EUA: O Inimigo da Europa

12.02.2022

A disputa entre Zuckerberg e a União Europeia é apenas a ponta do iceberg. As tensões entre a Europa Ocidental e os EUA estão aumentando. Os europeus estão alarmados com as tentativas americanas de provocar uma guerra no continente por causa da Ucrânia. Eles também não esquecem de terem sido abandonados no Afeganistão, sem aviso prévio, pelos EUA. Os europeus estão começando a perceber que não são aliados ou parceiros, mas vassalos da hiperpotência atlantista.

Nos últimos dias, tem-se falado muito sobre a diatribe entre Meta (a empresa de Mark Zuckerberg à qual se referem as plataformas sociais Facebook e Instagram) e a União Europeia. O objeto da disputa é alegadamente a incompatibilidade com os regulamentos europeus de proteção de dados pessoais, o que impediria Meta de transferir os mesmos dados de usuários europeus para gerentes e arquivos norte-americanos. Essas regulamentações, de fato, representariam uma grande limitação para uma empresa gigante cujos negócios e lucros dependem de sua capacidade de enviar aos usuários mensagens promocionais, anúncios, informações e convites direcionados. Especificamente, o relatório da Meta afirma: “Se não formos capazes de transferir dados entre os países e regiões em que operamos, ou se formos impedidos de compartilhar dados entre nossos produtos e serviços, isso pode afetar nossa capacidade de fornecer nossos serviços, a forma como prestamos esses serviços ou nossa capacidade de direcionar anúncios”.[1]

Além disso, o relatório afirma que Meta pretende obter novos acordos com a União Europeia até 2022. Caso contrário, será obrigado a suspender o uso de seus produtos na Europa.

O que pode parecer um simples confronto entre uma empresa privada e instituições políticas (um confronto que provavelmente será resolvido com a enésima capitulação europeia aos ditames do mundo ultramarino), na realidade esconde algo muito mais relevante em nível geopolítico. De fato, vale a pena lembrar que os Estados Unidos conseguiram transformar o mundo em uma “colônia econômica americana” através de duas tecnologias principais: a tecnologia financeira e a tecnologia da informação. A primeira, com a ajuda da segunda, como disse o ex-general da Força Aérea chinesa Qiao Liang, promoveu a globalização do dólar americano através da construção de um império financeiro de uma vastidão sem precedentes[2]. Se a primeira permitiu a hegemonia do dólar, a segunda foi crucial em termos de gestão da informação, propaganda e “construção do inimigo”[3]: por exemplo, o terrorismo islâmico, “Estados párias”, o autoritarismo russo ou chinês, ou mais recentemente o vírus.

Hoje, algumas pessoas continuam a levantar o nariz quando falam sobre o império global norte-americano. Mais do que qualquer outra coisa, é feito com o desejo mal disfarçado de negar as evidências ou com a intenção política precisa de desviar/direcionar a atenção da opinião pública para questões que são absolutamente consubstanciais ao sistema e que não são de forma alguma prejudiciais ao mesmo. A dicotomia soberanismo/globalismo, por exemplo, move-se dentro do sistema, não fora dele. O mesmo se aplica à controvérsia no-vax/pro-vax, que é amplamente alimentada pelo próprio sistema a fim de ocultar os resultados mais prejudiciais da crise pandêmica: os lucros excessivos das multinacionais farmacêuticas ocidentais, o fortalecimento das estruturas do capitalismo de vigilância (exploração de dados e informações privadas dos cidadãos por razões comerciais e de segurança), o assalto aos bens comuns globais escondidos por trás das medidas de combate à própria crise. De fato, os governos colaboracionistas do Ocidente inauguraram a corrida dos fundos de investimento aos bens essenciais à vida: água, mar, terra (parques naturais e arqueológicos), o espaço ao redor da terra e o chamado espaço digital.

Não foi por acaso que foi feita referência acima ao “lucro desproporcional” que as multinacionais farmacêuticas ocidentais tiveram com a crise pandêmica (apesar da retórica enjoativa de “vacina como bem global” exigida por algumas instituições políticas). Isto, além de destacar que a geopolítica da vacinação tem sido utilizada como um instrumento de cesura entre o Ocidente e o Oriente [4], requer uma breve reflexão à luz do fato de que o Prêmio Gênesis (o “Nobel judeu”) foi concedido ao CEO da Pfizer Albert Bourla, e à luz do fato de que alguns países europeus (Itália in primis) escolheram (ou mais provavelmente foi imposto a eles) seguir o modelo israelense de contraste com a epidemia de Covid-19. Este prêmio (o equivalente a um milhão de dólares que geralmente é dado a outras fundações judaicas) é concedido anualmente a personalidades que se destacaram como “expressões marcantes dos valores judaicos e pelos serviços prestados ao Estado de Israel”. A motivação por trás da escolha de Bourla (um judeu sefárdico originário de Salônica) parece ser que ele, desprezando a burocracia, assumiu os riscos (não está claro quais exatamente, dada a proteção garantida pelos governos ocidentais contra possíveis reclamações por danos) de produzir uma vacina o mais rápido possível. Sem palavras minuciosas, o verdadeiro mérito teria sido que a Pfizer ganhou mais de 30 bilhões de dólares em um ano. Isto, entretanto, exige um tipo de raciocínio diferente, que se ligue perfeitamente à ideia expressa por Qiao Liang, segundo a qual o modelo imperialista norte-americano é baseado na tecnologia das finanças e da informação. E este raciocínio pode partir de algumas considerações de Karl Marx extraídas do escrito A Questão Judaica em resposta a algumas teses do filósofo hegeliano Bruno Bauer. Marx escreve: “Qual é o deus mundano do judeu? O dinheiro. O judeu se emancipou de forma judaica não só na medida em que se apropriou do poder do dinheiro, mas também na medida em que o dinheiro através dele e sem ele se tornou uma potência mundial, e o espírito prático do judeu, o espírito prático dos povos cristãos”[5].

O pensamento do pensador de Trier se presta, involuntariamente, à geopolítica. A crise geopolítica (conflito militar ou crise pandêmica), de fato, é frequente e voluntariamente utilizada para criar uma situação favorável à moeda: neste caso, ao dólar americano. Assim, outra característica do poder global norte-americano é o fato de que a geopolítica tem sido subordinada (se tornado instrumental) à política monetária. Para lucrar com a hegemonia financeira, os EUA têm que controlar os fluxos de capital, e para controlar os fluxos de capital têm que controlar os centros comerciais mais importantes do planeta: em termos geopolíticos, “os mediterrâneos da Eurásia” (o antigo Mare Nostrum e o Mar do Sul da China).

Agora, para ser mais preciso, os Estados Unidos foram capazes de desenvolver seu poder mundial tanto através das formas coloniais clássicas como através do sistema de domínio financeiro, de TI e de informação. Os Estados Unidos têm seus territórios ultramarinos: Guam, as Ilhas Virgens Americanas, Porto Rico e assim por diante. Suas bases militares ao redor do mundo são regidas pela lei americana. E os mesmos crimes cometidos pelos militares americanos parecem estar fora da jurisdição do “país anfitrião/colônia” (massacre de Cermis docet). Além disso, a partir de suas bases eles projetam influência política e econômica sobre o estado vassalo. E a força militar abre o caminho para as multinacionais dedicadas à exploração dos recursos locais.

O intervencionismo militar através das fronteiras ocorre em nome de um “Destino Manifesto”; de um novo pacto com Deus que permitiu à América, a encarnação de uma forma tipicamente moderna de messianismo, mudar o mundo à sua própria imagem. No entanto, a política externa deste Estado imperialista, criada desde os anos 70 como uma estrutura tecnológica financeira e de TI, está focada exclusivamente na salvaguarda de seus próprios interesses. Os interesses dos aliados/vassalos só são levados em conta se coincidirem (muito raramente, por sinal) com os do centro imperialista. Caso contrário, eles são completamente irrelevantes. Pelo contrário, o território dos próprios vassalos é utilizado como teatro de guerra potencial contra possíveis rivais (o arsenal nuclear americano na Europa tem precisamente o papel de impedir que o território norte-americano se torne alvo de represálias nucleares).

Sobre o tema dos interesses não contíguos entre o centro imperialista e os vassalos, pode-se mencionar a retirada unilateral dos EUA do acordo nuclear com o Irã. A escolha da presidência Trump, de fato, veio em um momento em que Washington percebeu que a remoção gradual do regime de sanções contra o Irã estava promovendo uma “perigosa conexão eurasiática” mutuamente benéfica. A União Europeia, de fato, graças à decisão dos Estados Unidos, perdeu muitas encomendas comerciais com Teerã (só a Itália perdeu encomendas comerciais por cerca de 30 bilhões de euros)[6].

O “Destino Manifesto”, além disso, é a única cola ideológica dentro de uma construção estatal baseada no genocídio, no preconceito racial e em imensas diferenças sociais. O “Destino Manifesto”, na verdade, é o que permite que a violência oculta seja descarregada fora das fronteiras americanas. A própria violência torna-se uma forma de “agregação nacionalista”[7] diz o General Fabio Mini no prefácio do texto de Qiao Liang acima mencionado O Arco do Império.

A guerra é uma necessidade, e mesmo quando a operação militar se revela infrutífera, o sucesso financeiro e/ou estratégico se esconde por trás dela (as guerras da Coreia e do Vietnã, concebidas para impedir qualquer cooperação entre o espaço eurasiático e os “satélites” que o cercam, como o Japão, ou as agressões ao Iraque e ao Afeganistão). Isto explica as 452 intervenções dos EUA no exterior desde 1780, das quais 184 nos últimos vinte anos: ou seja, numa época em que os Estados Unidos assumiram plenamente o papel de polícia global e quando as aventuras militares foram justificadas com base na intervenção humanitária (de Kosovo à Líbia). Neste caso, “o colonialismo é camuflado como hegemonia”[8]. O colonialismo, de fato, é também a capacidade de fazer os vassalos lutarem por conta própria (pense-se no papel que os Estados Unidos reservam para a Austrália e Grã-Bretanha no teatro Indo-Pacífico) enquanto fingem considerá-los aliados (Itália no Kosovo, Iraque e Afeganistão).

O papel da OTAN, neste sentido, é emblemático. A Aliança Atlântica é na verdade uma aliança não igualitária. É um instrumento coercitivo contra a Europa para impedir que ela seja independente, verdadeiramente unida, e para impedir que ela se volte para o Oriente. Não é coincidência que, segundo Brzezinski, a expansão da OTAN em direção ao Leste teria ampliado a área de influência dos EUA na Europa e criado uma união europeia tão vasta quanto unida e, consequentemente, facilmente controlada pelo poder hegemônico.

A guerra em Kosovo fazia parte desta perspectiva. Um dos eventos mais importantes em 1999 foi o lançamento oficial do euro, inicialmente adotado em 11 países. Trazer a guerra ao coração da Europa com base em acusações contra a Sérvia que se revelaram infundadas tinha o objetivo preciso de enfraquecer a moeda única europeia em relação ao dólar no exato momento em que ela nasceu. A guerra americana na Europa, portanto, tinha como objetivo poluir o clima de investimento no “Velho Continente”. E o mesmo poderia ser facilmente aplicado à crise da dívida grega, que foi concebida para mostrar a fraqueza estrutural do euro e destacar o problema do superávit comercial alemão (não é coincidência que o protagonista do “açougue social” grego tenha sido o referencial mais importante do atlantismo nas instituições europeias, o atual primeiro-ministro italiano Mario Draghi).

O assunto do superávit comercial alemão merece mais investigação porque a moeda única também foi concebida como um sistema para evitar um fortalecimento excessivo do marco. O problema (norte-americano) é que os EUA são o maior devedor do mundo. A dívida pública dos EUA atingiu 132,8% do PIB em 2021; a dívida externa líquida subiu para 109% do PIB. Países com uma posição financeira internacional líquida positiva incluem Japão, Alemanha, China, Hong Kong (agora parte integrante da China) e Taiwan (considerado pela própria China como uma “província separatista”). O “problema fundamental” é que estes países são principalmente excedentes em termos de sua balança comercial com os Estados Unidos. Em 2019, o saldo para a China foi de +345 bilhões, para o Japão +69 bilhões, +67 para a Alemanha, +26 e +23 respectivamente para Hong Kong e Taiwan.

Agora, independentemente do fato de que uma eventual reunificação de Taiwan com a China não só aumentaria exponencialmente as capacidades industriais do país asiático, mas também reforçaria ainda mais sua posição creditícia em relação aos EUA (razão pela qual esta eventualidade deve ser absolutamente evitada por Washington) e independentemente do fato de que o Japão já foi vítima de guerras comerciais nos anos 80, a posição alemã merece atenção especial.

O golpe de Estado atlantista na Ucrânia em 2014 teve como objetivo específico a eliminação de qualquer possível cooperação entre a Alemanha (e num sentido mais amplo a União Europeia, da qual Berlim, quer aceitemos ou não, é a força motriz) e a Rússia. O atual ressurgimento das provocações da OTAN na Ucrânia tem exatamente o mesmo objetivo, ao qual se soma o desejo de forçar a Europa (disfarçada de “diversificação”) a comprar GNL norte-americano (gás natural liquefeito). A Europa e a Rússia, diz Qiao Liang, são gigantes pela metade. A Europa tem o poder econômico. A Rússia, ela própria parte da Europa, tem o poder militar. Unidos, eles seriam um gigante completo. Algo que os EUA nunca poderiam tolerar. É por isso que o verdadeiro inimigo do Velho Continente não está no Oriente, mas no Ocidente.

Notas
[1] Mark Zuckerberg and team consider shutting down Facebook and Instagram in Europe if Meta cannot process Europeans’ data in US server, www.cityam.com.
[2] Qiao Liang, L’arco dell’impero con la Cina e gli Stati Uniti alle sue estremità, LEG Edizioni, Gorizia 2021, p. 59.
[3] Tomemos, por exemplo, o caso emblemático italiano e o do Grupo GEDI em particular. Em 2020, no auge da crise pandêmica, M. Molinari (uma pessoa em “excelentes relações” com o grupo americano Stratfor Enterprise) tornou-se diretor do diário Repubblica (o principal jornal do grupo editorial ligado ao Grupo Bilderberg, a vanguarda política e financeira do atlantismo criada pela CIA e pelo MI6). Stratfor se define como uma “plataforma de inteligência geopolítica”. O grupo foi fundado pelo judeu húngaro (filho de sobreviventes do Holocausto) George Friedman, agora chefe do Geopolitical Futures, e por algumas personalidades diretamente ligadas ao Pentágono, como o ex-oficial do Comando de Operações Especiais dos EUA, Bret Boyd. Stratfor é considerada uma “CIA oculta” e tem laços profundos com a indústria de armas Lockheed Martin (a mesma indústria que, através do “laboratório de ideias” Project 2049 do protegido de Steve Bannon, Randall Schriver, está pressionando para a constante venda de armas a Taiwan), Goldman Sachs (o mesmo banco onde o primeiro ministro italiano Mario Draghi trabalhou), Bank of America e Coca Cola. Os Agnelli-Elkanns (proprietários do Grupo GEDI) também são mencionados pela revista britânica The Economist que, sem surpresa, declarou Mario Draghi “o homem do ano”.
[4] Ver D. Perra, Geopolitica e diplomazia dei vaccini, “Eurasia. Rivista di studi geopolitici” vol. LXV, 1/2022.
[5] K. Marx, Sulla questione ebraica, Bompiani, Milano 2007, p. 99.
[6] Ver L’uscita degli USA dall’accordo sul nucleare iraniano: conseguenze e implicazione per l’Italia, Osservatorio di Politica Internazionale, n. 139 setembro 2018.
[7] F. Mini, Introduzione a L’arco dell’impero, ivi cit., p. 22.
[8] Ibidem, p. 23.