O Iraque e os Interesses e a Agenda de um Mundo Multipolar

28.05.2024
Entre o declínio estadunidense, a ascensão chinesa, a projeção iraniana e a luta contraterrorista russa, o Iraque tornou-se uma peça central na reorganização planetária.

Podemos entender os objetivos da China e do Ocidente em relação ao Iraque, lançando luz sobre a natureza de suas estratégias em relação ao Oriente Médio como um todo e seu relacionamento com a importância geográfica e econômica do Iraque, dada a atenção que o mundo árabe e islâmico tem dedicado à luta das potências mundiais emergentes para minar a influência do unilateralismo dos Estados Unidos. Foi apoiado por todos os presidentes dos Estados Unidos e suas administrações, independentemente da afiliação política. Dado o domínio da China nas exportações comerciais e nos avanços tecnológicos, ela é uma concorrente importante dos interesses americanos e europeus na África e no Oriente Médio. Enquanto isso, o Iraque é um exemplo do choque de interesses e programas no conflito entre o unipolarismo representado pela política dos Estados Unidos e o multipolarismo que os países em desenvolvimento estão tentando estabelecer no mundo.

Não é difícil entender a forma e a natureza do relacionamento entre os Estados Unidos e o Iraque, que é semelhante ao entre este último e a China, considerando os laços comerciais da China e sua importância na realização e sustentação de uma estratégia multipolar. O objetivo desta estratégia não é apenas combater a abordagem unilateral desfrutada pelas sociedades americanas e ocidentais, mas também enfrentá-las politicamente e militarmente através de uma política “em rede” destinada a confrontar a grande potência econômica.

A influência econômica da China no Oriente Médio está se expandindo em todos os níveis, principalmente devido à necessidade de Pequim de importar matérias-primas, especialmente petróleo, que é provavelmente o principal motor da economia chinesa. A China representa mais de 50% das exportações de petróleo do Iraque e do Golfo, além do Irã, e chegou a dominar a balança comercial, tornando-se uma das maiores economias do mundo. Superou os Estados Unidos, tornando-se o maior exportador mundial em termos de reservas cambiais.

Dado que a China é uma das principais potências emergentes que procura desafiar o domínio ocidental na África e no Oriente Médio e é capaz de influenciar a economia mundial através da gestão de suas vastas reservas globais de moeda estrangeira, especialmente dólares americanos, Pequim tem um forte interesse no Iraque, que representa uma importante extensão estratégica do continente asiático. A liderança chinesa tem procurado estabelecer relações amigáveis e de cooperação com o regime de Bagdá, aproveitando as tensões políticas e sectárias entre o governo e vários partidos influentes sobre a questão da permanência dos Estados Unidos no país, sem falar na relação estratégica da China com o Irã, que poderia inclinar a balança a seu favor nas lutas de poder na região.

Existe também o projeto da Nova Rota da Seda, ou iniciativa One Belt, One Road, que a China está desenvolvendo e moldando seus laços com o mundo; foi lançado pelo presidente Xi Jinping em 2013. O projeto visa revitalizar as antigas rotas comerciais e conectar oleodutos, ferrovias, portos e aeroportos nos países vizinhos à Rússia e ao Oriente Médio, para garantir ao gigante asiático um crescimento e desenvolvimento econômico contínuos em termos de exportações para o Oriente Médio e Europa.

Consequentemente, o desenvolvimento industrial e econômico da China tornou-se motivo de preocupação para os principais países industrializados, pois Pequim tem o claro objetivo de estabelecer relações e alianças para fortalecer sua posição no sistema internacional e apoiar sua estratégia contra a hegemonia dos Estados Unidos, trabalhando assim para virá-las a favor da China – dando-lhe uma vantagem internacionalmente. Por esse motivo, ela procura envolver os países da África e do Oriente Médio, incluindo o Iraque, que parece ter se tornado um Estado prioritário para a política externa chinesa. Pequim mostrou uma crescente abertura diplomática em seus relacionamentos com os funcionários de Bagdá, sem negligenciar os fortes laços entre os Estados Unidos, o Ocidente e o Iraque.

A liderança chinesa está convencida da importância de revitalizar o Iraque para manter sua influência no Oriente Médio, apesar dos profundos laços com a Europa e os Estados Unidos e a suspensão do projeto da Rota da Seda. Qualquer que seja a forma que assumirá, será financiado com empréstimos da China. Isso oferecerá a oportunidade de aumentar a influência do Iraque por meio de parcerias superficiais, sem se preocupar muito com o fato de isso poder levar a um sério problema de endividamento para Bagdá.

Embora o projeto da Rota de Desenvolvimento anunciado pelo governo iraquiano com a participação dos ministros dos transportes dos países vizinhos, incluindo os do Conselho de Cooperação do Golfo, não esteja totalmente alinhado com os interesses da Rota da Seda chinesa, apoiada pelo lobby sino-iraniano no Iraque, a atenção do embaixador chinês ao projeto e seu acordo em fornecer financiamento revelam os objetivos de Pequim.

É de se notar que os bancos de desenvolvimento chineses concedem empréstimos substanciais para os projetos iniciados nos países envolvidos na construção da Rota da Seda, apesar da falta de condições e transparência necessárias para garantir os empréstimos em caso de fracasso do projeto ou apropriação indevida dos fundos devido à corrupção generalizada. Se isso acontecer, o Iraque pode perder o controle e a soberania sobre esses projetos, permitindo que os bancos influenciem os negócios do Iraque, que cairia em uma perigosa espiral de dívida.

Não há dúvida de que os objetivos declarados de desenvolver e financiar projetos no Iraque escondem apenas parcialmente a intenção da China de continuar a aumentar seu peso econômico para incrementar as exportações para a Europa, dada a proximidade do Iraque com a Turquia. Existe também o problema do desejo da China de dominar a África e a Ásia culturalmente, tecnologicamente e economicamente, além de aumentar sua influência econômica e militar no Oriente Médio.

Tudo isso deve ser visto à luz do declínio da presença militar e econômica dos Estados Unidos no sistema mundial e da sua influência no Oriente Médio como um todo, em particular no Iraque. Isso pode levar Bagdá a aceitar de bom grado a China e a se mover para uma “zona cinzenta”, tornando-se em última análise refém de objetivos contrastantes em um mundo multipolar, dada a capacidade ainda limitada da China de desafiar e acabar com a presença militar dos EUA no Iraque.

Fonte