embora reapareça de maneira fugaz durante as consultas eleitorais mais midiatizadas.

Isso é tanto mais surpreendente —mas igualmente revelador— considerando que foi na França que as noções de direita e esquerda surgiram.

De fato, remontamos ao dia 28 de agosto de 1789, data em que os Estados Gerais, reunidos desde maio e transformados em Assembleia Constituinte, iniciaram em Versalhes um debate sobre o direito de veto do rei. Tratava-se de saber se, dentro do regime da monarquia constitucional que estava se estabelecendo então, o monarca poderia ou não dispor de um direito de decisão superior à soberania nacional, ou seja, de um poder que prevalecesse sobre os representantes do povo reunidos como corpo político em relação à expressão da lei. Para manifestar sua escolha, os partidários do direito de veto real situaram-se na sala (que não era um hemiciclo) à direita do presidente da câmara, enquanto seus adversários situaram-se à esquerda. A distinção direita-esquerda, puramente topográfica em seus começos, havia nascido. Ela se expandiria progressivamente por toda a Europa e depois pelo mundo inteiro, estabelecendo-se de forma duradoura nos países latinos, e de maneira mais circunstancial nos países germânicos e, sobretudo, nos anglo-saxões. Na França, será com a chegada da III República e, sobretudo, após o caso Dreyfus, que adquirirá seu significado atual e realmente fará parte da linguagem corrente.

Quais são as razões desse retraimento progressivo das referências, dessa interferência entre as noções de direita e de esquerda a que assistimos hoje em dia?

Há várias maneiras de responder a esta questão. Uma delas consiste em interrogar-se sobre o sentido exato que devemos atribuir aos termos de «direita» e «esquerda», tentando trazê-los, novamente, seja a temas permanentes que os caracterizem de forma exata, seja a temperamentos (traços psicológicos, «sensibilidades») cuja recorrência poderíamos observar em famílias políticas bem determinadas, seja ainda a conceitos-chave que constituiriam o «núcleo duro» e cujo valor heurístico poderia facilitar nossa análise. Este passo desemboca em um beco sem saída. Por um lado, ao longo da história, os grandes temas ideológicos não cessaram de «viajar» da direita para a esquerda, ou da esquerda para a direita. Por outro lado, sempre houve várias direitas e várias esquerdas, e a redução a um tipo ideal unitário resulta geralmente impossível. Por fim, o que entendemos por «direita» e «esquerda» varia consideravelmente conforme épocas e lugares. Nessas condições, é melhor ater-se a algumas observações colocadas em contexto.

A primeira observação que podemos fazer é de ordem histórica. Conduz a constatar que os três grandes debates que há dois séculos sustentavam na França a diferenciação direita-esquerda, essencialmente, terminaram hoje em dia.

O primeiro desses debates é o que se referiu às instituições. Evidentemente, começa com a Revolução e vai opor, durante aproximadamente um século, os partidários da República, os partidários da monarquia constitucional e os nostálgicos da monarquia de direito divino. É, antes de tudo, um debate referente à própria Revolução que desemboca na Restauração e, com ela, ao compromisso de 1815 que marca, de certa forma, o ato do nascimento da França moderna. Depois, a partir da Monarquia de Julho, é um debate sobre a definição do regime político — república ou monarquia — que conclui em 1875, com o estabelecimento do sufrágio universal e a instalação definitiva do regime republicano. A partir dessa data, as direitas tornam-se essencialmente republicanas, enquanto os movimentos monárquicos são progressivamente deslocados para as margens do espectro político.

O segundo grande debate, a partir de 1880, refere-se à questão religiosa. Enfrentando os partidários de uma concepção «clerical» da ordem social com os partidários de uma visão puramente laica, toma naturalmente o lugar da disputa sobre as instituições, e traduz-se em polêmicas de uma violência muitas vezes esquecida hoje em dia. Durante algum tempo, vai até mesmo identificar-se plenamente com a divisão direita-esquerda e servir de pedra de toque de toda a vida política. «Por comparação — escreve René Rémond — qualquer outra divergência parecia secundária. Quem quer que observasse as prescrições da Igreja Católica era ipso facto situado à direita, e o anticlerical não precisava produzir outras provas de seus sentimentos democráticos e de sua adesão à República.» É neste clima que se desenvolvem sucessivamente o «escândalo do arquivo maçônico» e depois o caso Dreyfus (que fará o antissemitismo passar da esquerda para a direita e, pela primeira vez, instaurará a divisão direita-esquerda nos âmbitos intelectuais). Esta disputa desemboca em 1905 na separação Igreja-Estado. Deixará profundas marcas na vida política francesa, embora perdendo pouco a pouco intensidade com, por um lado, a adesão de uma parte cada vez mais numerosa da hierarquia católica às instituições republicanas e, por outro lado, com o aparecimento de uma teoria secularizada da ordem social tradicional (de Auguste Comte a Taine), duplo movimento que desembocará em uma progressiva dissociação da Igreja e da Contrarrevolução. Mais tarde, a extensão do conflito religioso não cessará de diminuir para sobreviver, no futuro, unicamente na disputa sobre o modelo de escola.

O último debate é, evidentemente, o debate social. Iniciado em 1830, quando o capitalismo se impõe às formas econômicas herdadas do passado, este debate abre o fronte da luta de classes entre a burguesia e o proletariado, contenda que se acentua com o desenvolvimento da sociedade industrial, o nascimento do socialismo e o surgimento do movimento operário. Interrompido por um tempo durante a «união sagrada» da Primeira Guerra Mundial, ganha força a partir de 1917. No plano político, a partir de 1920, ser de esquerda não é somente ser republicano (pois todo mundo, ou quase, era republicano), nem mesmo ser laico (pois doravante haverá católicos de esquerda). É ser socialista ou comunista.

Portanto, a questão social coloca, antes de tudo, o problema do papel do Estado na regulação da atividade econômica e na eventual redistribuição da riqueza. Dividida entre reformistas e revolucionários, a esquerda se identifica com a rejeição da economia de mercado, inclusive da propriedade privada, e é a favor de uma economia planejada, centralizada e controlada pelo Estado. Seu objetivo é assegurar a promoção ou emancipação coletiva por meio de instituições econômicas e sociais, realizando uma forma de contrato geral através da coletivização dos meios de produção. A esquerda, por outro lado, levanta reivindicações de natureza essencialmente quantitativa e material, o que significa que denuncia os métodos do capitalismo (a exploração do trabalho e as desigualdades na distribuição da riqueza) sem questionar seu objetivo central (conseguir desenvolver cada vez mais a produção). Por fim, busca se ancorar nos assalariados, cujo núcleo é constituído pela classe operária, para tentar forjar uma força política portadora de um projeto concreto de emancipação. Este projeto estático e produtivista perdurará por décadas, antes de afundar, em seu momento, sob os efeitos conjuntos da implosão do «socialismo real» e do esgotamento do modelo do Estado de bem-estar social, enquanto a «classe operária», tornando-se cada vez mais reformista, se evaporará progressivamente ao entrar em contato com o consumismo e o acionariado popular.

Dessa forma, como escreve novamente René Rémond, «em um curto espaço de tempo, quase todos os temas em que se jogam umas eleições, que fazem e desfazem maiorias, que nutrem os debates, que dão à vida política sentido e cor, deixaram de suscitar paixões, perderam seu brilho e até desapareceram do cenário».

Mas voltemos a considerações mais atuais. Após a Segunda Guerra Mundial, o rápido aumento do nível de vida médio foi acompanhado por uma profunda transformação, tanto dos comportamentos políticos, quanto dos costumes e valores da sociedade civil. Por um lado, «na França enriquecida dos Trinta Gloriosos, o enfraquecimento das obrigações econômicas levou ao enfraquecimento dos controles sociais». Por outro lado, a expansão da classe média começou a apagar os critérios de voto confessionais e sociológicos. Ainda em meados dos anos sessenta, quanto mais católico se é, mais se vota à direita; e no plano social, quanto mais operário se é —ou quanto mais se sente operário, pois é a percepção subjetiva da classe social que exerce sobre a escolha política a influência mais decisiva—, mais se vota à esquerda. Dez anos mais tarde, isso já não é totalmente verdade. Os observadores apontam, então, a especificidade, por um lado, do comportamento político das «camadas médias assalariadas», cujos efetivos aumentaram até mais do que o dobro entre 1954 e 1975 (devido à expansão do setor terciário e do setor público), e que votam sobretudo à esquerda, e, por outro, do comportamento dos «independentes» (ou seja, aqueles que trabalham por conta própria), que votam sobretudo à direita.

Desde então, esse movimento se expandiu amplamente. O sentimento de pertencimento a uma classe social, conforme medido regularmente pelas pesquisas de opinião, caiu de 68% em 1976 para 56% em 1987 —e é entre os operários que mais diminuiu, passando de 74% para 50%. Quanto ao voto católico, este se distribui agora entre todos os setores de opinião: entre 1978 e 1988, a correlação entre voto de direita e prática católica caiu 20 pontos.

Em 1981, a chegada da esquerda ao poder pareceu consagrar a vitória desse novo modelo sociológico. Para explicá-lo, invocavam-se tanto a urbanização ou o crescimento econômico, quanto a generalização do trabalhador assalariado, a terciarização da economia, o trabalho das mulheres, as consequências do baby boom, etc. Pouco depois, no entanto, o rápido retrocesso da esquerda no próprio seio das categorias que a levaram ao poder, ao mesmo tempo em que surgiam novos partidos (ecologistas ou nacional-populistas) e novos movimentos sociais (as «cooperativas»), começaram a lançar dúvidas sobre a validade desse esquema, favorecendo a aparição de modelos concorrentes que recusavam, de início, a pertinência da separação entre direita e esquerda e de seus fundamentos sociológicos. É então que se começa a falar de um «novo eleitor» que se determina em cada momento sem excessiva consideração pelas solidariedades sociais ou profissionais, manifestando apenas uma «racionalidade» bastante limitada. Entra-se, então, na era do que se passou a chamar o «self-service eleitoral» ou a «democracia comercial». «Os eleitores tomam da direita e da esquerda o que lhes apetece —escrevia Jerôme Jaffré—. Esse fenômeno é a demonstração da desestruturação ideológica dos franceses, a qual corresponde ao enfraquecimento dos grandes partidos».

De tudo isso resultou um aumento notável da volatilidade eleitoral. Em 1946, François Goguel havia calculado que entre 1877 e 1936 o equilíbrio de forças entre o conjunto das direitas e o agrupamento das esquerdas nunca variou mais de 2% na França. Hoje sabemos que 17% dos eleitores de extrema esquerda nas legislativas de 1986 votaram em um partido de direita no primeiro turno das eleições presidenciais de 1988, e que 60% dos eleitores de François Mitterrand em 1988 recusaram votar socialista em 1993.

A essa desestruturação do eleitorado responderam as lideranças do mundo político e as equipes de governo com um reajuste prodigioso. Não só a esquerda terminou por aceitar as instituições da V República, ou o princípio de dissuasão nuclear contra o qual tanto havia combatido no passado; não só a direita se aproximou em grande parte da esquerda em temas como a contracepção, a pena de morte e os novos modelos de autoridade na família e na sociedade, mas a direita e a esquerda parecem, uma e outra, condenadas, desde o momento em que alcançam o poder, a implementar cada vez mais a mesma política — o que evidentemente não ajuda a clarificar as coisas. Certamente a direita quer um pouco mais de liberalismo e um pouco menos de política social, enquanto a esquerda prefere um pouco mais de política social e um pouco menos de liberalismo. Mas, no final, entre o social-liberalismo e o liberalismo social, não podemos dizer que a classe política esteja verdadeiramente dividida.

O resultado mais claro desse "reajuste" é que os eleitores, sentindo-se constantemente decepcionados, têm cada vez mais tendência a refugiar-se na abstenção ou a dar seu voto a partidos puramente contestatórios, enquanto a noção de "classe política" considerada de maneira unitária — e geralmente pejorativa — vai substituindo a distinção direita-esquerda. No primeiro turno das eleições presidenciais de 1988, os dois principais candidatos, François Mitterrand e Jacques Chirac, obtiveram juntos 54,1% dos votos. Em 21 de abril de 2002, Chirac e Lionel Jospin obtiveram juntos apenas 35,8%. Com 19,7% dos votos, Chirac ainda obteve o recorde mais baixo já alcançado por um presidente eleito desde 1974 (François Mitterrand obteve na primeira volta das eleições presidenciais de 1988, 34,1%). Por fim, tanto na direita quanto na esquerda, as perdas de votos foram enormes: seis milhões de votos! No total, se somarmos a taxa recorde de abstenção agora próxima de 40% e o número de votos que foram dados no primeiro turno a candidatos marginais ou sem possibilidade alguma de serem eleitos, constata-se que um em cada quatro franceses vota agora fora do sistema e que os "partidos de governo" representam apenas um terço do eleitorado.

Uma transformação tal da paisagem política deixa a impressão de que algo chega ao fim. Tal é o sentimento de Serge Latouche, que escreve: “A forma política da modernidade ficou sem fôlego porque concluiu sua carreira. A direita e a esquerda realizaram seu programa no essencial. O jogo da alternância saiu extraordinariamente. A direita ilustrada e a esquerda reivindicam a herança das Luzes, mas nem uma nem a outra o faz completamente. Cada uma viu cumprir sua parte do programa. A esquerda, cujo imaginário se liga à vertente radical das Luzes, adorava o progresso, a ciência e a técnica; de Condorcet a Saint-Simon, encontramos os mesmos temas. A direita liberal e ilustrada, de Montesquieu a Tocqueville, exaltava a liberdade individual e a competição econômica. A esquerda reclamava o bem-estar para todos, e a direita o crescimento e o direito de desfrutar do fruto de seus empreendimentos. Não sem dificuldades nem crises, o Estado moderno cumpriu tudo isso.”

Com espírito semelhante, Jacques Julliard disse que «a esquerda acabou exangue devido ao seu próprio sucesso: morre por ter cumprido em dois séculos o essencial do seu programa.». Para ser justos, seria necessário dizer que também «morre» por ter visto realizada uma parte do seu programa por seus adversários. Por sua parte, Gérard Grumberg e Étienne Schweisguth constatam que a direita defende sobretudo o liberalismo econômico, enquanto a esquerda defende sobretudo o liberalismo cultural, o liberalismo filosófico, reconciliando assim, aparentemente, a todos: «O forte vínculo entre o liberalismo cultural e a orientação à esquerda por um lado, e o liberalismo econômico e a orientação à direita por outro, poderiam levar-nos a perguntar se esses dois liberalismos não constituem os dois polos opostos de uma única e mesma dimensão, que não seria outra senão a mesma dimensão direita-esquerda». Mas observam também que «o cruzamento das duas escalas do liberalismo econômico e do liberalismo cultural faz surgir entre ambos uma relação muito fraca», o que resulta em um paradoxo: «O liberalismo econômico e o liberalismo cultural têm cada um uma forte relação estatística de sentido oposto à dimensão direita-esquerda e, no entanto, estão um ao outro unidos negativamente de forma muito fraca».

Régis Debray observa por sua parte: “Quando não houver mais diferença entre a esquerda e a direita do que entre os serviços de um banco nacionalizado e os de um banco privado, ou entre um telejornal de uma rede pública e o de uma rede privada, passaremos de uma para a outra sem remorsos e, quem sabe, sem perceber.”

Parece que estamos nesse ponto. Alguns se regozijarão em nome das vantagens do «consenso» — esse consenso que Alain Minc não hesitou em comparar com um «círculo de razão». Estão errados. Primeiro, porque a democracia não é a extinção do conflito, mas o conflito controlado. Para que uma sociedade política funcione normalmente, deve evidentemente estabelecer-se um consenso sobre o quadro e as modalidades do debate. Mas se o consenso faz desaparecer o próprio debate, então a democracia desaparece ao mesmo tempo, já que esta implica, por definição, se não a pluralidade de partidos, ao menos a diversidade de opiniões e de opções, ao mesmo tempo que o reconhecimento da legitimidade de um enfrentamento entre essas opiniões e opções a fim de que o adversário não seja transformado em inimigo (já que a oposição de ontem pode ser a maioria de amanhã). Ora, se aos partidos só os separam diferenças programáticas insignificantes, se as facções competidoras implementam fundamentalmente as mesmas políticas, se uns e outros já não se distinguem nem pelos objetivos nem mesmo pelos meios para consegui-los… em suma, se os cidadãos não veem apresentadas alternativas reais e verdadeiras possibilidades de escolha, então o debate já não tem razão de ser e o quadro institucional que permitia sua ocorrência não é mais que uma casca vazia e, portanto, não devemos nos surpreender ao ver que a maioria do eleitorado lhe vire as costas.

Mas o excesso de consenso é também antidemocrático em outro sentido. Não devemos esquecer, de fato, que, contrariamente ao que afirmam os partidários do «mercado político» (que postulam um eleitor que busca antes de tudo maximizar racionalmente seu interesse através das eleições), o voto é antes de tudo um modo de representação e de afirmação própria. Ora, em um contexto no qual a submersão progressiva de todo o espaço social nas classes médias tende a esvaziar as noções de direita e de esquerda de todo conteúdo sociológico, se o eleitorado tem cada vez mais o sentimento de que nenhuma alternativa lhe é oferecida por parte dos partidos que disputam o poder, é evidente que esse eleitorado só poderá perder interesse por um jogo político que já não lhe permite expressar, por meio do sufrágio, uma pertença ou uma afiliação. A saída da «democracia de identificação» (Pierre Rosanvallon) contribui então para um aumento da abstenção que desemboca na anomia social. Soma-se ainda a exclusão daqueles que, sendo socialmente marginalizados, já não se sentem concernidos pelo jogo do poder. Em todo caso, corremos grande risco de ver se instaurar, não uma sociedade pacificada pelo «consenso», mas, pelo contrário, uma sociedade perigosa e potencialmente beligerante onde não terá que nos surpreender ver ressurgir com força, e às vezes sob formas patológicas, outros modos de afirmação identitária (religiosa, étnica, nacional, etc.) que não resultarão de um desejo de «pureza perigosa», mas serão a consequência lógica do fato de que, doravante, já não seja possível afirmar-se como cidadãos.

No entanto, é efetivamente nessa direção que caminhamos hoje em dia. Tudo concorre: a multiplicação dos escândalos e affaires, o que faz os políticos da esquerda e da direita caírem no mesmo descrédito; o individualismo dominante que favorece a deserção cívica e o retraimento para a esfera privada; o contraste entre a desmesura das ambições exibidas e a insignificância dos resultados obtidos; a transformação do jogo político em um espetáculo midiático onde o fazer-saber conta sempre mais que o saber-fazer; a atonia do pensamento e a anomia do social. Afinal de contas, a classe político-midiática — a nova classe — aparece formada por profissionais cada vez mais estranhos à sociedade «de baixo», e os partidos como máquinas de venda de produtos eleitorais para único benefício de seus dirigentes do momento. Em outros termos, a vida política, se insistirmos em analisá-la em termos de mercado, se caracteriza por uma oferta cada vez mais reduzida diante de uma demanda cada vez mais indiferente e descontenta, posto que está cada vez mais desorientada.

Mas voltemos ao reajuste. De onde provém? Primeiro, evidentemente, da acumulação de desilusões e desencantos arrastados que acarretam o colapso das ideologias outrora hegemônicas, e de modelos sócio-históricos que perderam hoje toda credibilidade. Esse colapso, coroado pela implosão do sistema soviético, arruinou muitas esperanças e fez acreditar equivocadamente no «fim das ideologias», ou seja, no desaparecimento de um dos motores mais potentes do imaginário político. A descoloração resultante levou consigo as referências e apagou as diferenças.

Mas também se difundiu a ideia de que uma quantidade de fenômenos negativos hoje em dia depende do "inelutável". Em primeiro lugar, é claro, as "leis" que presidem o funcionamento da economia mercantil nas sociedades modernas, além do desenvolvimento incontrolado das tecnologias que obedecem, unicamente, à sua própria dinâmica. Todos esses fenômenos foram decretados inevitáveis porque perdemos o hábito de questionar os fins e nos acostumamos à ideia de que já não é possível prevalecer uma decisão (o que, de fato, é cada vez mais o caso). Disso resultou uma negação da própria essência da política e sua redução ao nível de uma simples técnica de gestão administrativa. A ascensão da tecnocracia, que mais propriamente deveria ser chamada de expertocracia, já havia aberto o caminho. Sua característica principal é fazer crer que as alternativas políticas concernem apenas a uma competência técnico-racional, de tal forma que todo problema só pode ter uma solução. Essa crença é também antidemocrática, já que para os especialistas "o pluralismo é sempre o resultado, ou de um mal-entendido, ou de uma falta de inteligência: de um lado há especialistas que sabem; do outro, indivíduos que não sabem. Basta que os segundos sejam racionais e estejam bem informados para que adiram à opinião dos primeiros".

Um dos fatos mais notáveis desse ponto de vista é certamente a crescente incapacidade dos Estados e dos governos, tanto para controlar a evolução da sociedade que hoje em dia depende essencialmente do desenvolvimento das técnicas, como para reagir à internacionalização dos espaços nacionais, ao surgimento de uma economia planetária e à disseminação dos fluxos mundiais de informação. Nenhuma estratégia nacional permite mais enfrentar problemas como o crescimento do desemprego, do tráfico de drogas, da precariedade ou da exclusão. Desprovido de seus meios tradicionais de ação por domínios que superam em muito seus recursos, o Estado-nação se vê cada vez mais reduzido à gestão cotidiana de fenômenos que o ultrapassam, ou seja, a um pilotagem manual e de curto alcance, enquanto ao mesmo tempo não cessa de aperfeiçoar suas técnicas de repressão e de controle social.

A esse respeito, observa Sami Naïr: "A crise do Estado de bem-estar é, primeiro, uma crise do Estado-nação incapaz de enfrentar o movimento de internacionalização dos capitais. A estrutura do mercado de capitais e, portanto, das formas de concorrência que dela resultam, é hoje determinada pelos oligopólios transnacionais frente aos quais o Estado-nação tradicional tem pouca influência; o mercado interno nacional está de ponta a ponta atravessado por estratégias oligopolísticas e o Estado está condenado a um dilema trágico que não pode resolver: ou um protecionismo drástico cujas consequências econômicas e sociais são muito incertas, ou uma capitulação total aos interesses dos grandes polos econômicos internacionais".

O problema é precisamente —e ainda é uma das causas de interferência da distinção direita-esquerda— que tanto a direita quanto a esquerda escolheram, cada uma, a capitulação. Por parte da direita, isso não é muito surpreendente, já que há muito tempo escolheu a aliança com o dinheiro e as classes que o possuem. Bernard Charbonneau escreve: "Assim, o amor pela pátria, legitimando a proteção de interesses econômicos por parte do Estado, se torna sua caricatura: o chauvinismo e o comando dos melhores que justifica a arbitrariedade dos mais ricos, tornaram impossível distinguir entre uma aristocracia viva e uma suposta "elite" que só o dinheiro designa."

Dessa forma, a direita se condenava a si mesma, “[…] pois esses valores que a direita reclama —prossegue Charbonneau— são precisamente os que a julgam: o que são as críticas que a esquerda faz à direita comparadas com as críticas que ela mesma poderia fazer! Afirma a propriedade e, em benefício de um só, o capitalismo despoja milhões de indivíduos realizando as primeiras expropriações massivas dos tempos modernos. Afirma a pátria e, pela grandeza de uma só, o nacionalismo alimenta uma vontade de poder que tende à destruição de todas as pátrias. Afirma a decisão e o caráter e, pela arbitrariedade de um só, seja monarca ou patrão, transforma em servos todos os demais. Defende a liberdade, mas tende em todos os lugares ao monopólio [...]. Contra o materialismo marxista, se ergue como campeã da autoridade do espírito, mas está a serviço de uma classe social cuja atividade econômica é sua razão de ser [...].”

Quando não se esgotou nos combates da retaguarda, a direita clássica sempre esteve, de fato, enfrentada a uma contradição insuperável. Por um lado, tinha que responder às exigências de rentabilidade, competitividade e modernização que eram vitais para seus interesses; por outro, para continuar gozando do apoio de seu eleitorado, tinha que aparentar encarnar os valores tradicionais (autoridade, pátria, família, etc.) que são, precisamente, as vítimas da lógica da mercadoria e do que Jürgen Habermas denominou «colonização do mundo vivido» pelos «subsistemas econômico e administrativo».

Enquanto o capitalismo se desenvolvia no contexto da nação, esse dilema ainda podia ser superado. A modernização econômica podia, de fato, ser apresentada como um coadjuvante da grandeza nacional e às vezes até do nacionalismo conquistador. Já não ocorre o mesmo em uma época na qual a economia-mundo se esforça em suprimir todas as singularidades locais que supõem um obstáculo para seu avanço ou ameaçam desacelerar sua expansão. Doravante, o capitalismo liberal não pode mais ter uma «estratégia nacional»: o advento da economia mundializada leva a atribuir como função principal do Estado a de acompanhar a mundialização em curso mediante uma legislação político-econômica apropriada, combinada com novos procedimentos de controle interno com o fim de desarmar qualquer forma de protesto social. Na França se aprecia o resultado na conversão de uma grande parte da esfera de influência gaullista a esse liberalismo que execrava o próprio general de Gaulle — e que tem como consequência a aparição, nas margens do espectro político, de movimentos de protesto social que fazem um pouco mais profundo o abismo que separa as altas patentes políticas de seus eleitores.

A direita do dinheiro não possui convicções de princípio, apenas tem interesses de princípio. «Eis por que, entre outras coisas, se mostra tão magistral em seu domínio do que se poderia chamar de relativismo das ideologias. Todas as representações podem ser-lhe úteis, desde que não contrariem seu sistema de interesses.»

E a esquerda? Pois bem, seguiu o mesmo caminho. Ainda há cerca de vinte anos, apresentava-se como uma velha base republicana recoberta de sedimentos socialistas e comunistas, até mesmo libertários. Esse conjunto heterogêneo estava mais ou menos unificado por uma mesma cultura política, por referências ideológicas comuns e também — ou pelo menos assim se dizia comumente — por uma certa moral. Desde então, essa cultura política se fragmentou. A classe operária viu seu contorno se difundir. Desacreditada pelo fracasso do «socialismo realmente existente», a corrente comunista não sobreviveu ao colapso do bloco soviético. A corrente libertária já não é mais do que um riacho subterrâneo que se infiltra aqui e ali. Quanto à corrente socialista, que era o componente principal da esquerda, foi atingida em cheio pela crise do Estado de bem-estar.

O socialismo se pretendia uma ideologia emancipadora que permitia ao homem, além de todas as formas de dominação e exploração social, recuperar-se para si mesmo, ou seja, restituir-se em toda a sua autenticidade. A realização desse objetivo supunha uma transformação radical da sociedade organizada pelo capitalismo triunfante. Toda a história do movimento operário girou em torno do debate relativo à natureza dessa transformação e quais eram os melhores meios para alcançá-la. Alguns optavam por uma ruptura violenta, outros por uma evolução gradual. Os primeiros apenas conseguiram instaurar ditaduras de um gênero nunca antes visto, enquanto os segundos foram perpetuamente reduzidos a adiar para mais tarde o resultado de seus esforços, por não terem encontrado a saída do sistema capitalista ou por não terem conseguido assegurar a "recomposição social".

Já era paradoxal fazer do Estado o meio de realização da emancipação de todos, já que a principal característica do modelo estatal-paternalista é a de despojar os indivíduos de sua autonomia em troca de certas seguranças garantidas. Hoje em dia, sob o efeito do peso burocrático e das limitações fiscais, todos os modelos de intervenção de cima para baixo se desmoronaram. Paralelamente, a desvalorização massiva da ideia de progresso arruinou as representações otimistas de um futuro que supostamente coincidia automaticamente com o ideal emancipador.

Assim, no espaço de alguns anos, todas as construções ideológicas da esquerda se enfraqueceram ou desmoronaram. "Há mais de uma década —escreve Sami Naïr— a crise das representações do futuro e a decadência dos grandes relatos futuros (socialismo, comunismo) não param de se agravar. Esse processo traz consigo deslocamentos culturais, políticos e sociológicos consideráveis; partes inteiras do socialismo como visão desmoronam; assistimos a um desaparecimento progressivo dos valores-chave da esquerda; a noção de exploração desaparece do vocabulário polêmico, a de igualdade é, na melhor das hipóteses, balbuciada com compunção na confrontação política. A impressão geral é que o socialismo, há muito tempo em debandada sob sua forma burocrática nos países do Leste, está igualmente afetado pelo raquitismo em sua versão democrática."

Acrescenta Peter Glotz: "Desde que quebramos seu conceito de progresso, e o humanismo do Século das Luzes se tornou uma noção universal, filosoficamente a esquerda está desorientada. Sua teoria econômica está enfraquecida porque a crise do marxismo, queiramos ou não, a despojou de sua própria visão econômica; está aqui, além disso, sob a ameaça de perder uma antiga vantagem: a sólida organização de sindicatos e partidos operários. Encontra-se desorientada na era pós-moderna."

Ao chegar ao poder em 1981, a esquerda poderia ter aproveitado a ocasião para se recompor. Ocorreu o contrário. Não apenas o reinado de François Mitterrand viu acelerar a interferência, mas, além disso, a esquerda assimilou tão bem a "cultura do governo" que repentinamente redobrou o esforço e se aderiu a tudo o que denunciava na véspera, enriquecendo-se às mãos cheias. A partir de 1982-83, a adoção de uma nova orientação econômica confirma brutalmente esse reajuste. Abandona-se a crítica ao capitalismo e, com ela, a ideia de que o Estado, na falta de ser o motor da economia, poderia ao menos ter o direito de supervisionar o setor privado. Reabilitação do lucro, apologia do mercado e da "cultura empresarial", progressão superior dos rendimentos do capital em relação aos do trabalho... a virada é total. O resultado será o crescimento da bolsa, a corrupção em todos os níveis e a promoção de Bernard Tapie ao status de modelo de "vencedor".

Em 1979, François Mitterrand e seus amigos apresentam no congresso do partido socialista de Metz um relatório afirmando que "o rigor econômico, no sentido em que o entendem os donos do poder, constitui uma formidável mentira". Em 1992, o projeto socialista intitulado "um novo horizonte" declara: "Sim, pensamos que a economia de mercado constitui o meio de produção e de troca mais eficaz. Não, já não acreditamos em uma ruptura com o capitalismo". Meçamos agora a evolução ocorrida. É esta que permitiu a Michel Rocard redefinir o socialismo como uma "espécie de capitalismo temperado" (sic). Atestam essa convergência as respostas às perguntas formuladas regularmente aos franceses pela Sofres para saber quais são os termos que evocam para eles algo positivo ou negativo. Em novembro de 1989, uma dessas pesquisas permite constatar que a palavra "liberalismo" obtém agora 59% de opiniões positivas entre os simpatizantes socialistas, enquanto uma maioria dos eleitores de UDF julga favoravelmente a palavra "social-democracia". Entre abril de 1981 e outubro de 1990, sendo Chefe de Estado François Mitterrand, os termos que mais aumentam em apreciações positivas entre a opinião pública são "lucro", "capitalismo" e "participação"; os que mais perdem, "socialismo", "sindicatos" e "nacionalizações". Em 1992, Roland Cayrol conclui: "quanto ao liberalismo, à competição, à participação e ao lucro, a tendência à convergência é a lei da década."

A direita já tinha sido corrompida pela riqueza; a esquerda foi corrompida pelo poder. A direita aliada ao dinheiro contribuiu mais do que a esquerda para destruir os valores que pretendia conservar. A esquerda aliada ao dinheiro impediu mais do que a direita o advento da nova sociedade que queria instaurar. Em resumo, a esquerda perdeu seus princípios diante de uma direita que nunca se preocupou muito em respeitar os seus, confirmando assim a declaração de Bernard Charbonneau: "Descrever a evolução da esquerda e da direita é traçar a curva de sua traição a si mesmas. Como o valor vivo se esclerose imediatamente na ideia, como o furor da luta fez progressivamente deformar a ideia em mentira justificadora; e como, animados pela mesma ânsia de poder, servidos pelos mesmos meios, ideologias diferentes terminaram por se confundir no mesmo caos: eis sua história."

A direita perdeu seu principal inimigo: o comunismo. A esquerda escolheu transigir com o seu: o capitalismo. O resultado é que a direita já não pode mobilizar seu eleitorado denunciando o "perigo coletivista", enquanto a esquerda já não pode unir os seus propondo-lhes "mudar a sociedade". No entanto, isso não os impede de tentar reavivar brigas obsoletas periodicamente. Mas os mitos simétricos do anticomunismo e do antifascismo, evocações polêmicas de uma época hoje passada, não podem servir eternamente para evitar uma reflexão profunda nem para esconder o vazio de ideias. Um dia ou outro será necessário reformular as identidades.

Por agora estamos ainda longe. Enquanto a direita populista procura uma identidade de substituição graças ao debate sobre a imigração —ou seja, em última instância, graças aos imigrantes—, a esquerda se esgota em «renovações» e «refundações» diversas, ou busca reconstituir-se às margens da vida pública com base nos temas da ajuda às minorias, solidariedade com os mais desfavorecidos e luta contra a exclusão. Por mais simpáticos que possam ser —e supondo que respondam a uma vontade de altruísmo vivido autenticamente, e não a uma simples necessidade de boa consciência ou de conforto moral—, tais objetivos são, infelizmente, também uma confissão de fracasso. Substituir os critérios ideológicos por critérios puramente morais, reduzir a ação militante à ajuda de urgência aos prejudicados pelas mudanças, e a justiça a uma versão profana dessa caritas que os teólogos da Idade Média definiam como uma forma de amor não sensual, é apenas uma tentativa de corrigir os defeitos ou excessos de uma sociedade que somos incapazes de mudar, que, no final, resulta em seu fortalecimento. Se a esquerda ataca apenas as consequências da dissolução do vínculo social, tornando-se assim cúmplice da melhor tradição do paternalismo que outrora denunciava, é porque é incapaz de agir sobre as causas. Ora, na política, agir é construir e não apenas reparar. Reanimar o vínculo social implica, em primeiro lugar, a criação de novos espaços públicos onde formas ativas de cidadania possam manifestar-se.

A divisão direita-esquerda nasceu da modernidade e desaparece com ela. Nos últimos dois séculos, sempre houve uma direita e uma esquerda, mas seus conteúdos mudaram continuamente. Não há nem direita metafísica nem esquerda absoluta, mas apenas posições relativas e sistemas de relações variáveis que se compõem e recompõem constantemente; não se pode, se se quer compreendê-las, abstraí-las de seu contexto. «Em cada época de confronto, desaparecem certos ou perdem importância, enquanto outros que pareciam secundários passam de repente a ocupar o primeiro plano.» Globalmente falando, a direita teve suas qualidades como a esquerda teve as suas. Também tiveram seus defeitos. Na esquerda: universalismo igualitário, economicismo, crença no progresso, moralismo social. Na direita: autoritarismo, conspiracionismo, ordem moral, mentalidade de cerco e restauracionista, preguiça intelectual, concepção essencialista-fetichista da identidade, fobias diversas, como tantas outras formas de ressentimento ou de sobreinvestimento narcisista.

Globalmente falando, a direita teve suas qualidades assim como a esquerda teve as suas. Também tiveram seus defeitos. Na esquerda: universalismo igualitário, economicismo, crença no progresso, moralismo social. Na direita: autoritarismo, conspiracionismo, ordem moral, mentalidade obsidional e restauracionista, preguiça intelectual, concepção essencialista-fetichista da identidade, diversas fobias, como tantas outras formas de ressentimento ou de sobreinvestimento narcisista.

Hoje, a direita em todas as suas variantes visivelmente não tem mais nada a dizer. Ou interpreta deliberadamente um papel de vanguarda no desenvolvimento do turbocapitalismo, indiferente ao fato de que a lógica de mercado liquida todos os valores que ela pretende seus, ou se instala em posições nacionalistas-jacobinas arcaicas, ou se coloca claramente como carro vassoura dos anos trinta. Mas, igualmente, a esquerda enfrenta uma profunda crise de identidade. Em novembro de 1999, o próprio Lionel Jospin declarava que o socialismo já não existe, nem como "sistema doutrinário" nem "como sistema de produção, tendo se demonstrado incontestável a superioridade do mercado sobre o planejamento". Falta saber se o socialismo se reduz ao "planejamento". Claro que sempre se pode considerar o socialismo (ou qualquer outra doutrina) de duas formas: como tipo ideal com base em uma definição, ou de maneira empírica, como realidade histórica efetivamente observada. Os dois métodos se complementam. De fato, o socialismo não tem necessariamente como meta criar uma sociedade de iguais, mas sim uma sociedade que garanta a cada um o desenvolvimento de sua personalidade no seio da sociedade global, objetivo que pode certamente implicar a redução de certas desigualdades, mas que não se confunde com ela. O verdadeiro socialismo é aquele que se funda sobre a solidariedade e a reciprocidade. É a doutrina que quer basear o bem social em valores compartilhados e independências vividas, que luta contra a alienação ou a heteronomia, isto é, contra a apropriação de si mesmo por outros. Assim como à justiça social, pode orientar-se também à autenticidade e, consequentemente, à identidade.

Na medida em que o liberalismo, que era originalmente uma ideologia de esquerda, se tornou hoje uma prática de direita, na medida em que o socialismo, que era originalmente um ideal de emancipação, se tornou hoje em dia uma prática de gestão de um modelo social superalienante, coloca-se a questão de saber onde se situar. Crítica do comunismo e dos valores mercantis, respeito às identidades coletivas e especificidades culturais, criação de espaços de socialidade orgânica, de autonomia e de cidadania popular, respeito ao pluralismo, rejeição do individualismo, implementação de estruturas de solidariedade, defesa do meio ambiente: qual família política está melhor situada para cumprir semelhante programa?

O que torna obsoleta a distinção direita-esquerda hoje em dia não é somente o fato de que, há cerca de quinze anos, a esquerda não cessa de "direitizar-se" em matéria econômica, enquanto que a direita se "esquerdiza" em matéria cultural e de costumes, dando assim lugar a um vasto centro moderado onde se fundem correntes que até ontem se opunham — já que o centro não pode por si só apagar o contraste em relação aos polos que o rodeiam —, mas também a presença de um "terceiro transversal" a todos os campos. Seja a guerra do Golfo, a agressão contra a Sérvia por parte das forças da OTAN, as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), a reunificação da Alemanha e suas consequências, o debate sobre a construção europeia e a moeda única, as controvérsias em relação às identidades culturais ou às biotecnologias, todos os debates que ocorreram nos últimos anos produziram divisões irreduzíveis às separações tradicionais. As linhas de fratura são agora transversais: passam tanto pelo interior da direita como pelo interior da esquerda. Desenham a partir de agora novas distinções.

O desaparecimento da divisão direita-esquerda não quer, de fato, dizer que todas as distinções políticas vão desaparecer, mas apenas que esta distinção, tal como a conhecemos até um tempo recente, perdeu o essencial de seu significado. Reflexo de uma época que se conclui, seu tempo passou. Mas haverá novas distinções. Já vemos esboçarem-se fronteiras inéditas, seja em torno da pós-modernidade, do lugar do trabalho remunerado, da Europa e das regiões, das identidades culturais, do produtivismo ou do meio ambiente. Esses debates ainda não deram lugar a verdadeiras reclassificações, mas estamos sem dúvida diante do início de um processo de recomposição de longa duração.

Veremos então que noções que se consideravam contraditórias eram de fato complementares. Todo mundo conhece o célebre apóstrofe de Ortega y Gasset: "ser de direita ou de esquerda é escolher uma das inúmeras maneiras que se oferecem ao homem de ser um imbecil; ambas, de fato, são formas de hemiplegia moral." Bernard Charbonneau dizia por sua vez: "Somos seguidores de Maurras ou de Marx, igual a certos insetos que conservam um olho cego na noite dos abismos". E acrescentava: "A discussão de princípios entre a direita e a esquerda é absurda, porque seus valores se complementam [...] A liberdade em si mesma ou a ordem em si mesma não podem ser mais que a mentira que dissimula a tirania, e o caos. A verdade não está à direita nem à esquerda, tampouco está no ponto médio exato, está contida na tensão de suas exigências extremas. E se um dia tiverem que se encontrar, não será na negação, mas indo ao limite delas mesmas". E para concluir: "finalmente chegou para nós o momento de rejeitar ao mesmo tempo a direita e a esquerda a fim de reconciliar em nós a tensão de suas aspirações fundamentais".

Sobre a distinção direita-esquerda, Jean Baudrillard escrevia recentemente: "Se um dia a imaginação política, a exigência e a vontade políticas tiverem uma oportunidade de voltar a cobrar atualidade, será, muito provavelmente, unicamente sobre a base da abolição radical dessa distinção fossilizada que se anulou ela mesma e se desvalorizou com o curso das décadas, e que só se sustenta pela cumplicidade na corrupção". Deixar para trás essa diferenciação não é situar-se "nem à direita nem à esquerda", o que não quer dizer grande coisa, mas sim "à direita e à esquerda". Poderia ser uma forma de deixar de ser hemiplégico ou de deixar de ser cego de um olho. As ideias não valem pela etiqueta que colocamos sobre elas. Mais que as ideias de direita ou de esquerda, o único que conta é defender as ideias justas.

Tradução de Raphael Machado