Kemi Seba: A Rússia está em guerra contra o Globalismo

31.03.2022
A operação militar russa na Ucrânia mudou o mundo completamente, dado que marca o fim do mundo unipolar e o nascimento da multipolaridade. Muitos movimentos percebem isto, incluindo inimigos da globalização na Áfria, como o Pan-africanismo que busca unir países africanos com a intenção de proteger sua identidade, junto com sua soberania cultural e política. Um correspondente do Katehon na África entrevistou Kemi Seba, mais importante representante contemporâneo do movimento, líder da organização Urgences panafricanistes.

Tradução: Augusto Fleck

Como a guerra na Ucrânia afetará a atual balança de poderes? A África passará por grandes mudanças como resultado disso?

Kemi Seba: O que está acontecendo na Ucrânia afetará o mundo todo, não só a África, que já está em guerra contra o globalismo. Esta é uma luta entre os defensores do globalismo e os baluartes da multipolaridade. Assim, a guerra entre Ucrânia e Rússia é, na realidade, um confronto entre os que desejam ocidentalizar a humanidade e aqueles que protegem as múltiplas identidades dos vários povos. A luta de Vladimir Putin contra a OTAN e o Ocidente afetará a África e todos os continentes. O Ocidente não quer apenas destruir Vladimir Putin, mas também a África, América Latina e o Oriente Médio, uma vez que o objetivo globalista é desestabilizar igualmente todos os continentes. Uma maior desestabilização do Ocidente beneficiaria todos os que lutam contra todas as formas de neoliberalismo.

Algumas autoridades africanas afirmam que a Ucrânia está tentando recrutar seus cidadãos para a guerra (especialmente no Senegal). O que acha disso?

KS: É uma atitude colonialista que os ucranianos estão copiando de seus mestres ocidentais, fazendo africanos trabalharem para eles e não pelo bem da África. Isso é típico de seu desprezo por nós e sinto muito que existam africanos decididos a estar do lado de Zelensky e da oligarquia ocidental.

Interessantemente, Rússia e Mali tiveram sanções impostas sobre eles. Acha possível superar isto, de algum modo?

KS: A razão pela qual defendemos nossa multipolaridade tem a ver com a criação de alianças entre diferentes polos e civilizações para confrontar este modelo único que querem impor sobre nós.

Vários movimentos militares patrióticos chegaram ao poder este ano na África, mas o Ocidente pediu que os militares entregassem o poder aos civis. Você acha que os militares deveriam ouvir estes apelos?

KS: Não acho necessário entregar o poder aos civis, uma vez que alguns dos maiores líderes africanos eram militares, como Qaddafi, Sankara ou Rawlings. A liberdade africana anda de mãos dadas com seu lado militar. Ademais, devemos ter em mente que muitos civis africanos trabalham para o Ocidente (que quer dominar nossos territórios), embora existam outros, como nós, anti-globalistas que defendem a soberania dos povos. Por isso nos alinhamos com os militares que pensam como nós.

Poderia explicar melhor?

KS: Ben Servo (pseudônimo do ativista Adam Diarra) é um militar que chegou ao poder em nosso país. Mas há civis como Ousmane Sonko no Senegal, muito próximo do povo, que também ganha prestígo.

Por que o movimento pan-africanista apoia a Rússia, um poder extra-regional, no conflito contra o Ocidente?

KS: Porque vemos a Rússia como desafiante da hegemonia Ocidental. Também cooperamos com Venezuela, Cuba e Irã. Simpatizamos com russos e iranianos dispostos a cooperar com todas as forças anti-globalistas. Nós africanos buscamos primeiro e mais importantemente a nossa liberação, para isso contamos com o apoio dos que quiserem nos ajudar. Outros movimentos de libertação, como o Hamas, fazem o mesmo. É parte da nossa tradição popular de resistência.

Falando no Pan-africanismo, quais você acha que são os principais componentes de sua ideologia ou defende alguma “ideia” da África?

KS: Eu acredito que a África, tanto a islâmica quanto a cristã, retornará para suas tradições, já que existem muitos movimentos nesse sentido. O Pan-africanismo foi fundado precisamente sobre a ideia de uma África e é precisamente essa ideia que une não só as grandes famílias linguísticas do continente, parte de uma grande macro-família, mas também o fato de que somos herdeiros de uma única civilização que compartilha do mesmo objetivo e destino comum. Um dasein africano, digamos.

Qual é o futuro que você vê para a África?

KS: Eu acredito que nosso futuro será a defesa de nossa soberania, a defesa de nossos recursos e a associação com aqueles que queremos e não com aqueles que impõe condições. Ademais, precisamos criar uma África culturalmente soberana longe dos esteriótipos que o Oeste impôs sobre nós. Por exemplo, filmes iranianos são repletos de referências à cultura persa ou islâmica. Devemos defender nosso componente cultural. Assim, a Nova África que queremos criar deve ser soberana em níveis cultural, ideológico, econômico e político.