CONSCIÊNCIA NEGRA NO SÉCULO XXI: POR UMA “NEGRITUDE INTEGRAL”
Em meados do século XX, várias correntes ideológicas contribuíram decisivamente para o processo de descolonização em África, criando no Negro e na Negra um sentimento de orgulho e o desejo de traçar o seu próprio destino. Uma dessas correntes foi a Negritude.
Negritude: corrente do orgulho Negro
A Negritude é um movimento filosófico-poético-cultural, com certa veia política, desenvolvido na década de 1930 pelos intelectuais Aimé Césaire (da Martinica), Léon-Gontran Damas (Guianense-Martinicano), Jacques Bemananjara (de Madagascar), as irmãs Paule Nardale e Jeanne Nardal (da Martinica), Birago Diop (do Senegal), René Depestre (do Haiti), Guy Tirolien (da Guadalupe) e Léopold Sedar Senghor (do Senegal). A Negritude nasceu como um conceito de oposição aos estereótipos coloniais e eurocêntricos sobre as populações negro-africanas e de exaltação do orgulho e do identitarismo Negro. A Negritude é a negação da negação do Homem Negro. Esta Negritude com características fortemente anticolonialistas influenciou o processo de libertação territorial de África nos anos 50/60.
As diferentes categorias de Negritude
Porém, é importante ressaltar que a Negritude é uma árvore que tem galhos. Se é verdade que o princípio e o caráter do orgulho Negro é o corpus central da Negritude, esta também teve categorias que se dividem em:
-Negritude marxista: essa era a linha do saudoso e brilhante intelectual Aimé Césaire. Este último, que pertencia, entre outros, ao Partido Comunista Francês, defendia uma Negritude alinhada com o marxismo. Na época, o comunismo atraiu todos os oprimidos pelo colonialismo, porque o comunismo defendia o internacionalismo proletário, a solidariedade, o anticolonialismo. Mas como expliquei em um de meus artigos em nosso site Nofi Media intitulado "La necessité d’un nouveau paradigme de renaissance africaine", o comunismo em seu sentido exógeno aparece como um modelo limitado para as realidades negro-africanas, que são, como disse o Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, ''sociedades comunitárias e não comunistas''. Esta categoria de Negritude pode ser benéfica se levar em conta que a África não nega a religião e se levar em consideração que a África se opõe tanto ao materialismo quanto ao classismo. No entanto, o grande Aimé Césaire, que deu uma contribuição enorme e não desprezível à Negritude, percebeu mais tarde que o comunismo exógeno não era o caminho a seguir. Aimé Césaire defendeu totalmente o identitarismo Negro, mas foi confrontado por marxistas caucasianos que pensavam que havia um problema de classe e não de raça. Aimé Césaire havia, portanto, deixado o Partido Comunista Francês e declarou em sua carta de demissão "Acredito que os Negros são cheios de energia, de paixões que não carecem de vigor nem imaginação, mas essas forças podem murchar em organizações que não são elas, feitas para eles, feitos por eles e adaptados a finalidades que só eles podem determinar''.
- Negritude Socialista: foi defendida pelo genial poeta Léon-Gontran Damas, grande defensor da Negritude e socialista convicto. Entre outras coisas, ele foi deputado na Guiana e sentou-se na Assembleia Nacional Francesa na bancada do socialista SFIO (seção francesa da Internacional dos Trabalhadores).
-Negritude senghoriana (ocidentalista): foi defendida por Léopold Sedar Senghor, primeiro presidente do Senegal, que liderou uma política pró-francesa e pró-Ocidente, responsabilizando-se pela co-construção do sistema Françafrique em África (neocolonialismo francês) e um pioneiro do globalismo intelectual em nosso continente. A figura de Senghor é bastante paradoxal: de um lado um Senghor que ostenta o orgulho Negro e ao mesmo tempo um Senghor político que está em desacordo com o que defendia intelectualmente (antes de se tornar presidente). Este Senghor apaixonado pelo Ocidente chegou a dizer "A emoção é negra, a razão é helênica" e foi um grande opositor de Cheikh Anta Diop (o maior intelectual Africano que reconstruiu a história africana liberta dos estereótipos eurocêntricos).
Por uma “Negritude Integral”
Neste século XXI, devemos revitalizar a Negritude. Mas terá que ser uma negritude radicalmente alinhada com a africanidade e não presa a ismos externos. Não terá que se alinhar com o comunismo/marxismo, o socialismo, o ocidentalismo, muito menos o liberalismo. A Nova Negritude, que chamo de Negritude Integral, terá que romper com o logos do pensamento exógeno (herdeiro do Iluminismo) e com tudo que está distante da nossa africanidade. Terá de ser uma Negritude que integre os nossos valores milenares africanos, a nossa forma de pensar, para nascer um novo Negro. Não será uma Negritude centrada num passeísmo deletério, que mistifica ou reconstrói o passado em chave moderna, mas será uma Negritude baseada em 5 eixos fundamentais:
- Identitarismo Negro: conforme ensinado pelos pais da Negritude, o orgulho da Identidade Negra virá em primeiro lugar;
-Etnofamilismo: na África o conceito de família é muito importante e os grupos étnicos são importantes. A Nova Negritude (Negritude Integral) vai integrar o que chamo de ''etno-familismo'', terá que valorizar as diferentes famílias étnicas presentes no Continente, as suas particularidades, adaptando-se às especificidades de cada uma delas. Mas cuidado! O etnofamilismo deve refutar categoricamente a supremacia tribal ou o etnocentrismo. A África tem diferentes famílias com as suas especificidades, as suas línguas, as suas tradições e a sua cultura, mas estamos, como ensinou o Dr. Cheikh Anta Diop, todos unidos por uma matriz civilizacional africana comum. Etnofamilismo deve rimar com Pan-africanismo. O Pan-africanismo quer a unidade das diferentes formas de africanidade. Ele não quer uniformidade, mas unidade. O etnofamilismo será, portanto, um importante eixo da Negritude Integral.
-Supernacionalismo: os atuais Estados-nação africanos criados na conferência de Berlim não estão em harmonia com o etnofamilismo (pilar do pan-africanismo). Será necessário, portanto, passar do micronacionalismo ao conceito de supernacionalismo, baseado na teoria dos grandes espaços civilizacionais do mundo. Um Império Africano acentuará o sentimento de Negritude.
-Afrocracia[*]: porque será uma Negritude continentalista, girará em torno do conceito de poder africano reconquistado na África (coração da Terra) na era do mundo multipolar emergente. A afrocracia é um eixo importante da Negritude Integral, que permitirá a esta não ver o socialismo, o marxismo, o leninismo, o stalinismo, o maoísmo, o ocidentalismo, o liberalismo, a social-democracia como barômetros.
-Revolucionismo: Revolução significa retroceder (da palavra revolutio) e, portanto, a Negritude Integral deverá conduzir o Homem Negro e a Mulher Negra ao retorno de sua ontologia civilizacional, através do princípio africano denominado ''sankofa''.
Os Negros precisam de um pensamento inaugural, que reavive nossa civilização. Precisamos de africanos com identidade, ligados às suas raízes, unidos, autodeterminados, orgulhosos, eticamente viris, criativos, conscientes do seu contributo para a Civilização e conscientes de que são os guias mais antigos desta Humanidade, e que por isso têm hoje um papel.
Texto escrito por Farafin Sandouno
Fonte: Nofi Media