A dissociação entre EUA e China continua
Em outubro de 2021, o cientista político americano Ian Bremmer publicou um artigo na Foreign Affairs intitulado “The Technopolar Moment“, onde apontava para o crescente poder das corporações no campo das tecnologias de informação e informática. E ao mesmo tempo, falou sobre o poder digital que está agora a ser distribuído entre os Estados Unidos e a China, e que “os globalistas precisam de estabilidade para terem sucesso na próxima década. O seu maior receio é que os Estados Unidos e a China continuem a se dissociar, forçando-os a escolher um lado em uma guerra econômica que levantará barreiras às suas tentativas de globalizar os seus negócios. A sua sorte melhoraria, se Washington e Pequim decidissem que com o excesso de regulamentação, corre o risco de minar a inovação que impulsiona as suas economias. No caso de Washington, isso significa abandonar uma política industrial concebida, para convencer as empresas de que podem prosperar como campeãs nacionais; para Pequim, significa preservar a independência e autonomia do setor privado.”
No geral, Bremmer repetiu o apelo de Brzezinski à criação das Duas Grandes, os Estados Unidos e a China. Porque agora o aumento da concorrência e dos conflitos, está a conduzir à volatilidade nos mercados, nas cadeias de abastecimento (os atuais problemas com semicondutores) e outros custos que Washington gostaria de evitar.
Mas ao longo dos anos seguintes, apesar do fato de que os Democratas globalistas estarem no poder nos Estados Unidos, o confronto com Pequim apenas se intensificou.
Os novos decretos e leis presidenciais aprovados pelo Congresso dos EUA foram restritivos em relação à China no domínio das tecnologias críticas.
Agora chegou ao ponto em que a administração Biden, confrontada com a oposição da China na “guerra dos chips”, informou os seus aliados, o Japão e a Holanda, que está a considerar a possibilidade de aplicar as restrições comerciais mais duras se as empresas como como a Tokyo Electron Ltd. e a ASML Holding NV, continuarem a fornecer acesso as tecnologias avançadas de semicondutores à China.
Na verdade, é afirmado abertamente que os Estados Unidos estão a considerar a possibilidade de impor uma medida chamada regra do Produto de Origem Estrangeira Direta (Foreign Direct Product Rule ou FDPR.). A regra permite que o país imponha controle sobre produtos fabricados no estrangeiro que utilizem mesmo a mais ínfima quantidade de tecnologia americana. Assim, Washington procura alavancar os seus parceiros, que já estão a sofrer perdas.
Como esperado, as sanções dos EUA desencadearam o efeito dominó (ao mesmo tempo, os próprios EUA tinham falado anteriormente sobre as ameaças de ruptura das cadeias de abastecimento e a necessidade de preservar a estrutura estabelecida das relações internacionais). As ações da Tokyo Electron caíram 7,5%, liderando uma queda na média das ações da Nikkei 225 do Japão. Outros fornecedores de equipamentos de chips, incluindo Lasertec Corp. e Screen Holdings Co, também ficaram entre os que mais caíram no mercado. As ações da ASML despencaram 11% em Amsterdã para € 870,90, mesmo com a empresa reportando reservas melhores do que o esperado no segundo trimestre, eliminando € 42.7 bilhões (US$ 46.7 bilhões) de seu valor de mercado. Esse foi o maior declínio desde março de 2020. As ações da Applied Materials Inc, Lam Research Corp e KLA Corp – os três maiores fabricantes americanos de equipamentos de chips – também caíram na semana passada.
As empresas norte-americanas sentem que as restrições às exportações para a China, as puniram injustamente e estão a pressionar por mudanças. Os Aliados, entretanto, veem poucos motivos para alterar as suas políticas, quando faltam apenas alguns meses para as eleições presidenciais dos EUA. No entanto, se Donald Trump chegar ao poder, serão tomadas medidas ainda mais duras contra a China, o que aumentará a volatilidade dos mercados de ações.
Mas há mais por vir. Há evidências de que a indústria de capital de risco chinesa está a passar por uma mudança radical, à medida que o casamento de duas décadas entre investidores norte-americanos e start-ups do continente chines chega ao fim. O capital estrangeiro na indústria de capital de risco da China caiu 60% em termos anuais, para US$ 3.7 bilhões de dólares em 2023, apenas 10% do pico registado em 2021, segundo a empresa de investigação Dealogic.
O “ciclo foi quebrado”, e a bifurcação entre fundos dos EUA e start-ups tecnológicas da China deverá aumentar, diz Winston Ma, professor de direito na Universidade de Nova Iorque.
Os investidores americanos obtiveram grandes retornos quando as start-ups chinesas prosseguiram a sua oferta pública inicial (IPO) nos EUA, mas os canais de levantamento estreitaram-se significativamente nos últimos anos devido às sanções dos EUA e às sanções retaliatórias da China.
Enquanto isso, Washington está a aumentar o seu escrutínio sobre os investimentos dos EUA em certos setores chineses, incluindo semicondutores, inteligência artificial e computação quântica. As casas de investimento norte-americanas GGV Capital, GSR Ventures, Qualcomm Ventures e Walden International, foram sujeitas a uma investigação por parte de um comité do Congresso dos EUA no ano passado sobre os seus negócios na China em áreas tecnológicas sensíveis.
O jornal South China Morning Post informou em julho que a busca da gigante tecnológica Shein por uma oferta pública inicial (IPO) em Londres, depois de a empresa ter sido rejeitada pelos reguladores de Nova Iorque, também atingiu obstáculos regulamentares naquele país.
O proprietário do TikTok, ByteDance, também enfrenta problemas. No geral, os investidores internacionais nos unicórnios (o termo significa uma startup que obteve um lucro enorme) mais bem-sucedidos da China, ainda estão à espera de levantar dinheiro, uma vez que os seus planos de IPO permanecem no ar. E isso significa a fuga do dólar, e consequentemente, a sua percepção como uma moeda tóxica, uma vez que a saída de capital de risco leva à formação de um vácuo que é preenchido pelos fundos estatais chineses. E enquanto os investidores externos discutem o futuro do mercado chinês, estão a ocorrer transformações que claramente não são a favor dos Estados Unidos e dos globalistas.
O 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, em sua terceira sessão plenária em Pequim, de 15 a 18 de julho de 2024, aprovou uma decisão sobre o aprofundamento abrangente das reformas e a promoção do desenvolvimento de alta qualidade da China, que deverá contribuir para a construção de um estado forte socialista modernizado.
E isto significa restringir ainda mais as manobras dos globalistas, mesmo os da China. Portanto, a dissociação aumentará, devido a novas mudanças no modelo econômico chinês, bem como devido a diferentes percepções da China e dos Estados Unidos sobre a ordem mundial.