O “Gramscismo de Direita”: A experiência da “Nova Direita”
A “Nova Direita” é um conjunto de movimentos intelectuais que surgiu em 1968 como uma reação à crise ideológica e ao fortalecimento da hegemonia liberal na Europa. Em 1968, os movimentos clássicos de “direita” estavam repletos de motivos ideológicos liberais, como a adoção do capitalismo, sentimentos pró-americanos e estatismo. Por sua vez, a agenda da “esquerda”, cujo núcleo era constituído pela oposição ao capitalismo1, também foi afetada por influências liberais. O igualitarismo, o individualismo, a negação das diferenças entre as culturas e o universalismo estavam tornando os movimentos de “esquerda” aliados e parceiros da doutrina liberal.
O conjunto de intelectuais desta “Nova Direita” se engajaram no estudo da identidade europeia, uma pesquisa que se diferenciava dos análogos contemporâneos antes de tudo porque não se considerava um movimento de “esquerda” ou de “direita”. Os principais ideólogos do movimento falaram sobre a necessidade de superar a cisão política artificial e a transição para uma nova doutrina, que seria uma mistura das melhores ideias dos movimentos intelectuais de “esquerda” e de “direita”. Como observou Guillaume Faye em uma conferência do Grupo de Pesquisa e Estudo para a Civilização Europeia (G.R.E.C.E.): “Nossa sociedade não se inspira mais na renovação de sua ideologia”. Esta ideologia hoje está em sua “culminação” — e, portanto, no início de sua fase poente, ideias mortas se tornaram cânones morais, sistemas de hábitos, tabus ideológicos, que não mais entusiasmam.”2
O próprio título “Nova Direita” data de 1979, quando era impossível não notar a influência do “Grupo de Pesquisa e Estudo para a Civilização Europeia” (G.R.E.C.E.) sobre a cultura política e a vida intelectual da França. Tal “rótulo” surgiu no verão de 1979, primeiro na mídia francesa e depois na europeia e até americana — mais de 500 publicações surgiram em apenas um verão, cujo objetivo principal era bastante óbvio: diminuir a influência das ideias de Benoist e de seus apoiadores. Tal campanha de mídia só fortaleceu as posições do movimento — que começou assim a aparecer em outros países europeus. A Nova Direita realizou o colossal trabalho de compilação de um conjunto unificado (enciclopédia) dos melhores pensadores europeus (de Platão a Nietzsche, de Lorenz a Jünger). Eles abriram a França às ideias dos revolucionários conservadores, dos bolcheviques nacionais, dos filósofos do “Novo Começo” e de outros fenomenólogos, sociólogos, antropólogos sociais e etnólogos que contribuíram muito para o desenvolvimento da cultura europeia. Entre suas inspirações estavam Ersnt Niekisch, Ernst Jünger, Arthur Moeller van den Bruck, Oswald Spengler, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Claude Lévi-Strauss, Arnold Gehlen, Jean Thiriart, Louis Dumont e Pierre-Joseph Proudhon.
As principais tarefas da Nova Direita passaram a ser: um complexo repensar da civilização européia e criar uma frente de “contra-hegemonia” que enfrentaria o universalismo, o globalismo, o igualitarismo realizado sob a agenda liberal, através de uma ideologia alternativa e algo simétrica, e também através da reconstrução da cultura europeia em toda a sua diversidade. O movimento tomou forma inicialmente em torno do “Grupo de Pesquisa e Estudo para a Civilização Europeia” (G.R.E.C.E.) e da “Nova Escola” (“Nouvelle École”).
Em 1973, a Nova Direita lançou a icônica revista “Elementos” (“Éléments”), que se tornou uma nova plataforma para o encontro de intelectuais que colocaram diante de si a tarefa de reviver a cultura europeia ao longo dos princípios do holismo, antiliberalismo, tradição e anticapitalismo. Em 1988, a Nova Direita lançou a publicação impressa “Crise” (“Krisis”), uma revista para ” ideias e debates”. Ao contrário de muitas outras publicações políticas que saíam da França na época, as edições impressas da Nova Direita se proclamaram plataformas onde a oposição entre “esquerda e direita” fora superada. Como de Benoist escreveu no livro “Les Idées à l’endroit”, a Nova Direita praticamente “virou a mesa de ideias” existente na época, abandonado o campo do clássico confronto entre “esquerda” e “direita”.
Um aspecto importante da atividade da Nova Direita veio a ser o desenvolvimento de um “Gramscismo de Direita”. Partindo das obras de Antonio Gramsci, Alain de Benoist critica a hegemonia ideológica e cultural do liberalismo e declara a necessidade de criar uma alternativa que se fundamentasse nos valores da civilização europeia — holismo, tradição, percepção pluriversal do mundo, identidade continental da Europa e substituição dos “direitos humanos” abstratos por “direitos dos povos”. De Benoist observou: “Em certo sentido, e se nos atermos apenas aos aspectos metodológicos da teoria do poder da cultura (pouvoir culturel), algumas visões de Gramsci são virtualmente proféticas.”3
Uma das conferências da G.R.E.C.E. (XVI colóquio nacional), realizada em 29 de novembro de 1981 no Palais des Congrès de Versalhes, foi dedicada ao tema “Gramscismo de direita”. Na abertura da conferência, o professor M. Vayof da Nancy-Université enfatizou: “Ser gramscistas para nós é admitir a importância da teoria do poder cultural (pouvoir culturel): não estamos falando de preparar o governo de algum partido político, mas sim de transformar a mentalidade para apoiar um novo sistema de valores, onde a tradução política [área política] não nos interessa de forma alguma.”4 Alain de Benoist, historiador de ideias e ideólogo chefe da G.R.E.C.E., também observou que os processos políticos mudam o tempo todo, pois a “maioria ideológica” permanece a mesma”: “Agora podemos falar de um consenso, em vez de uma contradição entre a maioria política, ideológica e sociológica.” Tal consenso representa o principal estado de coisas”5. Do ponto de vista de de Benoist, a ideologia de “esquerda”, repleta de tendências liberais (individualismo, prioridade do setor econômico sobre todos os outros), criou um clima no qual nenhum desenvolvimento político pode ocorrer. Para de Benoist, é importante destacar o fato de que por trás da fachada das ideias de “esquerda” nas últimas décadas esconde-se o mesmo liberalismo (ideologia e cultura liberais) e a “sociedade de consumo”. O objetivo do Gramscismo de direita é sair do sistema de hegemonia liberal através do desenvolvimento da cultura alternativa e de códigos metapolíticos. De Benoist descreve tal caminho para fora da cultura “universalista” em categorias existenciais: “Estamos à meia-noite, estamos no primeiro meridiano do niilismo ativo.” […] A participação em nosso empreendimento não significa escolher um clã contra outro. Significa sair do trólei, que nada mais faz do que atravessar os polos opostos da mesma ideologia — com ou sem paradas.”6 De Benoist observa que estamos falando de “mudar o universo”, “dar ao mundo sua cor, sua memória — suas medidas, seus povos — sua oportunidade histórica e seu destino de ser”7. Para a Nova Direita, as ideias se tornam armas. Como observou Guillaume Faye:
“Os intelectuais isolados, neutros, não em guerra, nunca marcaram a história. […] A G.R.E.C.E. e todo o nosso movimento não pretende de forma alguma dar ideologia aos liberais ou conservadores, bem como aos “esquerdistas”, mas quer trazer à sociedade, em toda a sua complexidade, a força de ideias diferentes. Executar o “gramscismo de direita” significa difundir um sistema de valores que:
– funcionará por um longo tempo;
– conterá fórmulas concorrentes;
– será trazido para dentro através de uma estratégia metapolítica;
– será localizado fora das instituições políticas.
A G.R.E.C.E. também difunde uma visão do mundo (que pode ser expressa através da ação na esfera cultural, ou em uma esfera puramente intelectual) através da construção de um corpus teórico, que nunca está completo, mas sempre em desenvolvimento. Tal corpus pressupõe a inclusão de muitas disciplinas nele — da biologia à filosofia.”8
Também em seu discurso na conferência G.R.E.C.E. sobre o Gramscismo de direita, ele enfatizou que “o corpo ideológico [G.R.E.C.E.] é radicalmente aberto, está em constante evolução, une novas disciplinas, aceita novas ideias, está em constante interação com a realidade.”
O “Gramscismo de direita” revela assim o domínio do liberalismo no campo da cultura e defende a construção de uma contra-hegemonia. Para a Nova Direita, as posições dos “direitistas” em relação à hegemonia liberal na cultura não são adequadas, pois a “direita” se abstém de se envolver na guerra pelas ideias. De Benoist considera esta última como um erro fatal (Cesarismo), na medida em que perder e deixar a cultura para o liberalismo faz com que qualquer política se transforme inevitavelmente em uma política liberal. Mas de Benoist também vê a oposição de “esquerda” à cultura liberal como ineficaz. O capitalismo, tanto no espaço intelectual de “direita” quanto no de “esquerda”, torna-se uma espécie de código que só pode ser resistido por um código alternativo.
Ao posicionar e descrever tal “gramscismo de direita”, a “independência das ideologias” também é importante. Representantes da “Nova Direita” formularam a ideia de que as ideologias da Modernidade, que têm estado em estrita oposição e estado de luta, são um fenômeno exclusivo da cultura ocidental. A posição do Gramscismo de direita se baseia na ideia de construir um “território livre de ideologias”. Este território rejeitaria o “individualismo”, o igualitarismo e o conceito de direitos humanos abstratos (que são interpretados pela “Nova Direita” como sendo uma falsificação da doutrina liberal).
O Gramscismo de direita é assim concebido como um território de metapolítica além da influência da hegemonia, ou seja, a autoridade da cultura liberal com seus algoritmos, práticas e instituições. O próprio Gramsci via o comunismo como uma alternativa à hegemonia ou contra-hegemonia, principalmente em sua versão leninista ativa, onde a política está à frente da economia e a cultura está à frente da política. G.R.E.C.E., entretanto, atribui o comunismo contemporâneo à hegemonia, ou seja, eles o interpretam como uma versão extremamente “de esquerda” do próprio liberalismo.
E então a tese do Gramscismo de direita adquire todo seu significado: é um convite para criar uma nova versão de contra-hegemonia que desafiaria toda a teologia política dos tempos modernos. De Gramsci, porém, a “Nova Direita” tirou, antes de tudo, a tese de que a fonte do poder deve ser procurada precisamente na cultura, no pacto histórico que o intelectual celebra livremente com este ou aquele dominante histórico.
De Benoist escolhe o lado do Trabalho contra o Capital (nisto ele é um Gramscista consistente), mas ele interpreta o princípio do Trabalho (Arbeit) mais no espírito de Ernst Jünger e seu Trabalhador (der Arbeiter). Novamente, aqui não estamos falando de nacionalismo como outra versão da mesma cultura capitalista (e, portanto, de outra versão da mesma hegemonia), mas de ir além das fronteiras da Modernidade como um todo, em território ainda desconhecido — além da “direita” e da “esquerda”.
Portanto, “Gramscismo de direita” é apenas um nome convencional. Não é tanto “de direita” como “não de esquerda”, ou seja, não reconhece o comunismo como sendo uma contra-hegemonia adequada. Mas também não é “de direita” no sentido convencional, pois rejeita o capitalismo e o nacionalismo. Mais tarde, o sociólogo francês Alain Soral, que continuou esta linha, chamaria esta síntese contra-hegemônica de “Esquerda no trabalho + Direita nos valores”.
Isto se reflete mais plenamente na Quarta Teoria Política, à qual A. de Benoist chegou já nos anos 2000. Aqui, como em Gramsci, coloca-se uma antítese à hegemonia (incluindo sua interpretação pelo próprio Gramsci como capitalismo internacional — imperialista) e a primazia da cultura é reconhecida. Mas o marxismo — pelo menos em sua versão dogmática — é descartado e se inicia uma livre busca por estudos filosóficos, sociológicos e antropológicos que não se enquadram nos critérios clássicos e que podem vir a formar a base de uma nova topologia metapolítica.
Em 40 anos, a Nova Direita percorreu um longo caminho no desenvolvimento de sua teoria metapolítica e estratégias relacionadas. Até hoje, o aparato conceitual e os algoritmos teóricos desenvolvidos por eles são os mais adequados para a interpretação de fenômenos como o populismo europeu, a crise do globalismo e a emergência da multipolaridade. Isto é cada vez mais reconhecido não somente pela “direita”, mas também pela “esquerda”, como o comunista italiano Massimo Cacciari, os sociólogos franceses Serge Latouche e K.-M. Mishea, e o intelectual de esquerda Chantal Mouffe.
REFERÊNCIAS
1 Pour un gramscisme de droite. Acte du XVI colloque national du GRECE. Paris: Le Labyrinthe, 1982, p. 72.
2 BENOIST, Alain de. Les Idées à l’endroit. Paris: Editions Libres Hallier, 1979, p. 258.
3 Pour un gramscisme de droite. Acte du XVI colloque national du GRECE. Paris: Le Labyrinthe, 1982, p. 7.
4 Ibid., p. 11.
5 Ibid., p. 21.
6 Ibid.
7 Ibid.
8 Ibid.
Tradução: Augusto Fleck