Bangladesh: Ataque Direto a um dos Corredores-Chave da Iniciativa Cinturão & Rota

26.08.2024
Para entender a revolução colorida no Bangladesh é fundamental entender o papel da Baía de Bengala e dos países circundantes na Iniciativa Cinturão & Rota.

Na nefasta estratégia de escalada bélica que os Estados Unidos estão seguindo, em consonância com sua política externa de guerras repetidas, o que está acontecendo em Bangladesh assume um papel central ao enquadrar a tentativa dos EUA de desestabilizar as novas alianças do mundo multipolar.

A posição da Iniciativa do Cinturão e Rota

Como já é bem sabido, um dos pontos-chave das novas alianças é a Iniciativa do Cinturão e Rota, uma rota comercial que desempenha um papel central na conexão dos diferentes países do macrocontinente euroasiático.

A Iniciativa Cinturão & Rota foi estabelecida em 2013 por iniciativa da República Popular da China como uma infraestrutura comercial que envolve 150 países e organizações internacionais. Consiste em 6 áreas de desenvolvimento urbano terrestre conectadas por estradas, ferrovias, oleodutos, sistemas digitais e rotas marítimas vinculadas através de portos. Xi Jinping anunciou originalmente a estratégia como o “Cinturão Econômico da Rota da Seda” durante uma visita oficial ao Cazaquistão em setembro de 2013. O termo “cinturão” refere-se às rotas terrestres propostas para o transporte rodoviário e ferroviário através da Ásia Central sem litoral ao longo das famosas rotas comerciais históricas das regiões ocidentais; “rota” é a abreviação de “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, que se refere às rotas marítimas do Indo-Pacífico através do Sudeste Asiático até o Sul da Ásia, Oriente Médio e África.

O objetivo da iniciativa é simples: a cooperação internacional para aumentar o poder econômico e o status no cenário global. Os objetivos declarados da Iniciativa Cinturão & Rota são construir um grande mercado unificado e aproveitar ao máximo os mercados internacionais e nacionais, através da troca cultural e da integração, para melhorar o entendimento mútuo e a confiança dos países membros, criando um modelo inovador de entradas de capital, grupos de talentos e bases de dados de tecnologia. Nada está excluído do cálculo: infraestrutura, educação, transporte, construção, matérias-primas, terras raras, tecnologia. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a Iniciativa Cinturão e Rota se tornou o imã econômico de atração da China para o mundo todo.

Hoje, em 2024, há 140 países aderentes, que representam 75% da população mundial.

Na Rota Marítima da Seda, por onde já circulam mais da metade dos contêineres do mundo, os portos de águas profundas estão sendo ampliados, centros logísticos estão sendo construídos e novas rotas de tráfego interior estão sendo criadas. Esta rota comercial se estende da costa chinesa para o sul, unindo Hanói, Kuala Lumpur, Singapura e Jacarta, e depois para o oeste, conectando a capital do Sri Lanka, Colombo, e Malé, a capital das Maldivas, com a África Oriental e a cidade de Mombaça, no Quênia. De lá, a conexão segue para o norte até Djibuti, através do Mar Vermelho e do Canal de Suez até o Mediterrâneo, conectando Haifa, Istambul e Atenas, com o Alto Adriático até o centro italiano de Trieste, com seu porto franco internacional e suas conexões ferroviárias com a Europa Central e o Mar do Norte.

As regras da ICR são ditadas principalmente por certas alianças de parceria: o Fórum de Cooperação China-África, o Fórum de Cooperação China-Estados Árabes, a Iniciativa de Cooperação de Xangai e, claro, o BRICS+.

Enfraquecer a Índia para desestabilizar o Rimland

Claro, as críticas à ICR vêm do (agora não mais) hegemon atlântico: muita influência chinesa, muito poder econômico e, portanto, muita autonomia política. E não apenas para a China, mas também para os diversos estados vizinhos que estão vinculados aos EUA de uma forma ou de outra.

A ICR de fato ampliou o poder marítimo da China, expandindo sua influência política. Na teoria geopolítica clássica de Halford Mackinder e seus sucessores americanos, essa influência significa apenas uma coisa: limitar o poder da talassocracia americana, forçando-a a encontrar outras rotas para conquistar o Heartland (coração da Eurásia). Embora a China não seja uma Civilização do Mar (talassocracia), mas sim uma Civilização da Terra (telurocracia), ela conseguiu explorar a dissuasão econômica como potência marítima, equilibrando o suficiente para assustar os Estados Unidos da América e seus (muito poucos) parceiros.

De fato, existe um risco estratégico: Rimland, a zona costeira que atua como amortecedor no choque entre as telurocracias eurasiáticas e as talassocracias atlantistas, não pode ser cedido a baixo preço. A ICR é objetivamente parte de uma estratégia mais ampla de controle militar sobre o estreito de Malaca e “envolve” a cadeia de ilhas militares americanas. Isso significa que os americanos perderam gradualmente sua liberdade de iniciativa militar e agora não têm mais a liberdade de mercado para agir indiscriminadamente.

Os Estados Unidos sabem muito bem disso e, por isso, organizaram um golpe de Estado em Bangladesh, um país muito importante para a estabilidade da Índia, que é o maior e mais importante país, depois da China, na ICR, e o único que ainda está vinculado ao Ocidente por um duplo fio.

Nos últimos meses, a Índia negou repetidamente seu apoio estratégico aos Estados Unidos, em particular para o controle do Mar Arábico e do Golfo Pérsico; no mês passado, Narendra Modi foi a Moscou e assinou acordos com a Rússia; tudo isso não caiu bem em Washington, que ordenou o derrubamento do governo de Sheikh Hasina em Bangladesh.

Hasina é pró-Índia, o que significa que Nova Délhi poderia desfrutar de um aumento da estabilidade regional. Hasina também significava um equilíbrio entre os conflitos étnicos e religiosos, onde já entre 2001 e 2006 houve vários problemas devido aos vínculos entre grupos e partidos nacionalistas em Bangladesh e no Paquistão; ela rejeitou as concessões territoriais e a colaboração militar com os EUA e se opôs à pressão anti-China.

Assim, veio o castigo: derrubar Hasina por meio de um golpe de Estado microrrevolucionário para instalar uma junta interina com um homem escolhido por Washington. Tudo ao estilo das barras e estrelas. Não é por acaso que o Departamento de Estado norte-americano manifestou imediatamente seu apoio à mudança de regime político, sem sequer esperar algumas horas para que ela ocorresse.

Desestabilizar Bangladesh é uma tentativa de minar a segurança da Índia e, como a Índia é a garantidora da estabilidade e da autonomia de Rimland, os Estados Unidos tentarão alterar o equilíbrio regional fomentando conflitos internos e retardando os acordos econômicos. Um governo pró-americano obrigaria todos os países vizinhos a reavaliar seu compromisso com a segurança e a participação em alianças. Embora seja verdade que Bangladesh não pode, por si só, enfrentar a Índia e não pode determinar sua política interna, também é verdade que uma série de perigos estratégicos na fronteira entre a Índia e Bangladesh seria um problema muito difícil de manejar neste momento.

O que acontecer nos próximos dias será decisivo não apenas para o futuro de Bangladesh e da Índia, mas também para toda a Iniciativa do Cinturão e Rota e os projetos relacionados.

Tradução por Raphael Machado

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